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quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Série de reportagens mostra a atual realidade na Região Nordeste - Parte 2


Edição do dia 13/10/2011
13/10/2011 14h37 - Atualizado em 13/10/2011 14h43

Nordeste oferece vagas de emprego e atrai profissionais de outros estados

Segunda reportagem da série "Isso é Nordeste" mostra que estaleiros, petroquímicas e siderúrgicas começam a se instalar na região. Número de universidades também cresceu e atrai professores e universitários.


Aline OliveiraSão Gonçalo do Amarante, CE

A área do Nordeste brasileiro representa o tamanho de França, Espanha, Alemanha e Suíça juntos. A região, que abrange 19% do território nacional e comporta quase 30% da população brasileira, quase sempre obrigou os moradores a buscar trabalho em outros estados, mas hoje oferece oportunidades de emprego. Os próprios nordestinos que sairam para trabalhar em outros lugares começam a voltar para casa.
"No nosso caso, professores mais jovens, que pegam uma situação no Sul de mercado mais saturado, mais concorrido, é uma oportunidade excelente para começar" - Eduardo da Cunha, professor universitário, gaúcho.
"Meu salário é 50% maior do que o que eu recebia lá nas outras obras no Mato Grosso. Quanto ao salário eu não tenho do que reclamar não" - Elton Gomes Barreto, especialista em perfuração e detonação, matogrossense.
"Do ponto de vista da dimensão cultural e do desenvolvimento econômico da região foi uma grande surpresa, sem dúvida alguma" - Joselina da Silva, socióloga, carioca.
"Cheguei aqui e vi uma região muito desenvolvida, com muito verde e nada de terra rachada" - Júlia Letícia Sciamana, universitária, paulista.
Estaleiros, petroquímicas e siderúrgicas. Esse tipo de indústria, que até então não existia no Nordeste, começa a se instalar na região e os portos ganham outro perfil e se expandem. No Ceará, por exemplo, as contratações vão desde operários da contrução civil até engenheiros altamente qualificados. "Você vai ter oportunidade para trabalhadores menos capacitados e vai ter também oportunidades que vão exigir mão de obra mais qualificada”, afirma o economista Eduardo Sarquiz.
Um dos maiores empreendimentos é a Transnordestina, via férrea que se espalha pelo sertão de Pernambuco, Ceará e vai até o Piauí. Fábio Tanaka trocou o cargo de executivo de uma multinacional em São Paulo para administrar uma indústria de geração de energia em construção no porto do Pecém, no Ceará. "Hoje é um dos principais empreendimentos privados em andamento no país e atrai grandes profissionais. A gente tem uma equipe altamente qualificada, vinda de várias localidades, inclusive de outros países", diz o executivo.
O crescimento econômico está mudando também a o perfil das cidades. Juazeiro do Norte, a 500 quilômetros de Fortaleza, por exemplo, cresceu tanto que os moradores ainda estão se acostumando. "Está como cidade grande, está parecendo capital", conta Maria Jeremias, professora. Agora é de VLT, o chamado veículo leve sobre trilhos, que muita gente vai e vem.
Na Bahia, a população do município de Luis Eduardo Magalhães passou de 18 mil habitantes para 60 mil nos últimos dez anos. "Hoje, nós temos faculdades, temos uma estrutura melhor para os nossos filhos, de lazer, inclusive de cultura", conta a pedagoga Bernardete Clain.
Em todo o Nordeste, em cinco anos, o número de universidades públicas e privadas cresceu 25%, o que atraiu professores e estudantes de outras partes do Brasil. “Estou gostando do lugar, vim para seguir carreira aqui mesmo, gosto de morar no interior, não tem problema, gosto da região para morar e para trabalhar é ótimo", afirma Eduardo Vivian da Cunha, professor universitário.
Universidades públicas também migraram para o interior. Foi assim que Campina Grande, na Paraíba, virou reduto de jovens estudantes que transformaram a cidade em um importante pólo tecnológico. "A educação é o começo de tudo. Você vai agregar valor a essa economia local, vai dar uma perspectiva real a esse aluno, que ele vai encontrar um mercado de trabalho adequado e vai poder contribuir com essa região", analisa a economista Suely Chacon.
Quem foi embora no passado, por falta de qualificação profissional e de emprego, também está voltando para casa. "Eu posso garantir que hoje não tenho inveja de quem está ganhando lá no Sul. Eu ganho aqui 50% melhor do que eu estava ganhando lá, a três mil quilômetros, longe de casa", garante o cearense Aurélio de Matos Carneiro, motorista.
O assistente de encarregado Raimundo Nilmar Pinheiro ficou 19 anos em São Paulo. Foi pedreiro e operário. Agora, coordena uma equipe no porto de Pecem, no Ceará: "Lá fora, a gente já via que o Nordeste cresceu muito, portanto, foi por isso o meu retorno. Meu plano é de crescer no Nordeste e continuar aqui até o fim da minha vida”.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Série de reportagens mostra a atual realidade na Região Nordeste - Parte 1


Edição do dia 12/10/2011
12/10/2011 14h21 - Atualizado em 12/10/2011 14h22

Jornal Hoje estreia série de reportagens sobre o Nordeste

Região que já foi considerada a mais pobre do país, agora se destaca com crescimento econômico acima da média nacional.

A primeira reportagem destaca o espírito empreendedor do nordestino, brasileiros que souberam enxergar uma boa oportunidade e se transformaram em pequenos empresários.
“Há três anos tenho esse carrinho de pipoca, com ele eu consegui comprar o meu terreno e pretendo crescer, fazendo a minha casa e outros e outros sonhos que eu quero” - Selma Costa, pipoqueira de Aracaju.
“Eu comecei vendendo geladinho, ai depois eu comecei a fazer uns doces pra encomenda, o que sobrava a vizinhança comprava, foi crescendo aos poucos, hoje eu tenho o Cantinho da Val que eu forneço salgado frito na hora” - Valdeci da Conceição, comerciante de Salvador.
“Eu sempre morei de aluguel e agora graças a deus eu tenho meu próprio negócio e estou construindo minha casa, graças a deus tá dando certo” - Francisco Roberto Amaral Teixeira, dono de mercadinho em Fortaleza.
“Hoje eu montei meu próprio salão, os meus filhos estão estudando em escolas particulares. Eu mudei de bairro e hoje tenho investido em coisas grandes e maiores pensando em nosso futuro” - Lice Lima, cabeleireira de Bacabal, Maranhão.
De olho no futuro, eles já mudaram o presente. De cada dez brasileiros que ingressaram na nova classe C, três são do Nordeste. A classe média é a principal responsável pelo novo retrato da região. "Eu comecei num quartinho pequenininho e depois fui crescendo, crescendo e hoje em dia eu posso dizer que tenho um grande restaurante", afirma Maria de Jesus Silva Barros, dona de restaurante.
Em sete anos a renda das famílias nordestinas aumentou 50%. "Os programas de transferência têm uma contribuição importante nesse segmento, mas o que é mais importante é a renda do trabalho, são as pessoas terem mais emprego, serem mais empreendedoras", declara Flávio Ataliba, presidente do Ipece.
“A gente é comerciante, toda a família, e através da pequena mercearia que a gente tem hoje, a gente consegue nossos bens”, diz Claudio Vieira Costa, de Bacabal, MA.
Divina não só viu o otimismo e a renda dos vizinhos aumentarem, viu também uma oportunidade para virar uma empreendedora, na periferia de Fortaleza, uma história que começou com três peças íntimas e uma única cliente. "Ela gostou, quis comprar, e levou as três", conta Divina Silva, empresária.

Ter boas idéias e vontade de trabalhar é importante, mas para começar um negócio é preciso também ter dinheiro. Divina conseguiu um crédito no banco. Começou um empréstimo de trezentos reais e soube aplicar tão bem que, três anos depois, a costureira já era uma micro-empresária.

Na empresa de Divina, aumentam as vendas e o número de funcionárias: já são cinco com carteira assinada. No Nordeste, a renda dos funcionários legalizados aumentou 53%.
O que impulsiona parte desses sonhos é o micro-crédito "Se os juros forem altos, nada feito, porque se tiver juros como é que a pessoa ganha para poder vender?”, diz. Este ano, só um banco público ganhou 264 mil novos clientes.

Tanta disposição para o consumo levou o empresário Honório Pinheiro da capital para o sertão. Ele montou quatro supermercados em cidades do interior. "A experiência do interior foi exitosa, há 10 anos nós começamos e foi tão bom que os concorrentes foram todos para lá”, conta.
Uma pesquisa mostra que o consumo de alimentos e bebidas na nova classe C aumentou cinco vezes nos últimos oito anos. O carrinho ficou mais sortido. "Essa história de iogurte, queijinho sem sal para fazer a dieta, a gente não tinha, mas agora tem", diz Maria Lili Alves Marques, 76 anos aposentada.
E tem muito mais. Valdeci da Conceição, de Salvador, conta que já consegui comprar seu carro. O comerciante Claudio Vieira Costa, de Bacabal, no Maranhão, já consegui comprar a moto e o carro. Um veículo na garagem já é realidade para mais da metade da nova classe média nordestina.

sábado, 2 de abril de 2011

Água no Nordeste

O governo federal vai lançar o programa Água para Todos, voltado para o semiárido nordestino, como uma das âncoras do plano de erradicação da miséria. Apesar do corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, a presidente Dilma Rousseff garantiu aos ministros da área social que o governo investirá na construção de 800 mil cisternas, além de adutoras e pequenos reservatórios para atender 5 milhões de famílias até 2014.
- Depois do Luz para Todos, vamos ter o Água para Todos.
A referência é ao programa de energia elétrica lançado em novembro de 2003, no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ideia também foi exposta por Dilma em conversa com dirigentes de seis centrais sindicais, no último dia 11, no Palácio do Planalto.
Com lançamento previsto para maio, o Água para Todos é inspirado no programa de mesmo nome, adotado pelo governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), para quem a ideia "é uma coisa fantástica".
- Conseguimos levar água para mais de 2 milhões de pessoas [...] A presidente conversou comigo sobre o projeto e nossos técnicos estão trabalhando com o Ministério da Integração Nacional.
Hoje, diversas organizações não governamentais já investem na construção de cisternas no Brasil, principalmente na Região Nordeste, mas Dilma quer ampliar o trabalho. O projeto Um Milhão de Cisternas, por exemplo, é uma iniciativa adotada pela Articulação do Semiárido, ONG que reúne 700 entidades da sociedade civil.
Dilma insistiu que o Estado não pode "depender apenas da iniciativa dessas entidades. [...] O governo precisa entrar nisso."
Dilma quer transformar o Água para Todos em marca de seu governo.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Estudos sobre o potencial do Nordeste

Potencial dos estados do NE será levantado
6/11/2010 Clique para Ampliar
Cronemberger diz que o Ipea continuará auxiliando análises estatísticas
FOTO: DIVULGAÇÃO
Atualmente, apenas Ceará, Pernambuco e Bahia são os estados nordestinos a calcularem o PIB estadual
 
A partir da última semana de novembro o Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene) iniciará a capacitação de técnicos dos estados nordestinos para identificação e levantamento da matriz de subprodutos de suas respectivas unidades federativas, visando subsidiar os estados na avaliação de impactos econômicos de projetos. O órgão do BNB também treinará profissionais para efetuarem o cálculo sistemático do Produto Interno Bruto (PIB) de cada estado.

As duas ações integram a agenda de trabalho do II Encontro das Instituições de Estatísticas Econômicas e Sociais do Nordeste, que terminou, ontem, no BNB. O evento levantou pontos a serem trabalhados pelas instituições de pesquisa estaduais e federal para servirem de base ao Plano Plurianual (PPA) dos governos que será elaborado em 2011, para o período de 2012 a 2015. 

Constantino Cronemberger, representante do Ipea no Nordeste, esclarece que embora os institutos de pesquisa já tenham consciência do papel de dar suporte ao planejamento das políticas públicas governamentais, o encontro de órgãos dos nove estados nordestinos mostra que é possível potencializar resultados trabalhando de forma coordenada. Segundo ele, em comum, os estados nordestinos têm como principais demandas a educação e a qualificação para o mercado de trabalho. 

Nesse contexto, ele afirma que o Ipea continuará auxiliando as equipes estaduais com ferramentas modernas para análises estatísticas, bem como a levantar uma base comum com todos os estados. "Com o trabalho em rede não criamos sobreposições de ações, ganhamos em escala e criamos um grupo forte".

O superintendente do Etene, José Narciso Sobrinho, diz que em relação aos dados e análises estatísticos, o Ceará não deixa a desejar. "No Nordeste, apenas Ceará, Bahia e Pernambuco fazem o cálculo do PIB estadual. Queremos repassar a metodologia para outros estados". 

Segundo Maurílio Lima, diretor da Anipes, desde a primeira edição do encontro, os estados têm experimentado avanços, que têm possibilitado voltar o planejamento dos estados às demandas dos novos empreendimentos que chegam ao Nordeste. "Entre os dias 29 de novembro e 1º de dezembro alinharemos no encontro nacional, em Vitória (ES), todas as questões apontadas nos encontros regionais".

domingo, 1 de agosto de 2010

A identidade do Nordeste

Abaixo transcrevo matéria do Caderno Vida e Arte do Jornal O Povo sobre a construção histórica da identidade do povo nordestino.

Onde fica o Nordeste?
A fatalidade de uma região marcada pelo atraso ou a construção de uma região a partir de relações de poder? o Vida & Arte Cultura pergunta sobre as coordenadas históricas do Nordeste
Pedro Rocha - 24/07/2010 15:00
Se você estiver perdido no emaranhado de expressões culturais do Brasil, distribuídas entre os quatro pontos cardeais do vastíssimo território nacional, pode ser útil um inventário cartográfico dos estereótipos brasileiros, uma estratégica operatória que compartimente as variáveis em um número limitado de coordenadas. 
Em um esforço preciso de síntese, é possível chegar a um número que cabe nos dedos de uma mão, contabilizando, a partir do dedão, o gaúcho dos pampas, o malandro carioca, o paulistano estressado, seguido do nortista – o povo da floresta – e chegando, finalmente, ao nordestino.
É bem verdade que existem erros crassos na sua tipologia, falhas no método e ausências imperdoáveis como o caipira, espécime que vai de Minas Gerais ao Mato Grosso. Todavia, sua estratégia já indica percursos relativamente delimitados e tem um trunfo no ponto colateral localizado entre o Norte e o Leste, que encaçapa de uma só vez nove estados da Federação.
Uma viagem ao Nordeste pode proporcionar ao turista um mergulho em um Brasil atemporal, com expressões da tradição popular vivas e um povo que seria sempre alegre, não fosse a recorrência da escassez de água, fenômeno que leva o singelo nome de “seca”, marca indelével do povo do sertão, signo do atraso da região mais pobre do Brasil.
Entre fato e ficção, esse exercício descabido acaba por revelar imagens do Nordeste que são instantaneamente suscitadas ao se levantar o assunto. O Vida & Arte Cultura deste domingo questiona esses padrões e investiga as razões históricas por trás da construção desses estereótipos em artigos do jornalista Plínio Bortolotti e do professor e pesquisador da cultura, Gilmar de Carvalho. Além disso, o caderno traz uma entrevista sobre o tema com o professor Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes.
http://opovo.uol.com.br/app/o-povo/vida-e-arte/2010/07/24/internaimpressavidaearte,2023700/onde-fica-o-nordeste.shtml

Aldeia universal
Europa, São Paulo, Nordeste
O professor Eduardo Diatahy questiona na entrevista abaixo a imagem do Nordeste como região decadente, retrato da pobreza no país
24/07/2010 15:00
O professor Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes é cearense, intelectual talhado nessas terras, viajado em tantas outras, membro da Academia Brasileira de Letras e do Instituto Histórico do Ceará. Autor do artigo Existe o Nordeste?, publicado no Anuário do Ceará 2010/2011, em que questiona a naturalização da região e seus estereótipos, Diatahy recebeu O POVO em sua casa para falar sobre um assunto que lhe enseja reflexões sobre a colonização portuguesa até os critérios de financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ).
Em suas aulas, no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Ceará, é corrente a denúncia dos “paulistismos” no meio intelectual ou de crimes históricos como o “Massacre de Canudos”, um dos temas mais caros em suas pesquisas, o assassínio de milhares de “nordestinos” pela República. Ao mesmo tempo, as referências aos intelectuais daqui e de estados vizinhos são uma constante, sempre se mantendo distante dos modismos intelectuais da época, ressaltando o pioneirismo e a senso crítico de pensadores como Capistrano de Abreu.
Nos trechos abaixo da entrevista, Diatahy fala sobre como a ideia de “Nordeste”, com todos os seus estereótipos e imagens repisadas, foi construída nas primeiras décadas do século passado, desde uma conjuntura econômica e política que deixou obsoletos os antigos engenhos da Bahia e do Recife, fez do Rio de Janeiro capital política e de São Paulo centro econômico. (Pedro Rocha) 
O POVO - A ideia de uma região chamada “Nordeste” foi imposta?
Eduardo Diatahy Bezerra de Menezes - O sentido de Nordeste foi imposto. Você não tinha um documento falando nisso. Nordeste é um ponto colateral. É só uma lógica do espaço criada geometricamente pela cartografia. Pelos textos, até mais ou menos 1920, você não encontra uma referência ao Nordeste. Pelo contrário, o Darcy Ribeiro chama a atenção para o fato de que até o começo do século XVII, Pernambuco e Bahia tinham a maior renda per capita do mundo. Quer ver? Você se pergunta, em vez de fazer essa historiografia dos livros didáticos em que as coisas acontecem e a gente não sabe qual é a razão, porque é que holandês, francês, o diabo a quatro, ficou brigando pelo Maranhão e invadindo o Brasil. Se você pegar todas as estatísticas de população, de importação, de exportação, até 1870, o foco era aqui. Por que os holandeses não foram para São Paulo ou para o Rio de Janeiro? Porque não tinha nada a oferecer... Eu estou exagerando (risos), mas é isso. Os jesuítas saíram da Bahia por terra, enfrentando rio, cobra, mata, para chegar lá no alto do planalto e montar um colégio pequeno pra cuidar dos índios que estavam lá morrendo de frio e de fome. 
OP - Essa busca por descrever identidades regionais se dá principalmente no plano intelectual?
Diatahy – O Gramsci diz que os intelectuais são os burocratas da ideologia, são eles que produzem o que os poderosos querem (risos). A ideologia colonialista se exprimiu pelo determinismo geográfico, que era para justificar a pressão deles em cima da gente. Nós estávamos destinados a fornecer matéria-prima e eles eram os senhores da civilização. A ciência expressava isso, não era nem por maldade dos cientistas, era por burrice, falta de uma informação histórica. Olha, houve uma necessidade de inventar essas coisas, não sei se foi deliberado, mas quando a Europa começa a produzir açúcar na América Central e intensifica a produção no Haiti, Cuba, etc., isso arrasa a economia tradicional e escravocrata do Nordeste. O Nordeste não teve tempo de se atualizar. A cana foi o grande produto do País, que era uma colônia de exploração e não de povoamento, daí o nosso atraso. O Capistrano (de Abreu) também se preocupa muito com isso porque não formava, não tinha estradas intermediárias que ligassem um lugar ao outro.
OP - O Nordeste pagou a conta desse tipo de colonização?
Diatahy – Sim, também. A tentativa de fazer algo diferente foi quando (Maurício de) Nassau, um alemão contratado pela Holanda, veio administrar a ocupação. Eles não quiseram brigar com Olinda e fizeram Recife. Ele fez reforma urbana, canalizou rios, fez o diabo a quatro. Gastou tanto que a administração holandesa o mandou de volta para casa (risos). Mas ele trouxe cientistas, trouxe judeus, abriu sinagogas, acabou com o monopólio do catolicismo, que era uma das coisas do nosso atraso. Mas Pernambuco e Bahia só transformaram os velhos engenhos muito depois, atrasaram-se na modernização por falta de capitais. E também o centro dinâmico do País se deslocou quando o vice-reinado foi pro Rio de Janeiro. A sede do Governo Geral e do Vice-Reino era na Bahia, quando transferiram, o Rio de Janeiro começou a crescer como área urbana e pólo motor da política. Quando vem o café, que se expande na Baixada Fluminense e se torna o grande produto de exportação do País. O café vai subindo pras terras roxas de São Paulo e começa a dar importância a São Paulo, porque antes São Paulo tinha duas coisas, as fazendas e os mercenários, que eles tentaram transformar em heróis. A figura do bandeirante foi construída pela historiografia paulista no final do século XIX. Há uma História Geral das Bandeiras Paulistas (1924-1950), em 11 volumes, que eu duvido que algum brasileiro tenha lido além do (Afonso) Taunay, que escreveu.
OP – Esse discurso atinge apenas o Nordeste?
Diatahy - Eu tenho impressão que inclusive outras áreas também sentem isso. O Norte porque tem todo um imaginário da Amazônia e do mistério, mas mesmo assim eles veem aquilo ali como um lugar de exploração. Os solos da Amazônia são terrivelmente frágeis. Na hora que tira a floresta, toca fogo, planta pasto, dentro de dez anos está tudo desertificado. Fizeram isso com uma boa parte do Rio Grande do Sul e agora estão migrando para Rondônia. Está cheio de gaúcho ocupando esses territórios. Sabe quem deu o nome de Rondônia? Foi o Roquete Pinto que deu esse nome em homenagem ao Rondon, porque foi lá a primeira pesquisa etnológica dele. Mas, olha, na época que eles estavam fazendo o neobandeirantismo, eles mandaram essa turma todinha para cá, o Rondon inclusive veio para “recivilizar”. Vieram para Fortaleza, foram para Juazeiro. Pega o livro O Joaseiro do Padre Cícero (1929), do Lourenço Filho, que é bem feito, bem escrito como um todo, ele era um talento literário e científico, mas veja as páginas de preconceito contra o Juazeiro, contra o fanatismo, a ignorância, o atraso. Quer dizer, todo esse vocabulário está pespegado na imagem do Nordeste. E taí, hoje Juazeiro é uma das cidades mais progressistas do País no interior.
OP - Esse domínio sobre a região se dá em outras esferas ainda hoje?
Diatahy - Por exemplo, a Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) era para industrializar o Nordeste. O que foi que eles fizeram? Mandaram indústrias secundárias pra cá. A Ford está lá? Manda fazer o trinco no Nordeste. A Nestlé está lá? Manda fazer a lata. Mas não traz a indústria, a tecnologia, é a mesma esculhambação que os americanos fazem, que os europeus fazem com os países da Ásia, da África, da América Latina. Não transfere tecnologia, faz o complementar. Ou seja, isso aqui é o exército industrial de reserva. Agora quem conhece história sabe que miséria era lá, morriam de frio, de fome, e foi a riqueza produzida aqui que foi levada para lá. Olha, quando eu tava no CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), não sei quantas vezes eles negavam projetos daqui. Os comitês são quase todos do Sudeste ou então tem nordestino, mas do tipo que lambe a bunda de paulista para se projetar. Mas quando eu estava lá, neguei coisa até pro Fernando Henrique, quando o Fernando Henrique tava no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento). “Peraí, que o dinheiro é público e o Cebrap é uma empresa privada. Ele já tem dinheiro norte-americano”. Aí falavam: “Você fica aprovando esses projetos lá de João Pessoa, do Rio Grande do Norte, essas porcarias”. “Você leu? E se eu não der dinheiro para lá como é que eles vão se desenvolver?” 
OP – Você acha que nós assumimos essa imagem?
Diatahy - Nós fomos nordestinizados, a gente se deixou... E é meio difícil, porque você fica dizendo assim: “E como é que eu chamo?” Chame semi-árido, chame de Fortaleza, chame de “minha província”, chame de “meu País”, como os franceses dizem. Francês quando fala “meu País”, não se refere a França, não. É lá a aldeiazinha onde ele nasceu. Essa é a imagem que os grandes pensadores tem. Você quer ser universal? Fale da sua aldeia. A condição humana é a mesma em todo canto, é miséria, é luta, é sonho, é devaneio.

Identidade e história
Filho mestiço entre Norte e Sul
Uma pesquisa de documentos do começo do Século XX denuncia a idade deste rebento da antiga geografia brasileira
24/07/2010 15:00
Antes de 1920, Norte e Sul eram espaços relativamente desconhecidos entre si. Grandes distâncias, deficiência nos meios de transporte e comunicação e o baixo índice de migrações internas entre as duas regiões eram as principais consequências disso. O historiador cearense Capistrano de Abreu se perguntava ainda no século XIX se depois de quatro séculos de colonização havia restado alguma consciência nacional e a conclusão era negativa. 
Mas a industrialização, a urbanização, a imigração em massa e o fim da escravidão são alguns elementos que engendram um contexto histórico no começo do século XX e alteraram essa geografia, começando a distinguir o Centro-Sul, particularmente São Paulo, de outras regiões do País. Enquanto isso, o antigo Norte passou por grave crise com o aprofundamento da dependência econômica e de sua submissão política.
O historiador e sociólogo Oliveira Viana, por exemplo, no livro Evolução do Povo Brasileiro (1937), concede à São Paulo estatuto maior na constituição do País, por ser “o centro de polarização dos elementos arianos da nacionalidade”. Seguindo esse raciocínio, o Norte será uma região condenada, “pelo caráter mestiço de sua raça e também pela tropicalidade de seu clima”, à decadência.
O Sul é alçado como ponto de referência para a constituição do País e as regiões estranhas, principalmente o Nordeste, representadas a partir de termos pré-estabelecidos. Exemplo é o relato do jornalista Paulo de Moraes Barros, enviado ao Juazeiro do Norte, considerando a inferioridade racial dos nordestinos razão do aparecimento dos “fanáticos boçais que se disseminavam por toda parte na região” e das “turbas que os assediam, homens e mulheres de aspectos alucinados, olhos esbugalhados, com os braços estendidos, atirando-se por terra, tentando tocar a barra da batina do beato”.
Para o historiador Durval Muniz Albuquerque Jr., autor do livro A invenção do Nordeste e outras artes (2006), o regionalismo nordestino, capitaneado por pensadores como o pernambucano Gilberto Freyre e o potiguar Luís da Câmara Cascudo, será a outra face dessa moeda. A partir de uma forma diferente “de ver, de dizer e de pensar a questão da nação”, consequência de uma “resistência maior de padrões mais tradicionais de sensibilidade e sociabilidade na região”, será formulado o regionalismo nordestino.
No cruzamento desses discursos, surgirá o Nordeste, antes sem existência entre as referências geográficas do país, agora cada vez mais um fato aparentemente consumado que irá identificar nove estados brasileiros em um punhado fixo de imagens.

Cidadãos do mundo
Invenções e clichês
Para o professor da UFC, Gilmar de Carvalho, é tempo do Nordeste deixar de ser vítima de sua própria história
Gilmar Carvalho - Especial para OPOVO 24/07/2010 15:00
Parece fácil falar sobre o Nordeste. Basta um álibi para o desfiar dos clichês e repetir à exaustão o que todo mundo pensa que sabe. 
Vale tentar colocar algumas balizas nesta reflexão. Em primeiro lugar, há um abuso da ideia da invenção. Em determinados círculos intelectuais, o conceito se vulgarizou a partir de Eric Hobsbawm. Quando ele fala na “invenção das tradições”, fica fácil pegar carona e falar da invenção de tudo. Falar em cultura é falar em invenção. Desde o fogo, a roda, as inscrições rupestres, passando pela combustão do átomo, pelos “chips”, pelas vacinas, o homem não fez outra coisa senão inventar.
O que pouca gente diz é que esta invenção não se sustenta no vazio e precisa de um contexto para vicejar. Ou se articula a partir de um quadro favorável de expectativas, anseios e cobranças.
O Nordeste sempre existiu, mesmo que não tivesse esse nome, e fosse chamado de Norte. Existia um sentimento de pertença e uma raiz que pode ser buscada na oralidade. Talvez esteja aí um dos eixos da constituição da região.
Franklin Távora falava, no prefácio de O Cabeleira, no final do século XIX, de uma literatura do norte e de uma literatura do sul.
O que ele talvez sentisse como artista, e não quisesse dizer como cidadão, era que o Norte se esvaziava de importância econômica e perdia poder político. Estavam lançadas as bases de uma ruptura que chega ao cúmulo da idiotice com a ideia de um Nordeste independente.
O Nordeste foi inventado e nos inventou. Talvez se possa colocar como marco temporal da criação desta região rica, contraditória e problemática, a constituição da entidade de combate às secas, a partir de 1909, embrião do atual Dnocs.
Parafraseando José Saramago, pode-se pensar em uma jangada (e aqui cabe bem o termo) de pedra, não exatamente despregada do Brasil por não se sentir Brasil, mas por se sentir à deriva. O sentimento de pertença não conflita com o se sentir sem rumo. As ideias não seriam excludentes, mas superpostas.
Outra provocação é evidenciar a opção feita pela caricatura. O Nordeste vestiu a carapuça da crise e o uso do cachimbo deixou torta a boca e a mão estendida, sempre a pedir. Aceitou, sem maiores reclamações, o rótulo do atraso.
Convive-se com a ideia equivocada de que todos os coronéis são daqui. São esquecidas as vassouras, as capas pretas, as malas idem, além de outras mazelas clientelistas, assistencialistas ou paternalistas. Nossos coronéis não são melhores nem piores, apenas nunca estiveram e nem estão sozinhos na cena nacional.
A premissa da região problema vem se reforçando ao longo do tempo. E a desmontagem dos estereótipos não está incluída nas regras do jogo. Faz parte da lógica das ideologias aceitar os clichês sem discussão, como se fossem verdades inquestionáveis.
O reforço passou, inclusive, pelo romance social, com todas as virtudes que tenham tido Graciliano, Zé Lins, Rachel, José Américo e outros. Não se trata de negar a importância desta abordagem, mas de chamar a atenção para a exibição da chaga aberta da perna do mendigo, no meio da rua.
A Universidade de São Paulo ainda hoje não engole Gilberto Freyre e Cascudo não tem a grandeza de sua contribuição reconhecida.
É frequente o olhar para o passado com instrumentais teóricos e com um viés de hoje. Assim, ainda tem quem considere os beatos (Conselheiro, Zé Lourenço e tantos outros) como fanáticos. Muita gente diz rotula Padre Cícero de conservador, como se ele pudesse ter sido da teologia da libertação.
E tem a seca, sempre a seca que, de repente, como em um passe de mágica, sumiu do noticiário, quando não foi mais conveniente estimular o êxodo para os seringais da Amazônia, para as fábricas paulistas ou para a construção de Brasília. A seca de 1983 a 1987 foi considerada por Dom Aloísio Lorscheider, então cardeal arcebispo de Fortaleza, um genocídio, de acordo com matéria publicada pelo jornal francês Le Monde. E quem se ocupou da seca de 2010? Aliás, pela leitura dos jornais, não houve seca este ano.
Lampião passou a ser compreendido depois da pesquisa de Chandler ou de Hobsbawm (outra vez) ter escrito sobre “rebeldes primitivos”. Até então era facínora. Parte da intelectualidade torceu o nariz para Luiz Gonzaga por ser “de direita”.
Não é fácil escrever sobre o Nordeste, ainda que possa parecer, à primeira vista. Dizer o quê? O elogio à força da cultura é pouco ou pode ser um argumento falacioso, nestes tempos de linha de montagem, de produtos para as massas e de diluição como estratégia criativa.
A Bahia chacoalha seu axé como compensação por não ser mais a capital do Império. Pernambuco faz réquiem para o fogo morto dos seus engenhos. O Ceará teve no algodão um vislumbre de apogeu, até que apareceu um tal de bicudo e o sonho acabou.
Boa parte de nossas manifestações culturais não atrai as engrenagens da chamada Indústria Cultural. Estão catalogadas no que chamamos de “folclore”. A grandeza de parte de nossos artistas beira a indigência. Existirá algo mais abominável que o sotaque nordestino dos programas de tevê?
Chega de sermos pobres coitados. Não dependemos do que pensam de nós os que detêm o controle dos meios de comunicação. Sem nos fecharmos para o mundo, não podemos abrir mão da nossa dignidade. Não somos vítimas. O mundo não se acaba porque não somos “queridinhos” da mídia: abaixo a ideologia do sucesso. Os Irmãos Aniceto fazem uma música e uma dança que se nivela com o melhor da produção internacional. Espero que não queiram viver os quinze minutos de fama ao qual teriam direito.
O compromisso com o nosso tempo e com o mundo em que vivemos, vai além dos modismos, das delimitações geográficas, e dos rótulos. O Nordeste é nossa aldeia (apesar de quererem apagar nosso “DNA” indígena), mas somos cidadãos do mundo. Aliás, em tempos de globalização, a valorização do local é inevitável. A recusa à caricatura pode ser o começo de um processo de valorização do que fomos, do que somos e do que queremos ser.
Apesar da inegável importância do mangue-beat, nem tudo se resolve com a tradição plugada. O novo forró cearense é exemplo de uma aparente “fuga para a frente”, como diria outro teórico. Se o sertão nunca foi medieval, tampouco as parabólicas espetadas nas casas de taipa significam um novo tempo.
> Gilmar de Carvalho é professor do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará e autor de livros como Artes da Tradição e Tramas da Cultura.