segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Ceará - Profetas da chuva viram fenômeno cultural no Estado

17/1/2010

Ritual de previsão da quadra invernosa no Interior do Ceará se transforma em sarau de teatro, literatura e canto

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AS ATRIZES CARIOCAS Clara Ccolin (esquerda) e Paula Cavalcanti (direita) levam para o teatro os costumes sertanejos dos profetas da chuva. Elas interpretam Chico Mariano e Paroara

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OS IDEALIZADORES E ORGANIZADORES do Encontro de Profetas da Chuva classificam a expansão do espetáculo sertanejo como uma constante ebulição cultural. A cantoria de viola é um exemplo, realizada no Encanta Quixadá

Quixadá Clara Colin, 22 anos e Paula Cavalcanti, 24, duas universitárias apaixonadas pelo teatro, perceberam por meio dessa arte a possibilidade de representar no palco o hábito popular de personagens místicos sertanejos, os profetas da chuva. Elas interpretam Chico Mariano e Paroara, dois dentre tantos cientistas populares do interior nordestino. Encantam pela encenação e mais ainda pela fidelidade aos costumes da dupla, conforme comentários de Hélder Cortez e João Soares, idealizadores e promotores do Encontro dos Profetas da Chuva, realizado anualmente em Quixadá, no Sertão Central do Ceará.

As atrizes confessam admiração pela cultura nordestina. Cariocas da gema, a primeira de Niterói, a outra da capital do Rio, encontraram casualmente nas páginas do livro "Profetas da chuva", publicado pela psicanalista e professora da Universidade de Fortaleza (Unifor), Karla Patrícia Martins, relatos de dezenas deles. Os enredos bibliográficos reforçaram o fascínio pelas raízes sertanejas. Resolveram então pesquisar e assistir o espetáculo de perto. De cara, simpatizaram com o poeta José Anastácio da Silva, o Paroara, e Francisco Mariano Filho. Aprenderam as manias e o jeito manso da prosa dos profetas.

E assim, entre contos e cantos, puxam o público para o saudosismo poético do sertão, dos tempos em que se respeitava pela idade, de emocionar até mesmo quem está acostumado com essas histórias ou faz parte delas, como Ribamar Lima, um dos muitos observadores da região. "Essas meninas simplesmente incorporaram a alma do nosso povo. Isso é fantástico", comentou o servidor público e radialista, logo após a apresentação especial na sala de exibições Mestre Adolfo, no Centro Cultural Rachel de Queiroz.

Mesmo sem recursos, resolveram montar o prólogo, como definem a apresentação de cenário simples, com aproximadamente uma hora de duração. Esse trabalho começou em 2007. Durante sua elaboração, elas apresentaram um trecho de 15 minutos, no Festival de Esquetes de Resende, no Rio. No ano seguinte repetiram o espetáculo, dessa vez no Festival de Niterói, também no Rio. Elas definem a recepção do público como muito positiva. Nunca haviam visto nada igual.

Homenageadas

Clara e Paula foram agraciadas com prêmios de melhor atriz. O reconhecimento incentivou a continuidade do espetáculo. No ano passado fizeram curta temporada no Teatro Paschoal Carlos Magno, na UniRio. Elas também se apresentaram na Festa Internacional de Teatro de Angra. Mas, para elas, o ápice artístico ocorreu mesmo em Quixadá. Além de poderem mostrar seu trabalho para os próprios protagonistas, seus personagens reais, foram homenageadas. "Participar de uma feira cultural tão maravilhosa como esta é o sonho de qualquer artista", destacam.

As atrizes se referiam aos instrumentos culturais associados ao propósito preliminar do Encontro, a divulgação do prognóstico para a estação chuvosa do ano no Sertão do Ceará.

Jeitos, gestos, falas, manias e poesias. "Reunir tudo isso num só lugar, é enriquecer ainda mais a nossa cultura. Às vésperas de completarmos uma década e meia, conquistamos naturalmente esses predicados. Ao mesmo tempo encontramos uma maneira de divulgar nossos costumes. Sinceramente, eu não imaginava que nossos profetas iam chegar tão longe", comenta Soares.

Alex Pimentel
Colaborador

CONTINUIDADE DA TRADIÇÃO
Novas propostas buscam preservação

A luta agora é para tentar manter a tradição e estimular os jovens a aprenderem a observar os sinais da natureza

Quixadá "A preservação da nossa cultura, a perpetuação desses costumes, precisamos encontrar alternativas para assegurar a continuidade dessa tradição". O desafio de prever o tempo acabou se transformando em um desafio ainda maior. Essa questão foi abordada na mesa redonda realizada logo após o XIV Encontro dos Profetas da Chuva. O idealizador do evento, Hélder Cortez, enfatizou a necessidade de estimular os jovens a aprenderem os métodos de observação da natureza. Levá-los para dentro das escolas é uma opção.

"Além do aspecto educativo, da formação de novos profetas, a tradição precisa de sangue novo, A maioria deles passa dos 60", enfatizavam admiradores e colaboradores. A proposta das duas atrizes, a peça, foi citada como uma possibilidade de sensibilização dentro do espaço estudantil. Por meio da interpretação dramática fica mais fácil de entender como esses observadores desenvolvem suas experiências. Na opinião de João Soares, outro promotor do evento, com dedicação é possível aprender a prever o tempo.

Ele cita a realização dos espetáculos como forma de estímulo ao interesse pelos modelos culturais da região. Aponta o Encanta Quixadá como exemplo. Este ano o festival de cantoria chegou à sua quinta edição. Repetindo o modelo dos anos anteriores, seis duplas se apresentaram. Gente de longe veio assistir. Foi o caso do deputado estadual da Bahia, Gilberto Brito, e da engenheira sanitarista mineira, Mônica Rodrigues. "Um novo público está se formando", ressaltou Soares.

Acostumado a motes e sextilhas em desafios de viola, João de Oliveira fez parceria com Antônio Limeira. Terminada a apresentação, reconheceu na iniciativa uma interessante maneira de exaltar a arte popular. Todos os dias, quando está amanhecendo, Oliveira apresenta um programa de cantoria em parceria com Sebastião Gomes numa emissora de Quixadá. Lamenta a dificuldade para manterem as violas no ar. Não fosse o auxílio econômico de alguns ouvintes, seria ainda mais difícil bancar o horário na rádio.

Pensando nessas dificuldades e na expansão do evento anual, Soares e Cortez fundaram o Instituto de Pesquisa de Violas e Poesia Cultural Popular do Sertão Central. O nome do instituto é tão grande quanto a vontade de fortalecer as artes e a ciência popular de adivinhar fenômenos da natureza. Para o próximo ano apostam em leis de incentivo à cultura e no apoio da iniciativa privada. Soares patenteou o título do evento, "Profetas da chuva".

Segundo Cortez, por meio da captação de recursos será possível trabalhar na 2ª Edição do livro de Karla Martins. Com o apoio da Secretaria de Cultura do Estado, haverá um segundo festival de violas este ano. A data prevista é 19 de março. Na oportunidade, profetas, organizadores e público se reúnem novamente em Quixadá. Farão avaliação das previsões.

Oportunidade

"Foi nas páginas deste jornal que encontrei este tesouro da cultura nordestina"

Gilberto Brito
Deputado estadual da Bahia

"Previsões, poesias, cantorias, não é todo dia que surge uma oportunidade assim"

Mônica Rodrigues
Engenheira sanitarista

Trajetória dos poetas

Paroara nasceu aos 22 de março de 1935, na localidade de Boa Hora, Pacoti, no Maciço de Baturité. Se diz sujeito andador. Morou no Amazonas, Acre, Pontaporã e Goiás. Em Quixadá, chegou ainda moço. Se orgulha do pai, que ajudou a vencer a Segunda Guerra Mundial.

Antônio Anastácio da Silva

Chico Mariano nasceu aos 22 de agosto de 1934 em General Sampaio, no Médio Curu do Ceará. Acompanhou os passos do pai desde a construção do açude de sua terra natal. O convívio com a seca praticamente o obrigou a desvendar os segredos do inverno.

Francisco Mariano Filho

MAIS INFORMAÇÕES
Profetas da chuva - A Peça
(21) 9921.8892


Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 17 de janeiro de 2010.

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