segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Visões sobre o Nordeste

LEGADO DE CELSO FURTADO

NE em tempos de vigor precisa de Sudene forte

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Lula e o economista Celso Furtado, durante a solenidade de recriação da Sudene, em Fortaleza, em 2003. Nascia um novo compromisso com o desenvolvimento regional?

17/1/2010

Instituição que inaugurou o planejamento completou 50 anos sem prestígio político e financeiro

Depois de anos à margem do desenvolvimento, o Nordeste brasileiro agora parece despontar, apresentando um novo vigor econômico há tempos esquecido. Entretanto, apesar de a retomada do crescimento estar saltando aos olhos apenas recentemente, já faz algumas décadas que ela começou a ser buscada de forma mais sistemática. E foi há 50 anos que essa preocupação política com a região como um todo ganhou nome, por meio de uma instituição criada para começar a tirar as pedras do caminho dos estados nordestinos: a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste, ou simplesmente Sudene.

Essencial para a criação dos primeiros planos de desenvolvimento para a região, a Sudene acabou enfraquecendo-se com o tempo e hoje, recriada e cinquentenária, já não consegue impor a mesma importância que possuía na região em décadas anteriores. Restrição de recursos e de pessoal amarram as pernas da autarquia que, por hora, reflete que papel deve desempenhar em um novo Nordeste, envolvido em uma outra realidade socioeconômica.

Quando foi criada, em 1959, sob inspiração do economista Celso Furtado, a Sudene recebia 4% do Orçamento Geral da União. O Brasil acabara de ser campeão mundial de futebol pela primeira vez, erguia-se Brasília e as primeiras indústrias automobilísticas se instalavam em São Paulo. Em 2009, a receita tributária da União, sem incluir a Previdência, chegou perto de R$ 500 bilhões, o que daria à autarquia uma verba de R$ 20 bilhões. O que realmente caiu na conta no ano passado não passou de R$ 1 bilhão.

Com o enfraquecimento e posterior extinção da Superintendência, os estados nordestinos foram buscando seus próprios meios de se desenvolverem. A ideia de Nordeste passou a ser lembrada para caracterizar uma região ainda atrasada em relação ao resto do País, mas não para buscar recursos que a fizessem "desencantar" como um todo. Na prática, cada Estado passou a disputar individualmente novos empreendimentos, ofertando incentivos fiscais que atraíssem para seus territórios o maior número de empresas, prática que passou a ser chamada de "guerra fiscal".

Nesta outra realidade, a autarquia foi recriada, em 2001, mas sofreu vetos presidenciais que ainda dificultam a sua plena atividade. "Não acredito que a Sudene como está tenha condições para contribuir efetivamente para a promoção do desenvolvimento do Nordeste", critica Leonides Alves da Silva Filho, que fez carreira na autarquia e é autor do livro "Sudene 50 anos: Uma abordagem política, institucional e administrativa" e presidente do Instituto Nacional de Administração para o Desenvolvimento (Inad).

Períodos operosos

O cearense Valfrido Salmito, ex-superintendente, afirma que "os primeiros 25 anos da Sudene foram os mais operosos e de obtenção de melhores resultados para o desenvolvimento regional, apesar da reconhecida pouca simpatia dos longevos ministros Delfim e Velloso". "A partir do Governo Sarney, estendendo-se por Collor, Fernando Henrique e Lula, agravou-se, de forma acentuada, a falta de apoio federal ao desenvolvimento regional, através da Sudene"

O atual superintendente do órgão, Paulo Fontana, admite que a instituição sofre problemas, e que há vetos que precisam ser revertidos. Contudo, afirma que a Sudene já vem, apesar das dificuldades, operando de forma concreta na região, dispondo de financiamentos e incentivos fiscais que têm sido, segundo ele, essenciais para a implantação de novos empreendimentos por aqui.

"Nós melhoramos o ritual administrativo do decreto. Hoje, não temos recursos perdidos, estão todos alocados", garante. O que é consenso entre eles é a necessidade da existência de uma instituição que articule, coordene e promova o desenvolvimento da região.

"A extinção da Sudene, em 2001, gerou um vácuo institucional e técnico no Nordeste, desaparecendo uma instituição, que com todas as dificuldades, realizava trabalhos de articulação e mobilização. Sua falta gerou uma apatia na Região", analisa Leonides.

"Existem no Nordeste problemas que envolvem vários estados, exigindo a implementação de programas como a Ferrovia Transnordestina, a Transposição de Águas do Rio São Francisco, o Semiárido, e vários programas sub-regionais, que envolvem mais de um estado, exigindo intervenção sub-regional que deverá ser feita através de uma instituição de desenvolvimento regional como a Sudene", complementa.

PRIMEIRA MISSÃO
Meta era conhecer a região

O que é que o Nordeste - e não somente a baiana, como questionava Dorival Caymmi - tem? A resposta à pergunta, muito comum na década de 1950, foi a principal busca da Sudene, logo após criada, em 15 de dezembro de 1959. Naquele período, em terras bem mais pobres que as de hoje, havia, além de tantas carências, a de conhecimento sobre as potencialidades dos estados e a de pessoal com formação para elaboração de um plano de desenvolvimento para a região. A missão número um da Sudene foi conhecer o Nordeste. "Quando a Sudene foi criada, inexistia na região uma infraestrutura institucional/operacional capaz de realizar, de modo sistemático, levantamentos básicos, pesquisas e estudos, como também inexistia uma filosofia de desenvolvimento que orientasse a elaboração de programas e projetos, como processo, voltado para aumentar o Produto Interno Bruto e a distribuição de renda. Por outro lado, havia desconhecimento sobre as riquezas da região, o que inviabilizava a definição de políticas para o aproveitamento das oportunidades", analisa o professor Leonides Alves.

Mas uma solução necessitava ser buscada, até porque foi exatamente o agravamento das tensões sociais causadas pela concentração de investimentos federais no Sudeste que impulsionaram a criação da autarquia. "Para conhecer o Nordeste, entretanto, necessitaria de profissionais capacitados para tratar as oportunidades dentro de um enfoque de desenvolvimento. Seu primeiro superintendente, Celso Furtado, promoveu a realização de cursos de desenvolvimento para profissionais de todas as categorias, com o objetivo de fazer com que cada um, na sua respectiva área, tratasse os problemas sob a abordagem do desenvolvimento", lembra.

E assim aconteceu. A Sudene começou a elaborar os primeiros planos de desenvolvimento do Nordeste, focados, segundo o objetivo síntese de Celso Furtado, em "fazer surgir no Nordeste uma classe empresarial forte, tanto no campo industrial, como agroindustrial, devidamente articulada com o setor agrícola, com capacidade, de forma autossustentável, dar prosseguimento ao processo de desenvolvimento", explica o professor. Esse planejamento regional, destaque-se, surgiu ainda antes de haver no Brasil um plano de desenvolvimento nacional. Enquanto a Sudene foi criada em 1959, o primeiro cargo de Ministro do Planejamento veio apenas em 1962.

Naquela época, a agricultura, base da economia da região, amargava uma baixa produtividade, seja pelas próprias razões climáticas, com as preocupantes secas, seja pela rudimentar mão de obra. Foi, então, buscada uma saída através da industrialização, criando condições de infraestrutura e logística para atrair o capital privado.

Hoje, a realidade, defende Leonides, é bastante diferente. Como consequência permanente da atuação da Sudene, o Nordeste foi encontrando os seus caminhos para desenvolver, e ainda vem buscando novas oportunidades. O turismo vem sendo um grande propulsor desse crescimento. O agronegócio foi se desenvolvendo e a região ainda vem abrindo mais espaços para a sua industrialização.

"Hoje, os estados do Nordeste possuem secretarias, sociedades de economia mista, centros de estudos e pesquisas, integrados por pessoal competente, com formação adequada, e universidades que possuem pessoal representativo com formação de doutorado e mestrado, ou seja, existe uma massa crítica no Nordeste competente, para estudar, propor alternativas e conduzir programas de desenvolvimento", avalia. (SS)

SÉRGIO DE SOUSA/SAMIRA DE CASTRO
REPÓRTERES

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COMBATE À SECA

Chegou a era das políticas públicas

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Desigualdade na distribuição de água é apontada como uma das consequências da falta de planejamento para o Nordeste. Os carros-pipa ainda são uma realidade regional

17/1/2010

Os governos voltavam os olhos para o Nordeste sempre em épocas de seca. Um dos órgãos precursores foi o Dnocs

Do Brasil Colônia à República, o Estado nacional tem empregado alguns esforços para corrigir as distorções espaciais, econômicas e sociais do semiárido nordestino. De acordo com o engenheiro agrônomo e técnico em desenvolvimento econômico e social, Francisco Ésio de Souza, ex-superintendente adjunto da Sudene, estas tentativas podem ser agrupadas em pelo menos quatro momentos distintos: a fase dos socorros, a hidráulica, a do planejamento - onde se enquadra a Sudene - e a do Governo Lula, com políticas públicas e econômicas para a região.

A fase dos Socorros ou das Comissões Científicas ou Pré-hidráulicas vai do povoamento à criação da Inspetoria de Obras Contra as Secas (Iocs), em 1909, no Governo Nilo Peçanha. "Foi um período caracterizado pela falta de uma estratégia definida e contínua em ajustar o meio ao homem ou este ao meio, deixando o homem absolutamente exposto às asperezas do clima", explica. A fase Hidráulica inicia-se com a Criação da Iocs - que deu origem ao centenário Dnocs - e vai até1959. "A luta institucional organizada de combate às secas deflagrou-se com o advento da Inspetoria, no Governo Nilo Peçanha, sob a inspiração do mineiro Francisco Sá, ministro da Viação e Obras Públicas. O engenheiro Miguel Arrojado Ribeiro Lisboa foi o primeiro inspetor geral da Iocs, permanecendo no cargo de 1909 até 1912".

O verdadeiro salto no que diz respeito ao tratamento do semiárido na visão da sustentabilidade viria em 1919, com a eleição de Epitácio Pessoa. "Ele assumiu no epicentro de uma das mais terríveis secas do século XX no Nordeste e transformou a IOCS em Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (Ifocs).

A Ifocs, com o apoio político do presidente paraibano, preparou o Plano de Socorro às Vitimas da seca do Nordeste, submetendo à consideração do Presidente, que por vez, enviou ao Congresso Nacional. Souza explica que foram muitos os debates no Congresso sobre a ajuda ao Nordeste - a esta altura apelidado de região problema pelos adversários do governo.

Por fim, o Congresso Nacional da República Velha aprovou o mais consistente plano de Socorro às Vitimas das Secas do Nordeste. "O governo, contrariando poderosas forças, iniciava a execução de seu plano. O Nordeste era prioridade nacional, transformando-se num canteiro de obras, onde eram construídas estradas, ferrovias, rios e açudes", relembra.

Inaugurava-se, assim, uma fase nunca vista do regionalismo brasileiro. Remonta desse período, o início e ou conclusão de grandes barragens no Nordeste. No entanto, na visão de Souza, o plano de Epitácio tinha lacunas: a ausência de esforços nos segmentos de educação e de tecnologia própria voltada para o semiárido e nenhuma ação que redundasse no acesso à terra, além da já mencionada descontinuidade. "A pobreza, sem acesso à terra e à educação, ascendia". (SC)

INCERTEZAS NO FUTURO
Quais as razões do atraso?

Apesar de representar cerca de um terço da população brasileira, o Nordeste hoje responde por apenas algo entre 13% e 14% do PIB nacional. Mesmo com um crescimento superior ao do Brasil, a região ainda não consegue ampliar de maneira significativa a sua participação na economia do País. A ausência de um plano de desenvolvimento para os estados nordestinos é apontada, segundo pesquisadores, como uma das explicações deste atraso.

"Do ponto de vista da economia, foram fortalecidas as políticas de turismo internacional, construção civil (expansão do crédito imobiliário) e agronegócio (agricultura irrigada), que são políticas nacionais e por vários motivos chegaram ao Nordeste. O planejamento não foi resgatado neste governo como foi amplamente exposto nos discursos, tanto faz ter Adene ou Sudene, Dnocs, como não, são apenas aparelhos burocráticos", avalia a economista Cleide Bernal.

Segundo ela, que também é doutora em planejamento urbano e regional, não há política desenvolvimentista para o Nordeste e a falta de planejamento se dá pelo fato de a Região não ser mais considerada uma área de problema desde o governo FHC. "Na falta de órgãos de planejamento atuantes, os problemas da guerra fiscal, da desertificação do semiárido e da desigualdade na distribuição da água vão continuar se agravando e provocando novas formas de pobreza no campo e nas cidades. Isto, sem falar de outros problemas graves ainda existentes na região".

O professor Leonides Alves acrescenta a falta de mobilização da sociedade nordestina como uma das explicações no atraso do desenvolvimento da região, aliada aos baixos níveis educacionais. "Entre 1959 e os dias de hoje, houve progressos relevantes, entretanto, somente uma ação política, técnica e, principalmente, uma pressão organizada da sociedade pode reverter essa tendência". (SS)

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PRIMEIROS PASSOS (17/1/2010)

Indústria e turismo iniciaram o fortalecimento econômico

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Atividade turística, assim como grandes empreendimentos industriais vêm mudando o perfil do Nordeste

17/1/2010

Desde 2002, os grandes projetos do governo federal começaram a diminuir disparidades regionais

Será que agora, enfim, é a vez do Nordeste? A região vem mostrando crescimento acima da média do Brasil, está atraindo grandes empreendimentos industriais, como refinarias, siderúrgica e estaleiros, e vem-se consolidando nacional e internacionalmente como um importante território para a exploração da atividade turística. Ainda há um longo caminho pela frente para equalizar as disparidades regionais em relação ao restante do País, mas os primeiros passos já vêm sendo dados. Mas o que vem influenciando nesta guinada nordestina rumo ao desenvolvimento?

De acordo com a economista doutora em planejamento urbano e regional Cleide Bernal, esse processo já vem de algumas décadas, mas foi fortalecido a partir de 2002. "Neste período, há um fortalecimento da economia nordestina por conta dos grandes projetos do governo federal para o Nordeste, com o intuito de gerar empregos, como refinarias, expansão das universidades federais e obras públicas (PAC) e também pela ação do capital privado, atração de indústrias e serviços, ocasionada pelo aumento do consumo na região, especialmente das classes C e D", explica.

Contudo, a estrada que separa o desenvolvimento de regiões como Sul e Sudeste da Nordeste ainda é longa. "Acredito que levarão algumas décadas ainda para o Nordeste se firmar como região desenvolvida, como o Sudeste. No momento conjuntural, uma parcela dos pobres têm se beneficiado, assim como os ricos (empresarios)".

Segundo ela, um dos motivos para as dificuldades encontradas no Nordeste é concentração do crescimento em alguns segmentos, como turismo de grandes hotéis e grandes projetos imobiliários. "(Estes) chegam às metrópoles, causando problemas urbanos de segregação social e agravamento de problemas ambientais nas áreas de praias. Do ponto de vista social, por exemplo, o analfabetismo na zona rural ainda é de 33% no Nordeste contra 10% na média brasileira", compara.

Bernal avalia que o crescimento econômico nordestino começou a ter vez na década de 1970, na fase áurea da Sudene, mas sem uma resposta efetivamente direta na elevação do nível social dos nordestinos. "Este período é considerado uma fase de desconcentração virtuosa em relação ao resto do País, porque setorialmente todas as regiões registraram crescimento econômico, tanto pelo momento histórico, ora pelas políticas econômicas territoriais que foram viabilizadas naquela época, com os grandes projetos econômicos levados para outras regiões do País, além de São Paulo", analisa. Um segundo período, de acordo com ela, é o amadurecimento do processo de desconcentração evidenciado a partir dos anos 1990. "É chamado de desconcentração neoliberal, pela escassez das chamadas políticas compensatórias, com a redução de recursos federais na Região, e pela ausência de mecanismos de regulação econômica, com o enfraquecimento da Sudene e de outros órgãos federais. Na época predominaram as políticas estaduais de guerra fiscal", assinala.

Esta fase ainda repercute hoje em dia, mas começa a ser repensada, tanto com a recriação da Sudene, como com o início de trabalhos conjuntos entre chefes de Executivo dos estados nordestinos, preocupados com a infraestrutura regional, ainda deficitária. (SS)

ROMBO DE R$ 400 MI
Escândalos do Finor marcam capítulo triste da Sudene

Passadas cinco décadas, a Sudene luta para corrigir distorções. Um capítulo triste marca sua história: os desvios de recursos do Fundo de Investimentos do Nordeste (Finor) - principal mecanismo de incentivo já implantado na Região - e as denúncias de corrupção envolvendo funcionários, que culminaram com a extinção da autarquia, em maio de 2001, no governo de FHC. O rombo foi estimado em cerca de R$ 400 milhões, referentes pouco mais de 50 projetos não concretizados. No Ceará, até 2000, a dívida nos financiamentos com irregularidades chegava a R$ 144 milhões, conforme o caderno especial "Escândalos do Finor".

"A Sudene não foi um poço de corrupção, como tentam passar, embora erros e desvios possam ter ocorrido e deviam ter sido apurados e seus autores punidos com firmeza", avalia a economista Tânia Bacelar, ex-diretora da Superintendência e uma das maiores responsáveis pela sua reformulação, no Governo Lula. "Extingui-la foi um equivoco imperdoável. A onda liberal que varreu o País (vinda do mundo) e a necessidade de evitar uma CPI indesejada levou a desviar o foco para ela e para a Sudam. Seu final melancólico serviu a interesses mesquinhos, que não eram os dela".

Desde a sua criação, em 1974, o Finor, maior responsável pelo desenvolvimento da base industrial nordestina, financiou a instalação de mais de 3 mil empresas, gerando aproximadamente 458 mil empregos diretos. O total comprovado de desvio gira em torno de 10% dos recursos liberados desde a década de 70. A estrutura do Finor abrangia uma enorme gama de agentes e órgãos, diz o professor Hélio Sílvio Ourem Campos, da Universidade católica de Pernambuco. (SC)

INSTITUIÇÃO "FAZ DE CONTA"?
Poder de intervenção é restrito

Ao sancionar a recriação do órgão, presidente Lula vetou 9 dispositivos constantes dos 24 artigos do Projeto

Renascida com várias ressalvas ao seu projeto de recriação, a Sudene hoje não dispõe do mesmo poder de intervenção que possuía outrora. Ao todo, foram nove vetos estabelecidos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao documento redigido pelo Grupo Interministerial coordenado pela economista e socióloga Tânia Bacelar. Tais vetos fazem com que o presidente do Instituto Nacional de Administração para o Desenvolvimento (Inad), Leonides Alves, a caracterize como uma instituição de "faz-de-conta".

"O Presidente Lula ao sancionar o Projeto de Lei vetou nove dispositivos constantes dos 24 artigos do Projeto, e o pior, na sua grande maioria foram vetos financeiros, ou seja, retirando recursos da Sudene.

Dentre os vetos, pode-se destacar o que determina a regionalização do Orçamento Federal, regionalização essa prevista no art. 35, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal", explica Alves.

Também foi vetado o dispositivo que determina que o Poder Executivo inclua obrigatoriamente na Proposta Orçamentária Anual recursos para a Sudene em função da variação da Receita Corrente Líquida da União. "O que ocorre é que o veto no Brasil representa uma postura ditatorial, porque nunca ou dificilmente são apreciados pelo Congresso Nacional, a quem a Legislação atribui o poder de derrubar tais vetos. Caso o poder político e a sociedade organizada não se mobilizem, para derrubar esses vetos, ou consigam os recursos de outro modo, a Sudene vai ser apenas uma instituição: faz de conta que eu existo; faz de conta que eu promovo o desenvolvimento do Nordeste; faz de conta que eu tenho recursos, e o pior, faz de conta que o Presidente Lula criou uma instituição forte, realmente capaz de promover o desenvolvimento do Nordeste", critica ele.

Sem autonomia

Além dos vetos, ainda há outros problemas, segundo ele. "O artigo que reinstitucionalizou a Sudene diz que a instituição é vinculada ao Ministério da Integração Nacional. Entretanto, a Sudene é tratada pelo ministério como um mero órgão, totalmente subordinado ao ministro e sem qualquer autonomia. O ministério centralizou decisões e recursos, e a Sudene, embora seja uma autarquia, não tem poder decisório regional", explica, lembrando que antes a autarquia era vinculada diretamente à Presidência da República.

O superintendente da autarquia, Paulo Fontana, admite as dificuldades e afirma que existem vetos que precisam ser retirados. "Precisamos de mais apoio para mudar isso, para que possamos aumentar os nossos objetivos", diz.

Entretanto, ele afirma que a Sudene conseguiu um avanço no que se refere ao projeto aprovado para sua recriação que foi em relação ao destravamento do FNDE.

Antes, para a circularização das notas fiscais do uso do dinheiro do fundo, eram exigidos pareceres da Receita Federal e das fazendas estaduais e municipais comprovando o pagamento de impostos, o que emperrava os processos e dificultava a liberação dos recursos.

Um novo decreto foi conseguido, entretanto, determinando que as notas sejam colocadas na internet. "Quem achar que existe algum problema, pode procurar na Internet e denunciar", explica. Este, contudo, foi apenas a o primeiro desentrave, e ele está consciente que há ainda muito o que melhorar pela frente. (SS)

ENTREVISTA
Tânia Bacelar

"Retomada da Sudene foi pífia. Digo que faltou apoio político"

O que a Sudene proporcionou, nestes 50 anos, à economia da Região Nordeste?

A Sudene marcou sua presença no desenvolvimento do Nordeste e a história registrará isso. O investimento que ela fez no conhecimento da realidade regional, na formação de quadros especializados para a região e a mudança radical na infraestrutura econômica de transportes e energia mudaram as condições para atrair investimentos produtivos. E a indústria que ela financiou mudou a realidade regional, especialmente nas áreas metropolitanas do Nordeste. Isso é inegável.

Muitas críticas costumam ser feitas aos vetos presidenciais no projeto de lei complementar 125/2007, que recriou a Sudene, esvaziando seu orçamento e restringindo seu papel no desenvolvimento nordestino. A senhora concorda?

A retomada foi pífia. Não coloco o erro principal nos vetos. Os governadores dos estados do Nordeste, com alguns aliados de fora, antes, ainda no Congresso, haviam esvaziado o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) - principal fonte de financiamento proposta - rateando os recursos entre eles. Os empresários não se mobilizaram (talvez porque o Finor ou outro bloco de incentivos não fundamentavam a proposta de recriação). Os movimentos sociais talvez tenham considerado que as politicas nacionais de combate a pobreza e os aumentos da renda e do emprego já davam - como estão gerando bons resultados. Por isso, digo que, na verdade, o que faltou foi apoio político.

Que agenda a Sudene pode levantar para o Nordeste hoje, sobretudo à luz do pré-sal?

A exploração do petróleo do pré-sal tende a reconcentrar nas Regiões Sudeste e Sul a indústria da cadeia produtiva ligada a esta atividade. O Nordeste não pode disputar somente parte da receita publica - como fez este ano. Muito importante seria disputar as indústrias petroquímicas e as de serviços de fornecimento a esse que será um carro chefe do crescimento do País nestas próximas décadas. Divididos, os estados do Nordeste são fracos.

Economista e socióloga

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Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Negócios. Fortaleza, 17 de janeiro de 2010.

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