segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Vivências e imagens em obra literária

17/1/2010

Mesmo com a correria diária da profissão, a jornalista Natercia Rocha traz um registro singelo e profundo da zona norte

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Arco-íris na Serra da Ibiapaba. Foto tirada durante as viagens da autora Natercia Rocha na zona norte

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Plantação de flores em São Benedito, na Serra da Ibiapaba, que faz parte do Livro "Rumo Norte"

Fortaleza Dizem que jornalistas são profissionais dedicados (ou metidos) a conhecer de um tudo, e que tal conhecimento se resume a um registro imediatista e superficial dos fatos e coisas que os cercam. Mas é a partir dos registros imagéticos da cobertura jornalística, aliados às impressões poéticas suscitadas pela riqueza cultural e humana da zona norte cearense, que a jornalista Natercia Rocha compõe com delicadeza e esmero o livro "Rumo Norte", trazendo as peculiaridades de uma região para além das pautas diárias. O lançamento acontece em Fortaleza, na próxima quinta-feira (dia 21), às 19 horas, no Mercado dos Pinhões.


Nascida em Fortaleza e criada em Juazeiro do Norte, foi por conta do trabalho que Natercia Rocha foi viver numa região ao mesmo tempo familiar e alheia a ela. "Meus pais nasceram em Santana do Acaraú. Comecei então a trabalhar na cobertura jornalística da região norte, o que fez com que eu tivesse que me mudar para Sobral. Viver e trabalhar nessa região foi como um retorno a algo que não conhecia, mas que ao mesmo tempo fazia parte de mim", lembra.

Conexões

Correspondente do Diário do Nordeste entre 2006 e 2008, o material reunido em "Rumo Norte" foi obtido tanto em reportagens na época em que trabalhou na Sucursal de Sobral como na vivência de povos e ambientes, devassados pelo olhar acurado do repórter e do ser sensível. Apesar de ter publicado a partir do V Edital de Incentivo às Artes da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), na categoria Literatura, Natercia considera "Rumo Norte" fruto de um experiência, acima de tudo, de comunicação.

"Tenho muito respeito pelos ofícios de fotógrafo e de escritor para me considerar qualquer um deles. Eu voltava de muitas pautas e sentia a necessidade de colocar para fora esse contato com o outro, porque o trabalho numa sucursal faz com que você produza material para todas as editorias, de Cultura a Polícia. Então não dá para ficar indiferente diante de um acidente, de um desastre natural, de uma festa religiosa ou mesmo do sorriso de uma lavadeira a quem você foi pedir uma informação", relata a autora. Natercia conta que muitos dos poemas vinham de madrugada, "no susto". "A verdade é que eu nem sabia que podia escrever. Muitas vezes mostrava os meus poemas a um amigo e ele me incentivava a continuar". Ao deixar o jornal para viver em Jericoacoara, a ideia começou a tomar forma. "Coloquei os textos e as fotos na minha frente e percebi que tinha algo ali".

Belos contrastes

Diferente de uma visão elitista e tradicional que se costuma ter daquela região, principalmente por conta dos mitos e bairrismos em torno de Sobral, a jornalista nos coloca de frente com um lugar prenhe de belos contrastes: da dureza do chão ressequido às cores indecorosas das flores de estufa; do verde vívido dos olhos da menina aos retratos esmaecidos na parede sem reboco; da tapera engolida pela areia à arquitetura pomposa das igrejas em dia de festa.

Mas o que mais chama a atenção na obra é, de fato, as ligações entre texto e imagem, que desafiam o leitor/espectador a devassar sentimentos pessoais e universais. Vão de uma homenagem à Abbey Road (último disco gravado pelos Beatles), combinado com passo sincronizado de um encontro entre políticos, até um poema póstumo para José Alcides Pinto, em que se vê o enterro do poeta na comunidade de Parapuí, onde nasceu. Ao contrário de uma correspondência imediata entre os dois elementos, vemos a imagem retratar a finitude e a contrição daquele último adeus, num local pequeno e desolado, enquanto o texto exalta a pulsão de vida, o carnal, a incompreensão entre o masculino e o feminino, temas tão caros a Alcides Pinto.

Karoline Viana
Repórter


CAIXA DE JOIA
Livro é um presente para os cearenses

Para Nirez, "Rumo Norte" apresenta a perspicácia do repórter que eterniza os fatos momentâneos do sertão

Fortaleza São apenas 18 centímetros de comprimento por 14,5 centímetros de altura e 14 milímetros de espessura. Poderia ser um pedaço de madeira, uma caixa de papelão ou uma resma de papel fino, mas não. É uma verdadeira caixa de joia transbordando de arte em imagem e literatura.

Trata-se de um belíssimo livro de capa dura, com impressão impecável, capa coroada com uma sobrecapa com as mesmas imagens, intitulado modestamente de "Rumo Norte", de autoria, tanto a parte literária como a fotográfica, da jornalista Natercia Rocha, com experiência na imprensa citadina mas que enfoca, também, sertão, aves, profissões, infância, religião, enfim, o social por todos os ângulos.

É prazeroso folhear um livro que nos enche os olhos com belas fotografias colhidas por uma pessoa que tem a perspicácia do repórter que sabe o que deve ser registrado.

São imagens muito felizes que conseguem fixar, para sempre, momentos que não se repetirão jamais da mesma maneira, mas que foram registrados num trabalho artístico sob a visão profissional de uma jornalista sedenta de descobrir momentos. Apesar dos textos curtos, há muita objetividade e capacidade de dizer, em poucas palavras, tudo o que traduz a foto.

Vejam, por meio do texto abaixo a maneira sucinta como a autora descreve a fotografia: "Paralisado o instante/ Refletido no tempo/ Capto a solidão/E imortalizo fragmentos em cor/ Em silêncio, registro chagas carmim/ De um corpo retalhado/ Açoitando a beleza monocromática/ Revelada no ser". É um verdadeiro poema que traduz sucintamente o que é o papel do fotógrafo ligado ao trabalho da reportagem.

Chamo ainda atenção para os dois arco-íris que estão na principal fotografia do livro, que se encontra na capa, registrada dentro de um veículo em movimento, conforme a própria autora me falou, dividindo o lado ensolarado de outro em formação de tempestade.

Não parabenizo Natercia Rocha apenas por seu excelente livro por uma razão muito simples: quem merece ser parabenizado é o público cearense que passa a ter a oportunidade de saborear esta verdadeira obra de arte que cai do céu por meio desse projeto apoiado pela Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult).

Miguel Ângelo Azevedo (Nirez)
Especial para o Regional

MAIS INFORMAÇÕES

Lançamento do livro "Rumo Norte"
Autora: Natercia Rocha
Dia 21 de janeiro, às 19 horas
Local: Mercado dos Pinhões, Fortaleza

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=720933

Fonte: jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 17 de janeiro de 2010.

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