GESTÃO DE RESÍDUOS
Senado aprova PNRS: lixo, agora, é problema de todos
Esta noite, Senado pôs fim à “novela” que durou 21 anos no Legislativo ao aprovar a nova lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS. Agora, a responsabilidade sobre os resíduos é de todos: governo, empresas e cidadãos. E a logística reversa é obrigatória. Fernando Von Zubben, da Tetra Pak, explica os próximos passos depois da assinatura de Lula e o retorno da nova lei ao Legislativo para regulamentação
Sérgio Adeodato - Edição: Mônica Nunes
O Senado aprovou na quarta-feira, dia 7, a lei que estabelece a Política Nacional de Resíduos Sólidos, encerrando uma novela que já durou 21 anos no Legislativo. Trata-se de um marco histórico na área ambiental, capaz de mudar em curto tempo a maneira como poder público, empresas e consumidores lidam com a questão do lixo. Entre as novidades, a nova lei obriga a logística reversa -- o retorno de embalagens e outros materiais à produção industrial após consumo e descarte pela população.
As regras seguem o princípio de responsabilidade compartilhada entre os diferentes elos dessa cadeia, desde as fábricas até o destino final. Os municípios, por exemplo, ganham obrigações no sentido de banir lixões e implantar sistemas para a coleta de materiais recicláveis nas residências. Hoje, apenas 7% das prefeituras prestam o serviço.
“A lei consagra no Brasil o viés social da reciclagem, ao reforçar o papel das cooperativas de catadores como agentes da gestão do lixo, com acesso a apoio financeiro, podendo também fazer a coleta seletiva nos domicílios”, destaca Victor Bicca, presidente do Cempre - Compromisso Empresarial para Reciclagem. Existem no país cerca de 1 milhão de catadores, em sua maioria autônomos, que trabalham em condições precárias e sob exploração de atravessadores.
Empresas que já adotam práticas em favor da reciclagem, dentro do conceito de sustentabilidade, terão maior campo para expansão. “A partir de regras claras”, diz Bicca, “a reciclagem finalmente avançará no país, sem os entraves que a inibiam, apesar dos avanços na última década por conta do dilema ambiental”. E ele acrescenta: “Sem um marco regulatório nacional, a gestão do lixo estava ao sabor de leis estaduais que variam de região para região e, em alguns casos, impõem taxação e metas para a recuperação de embalagens após o consumo”. O empresário lembra que, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o país perde R$ 8 bilhões por ano ao enterrar o lixo reciclável, sem contar os prejuízos ambientais.
“O atraso da lei gerou danos ambientais significativos, a exemplo da multiplicação de lixões, que neste ano resultou em mortes nas encostas de Niterói durante as chuvas de verão, além do despejo de resíduos em cursos de água”, afirma o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP), responsável pela versão final do projeto na Câmara dos Deputados, onde recebeu mais de cem emendas. “Não foi um tempo jogado fora, porque nesse período a consciência da sociedade despertou para o problema e conseguimos maior convergência de posições”, ressalva o deputado.
Desde fevereiro, a lei aguardava votação no Senado, com apoio do governo federal, consenso entre diferentes setores envolvidos no debate e acordo de lideranças partidárias para acelerar o processo. Nesta quarta-feira, em sessão conjunta das comissões de Cidadania e Justiça, Assuntos Sociais, Assuntos Econômicos e Meio Ambiente, o projeto recebeu os últimos ajustes e foi levado ao Plenário, contendo 58 artigos em 43 páginas. Foi aprovada pouco depois das 21h.
Após a assinatura do Presidente da República, a lei voltará ao Legislativo para a regulamentação, definindo itens ainda pendentes, como incentivos financeiros e regras específicas para a logística reversa, que serão estipuladas mediante acordos entre os setores industriais. Pela lei recém-aprovada, a logística reversa começará pelas embalagens de agrotóxicos, pilhas e baterias, pneus, óleos lubrificantes, lâmpadas e produtos eletroeletrônicos e seus componentes, como computadores, telefones celulares e cartuchos de impressão.
A lei proíbe a importação de qualquer tipo de lixo. Também não será permitido catar lixo, criar animais ou morar em aterros sanitários. “O novo modelo muda o enfoque atual da gestão de resíduos, baseado unicamente na geração, coleta e disposição final do lixo”, explica Carlos Silva Filho, diretor executivo da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - Abrelpe. “Agora a preocupação é mais abrangente, envolvendo desde a redução dos resíduos com práticas de consumo consciente até a otimização da coleta e novas modalidades, como o uso do lixo para gerar energia, ficando o despejo, em aterros sanitários, como última alternativa”. Carlos Silva lembra que “agora é preciso resolver como cobrir o custo da implantação desses processos, mediante novos sistemas de remuneração”.
Fernando von Zuben, diretor de meio ambiente da Tetra Pak, comemora o desfecho da nova lei após espera de duas décadas: “A reciclagem deverá duplicar em cinco anos no Brasil”. Como exemplo, a indústria que ele representa - fabricante de caixas para leite, sucos e outros alimentos - planeja aumentar de 26% para 40% a recuperação das embalagens após o consumo, até 2011. Na entrevista abaixo, von Zuben comenta os avanços da nova lei e a perspectiva futura da reciclagem em favor do desenvolvimento econômico, da geração de renda e da melhor qualidade de vida nas cidades.
Qual o principal marco divisor de águas da nova lei e o que mudará no curto ou médio prazo para solucionar o problema do lixo?
O ponto central é a responsabilidade pela gestão dos resíduos, compartilhada entre governo, empresas e população. Hoje existe uma grande bagunça, com uns jogando a responsabilidade sobre outros. Estamos na Idade da Pedra quando o assunto é lixo urbano, mas agora, com as regras do jogo definidas, a realidade deve mudar. Será mais fácil exigir que cada um cumpra o seu papel. Com a lei, ganhamos um roteiro e um script, com atores e papéis pré-determinados. A partir desse roteiro, os personagens ensaiarão por cinco anos, quando, então, o espetáculo entrará em cartaz -- ou seja, o novo modelo começará a funcionar plenamente.
O que cabe ao poder público nessa difícil trama que envolve conflitos, custos financeiros e desafios para encontrar o melhor destino para os resíduos urbanos?
Os municípios são obrigados a tomar providências para acabar com lixões, construir aterros sanitários dentro de critérios ambientais e implantar sistemas de reciclagem, com serviços mais eficientes de coleta seletiva nas residências. Hoje, a maioria das cidades não dá a mínima para a questão dos resíduos. Mais da metade dá ao lixo uma destinação inadequada, com impactos no meio ambiente. Após a lei, os promotores públicos terão base para fiscalizar e cobrar das prefeituras ações concretas para resolver esses problemas.
Quais os próximos passos para tirar a lei do papel?
Após a assinatura do Presidente da República, começa uma nova batalha: a regulamentação da lei no Congresso Nacional. Nessa etapa, serão definidos pontos importantes, como prazos para as prefeituras erradicarem lixões e a criação de instrumentos financeiros, previstos pela lei, para incentivar e estruturar o tratamento do lixo e a cadeia da reciclagem. Não queremos incentivos fiscais, mas justiça fiscal. Hoje, as empresas que atuam nessa atividade são prejudicadas pela bitributação. O imposto é cobrado duas vezes: tanto no processamento industrial dos materiais do lixo, como no seu uso em produtos reciclados.
As indústrias estão prontas para desempenhar novos papéis, como o apoio para receber de volta, após o consumo, embalagens e outros materiais contidos em seus produtos?
Muitas empresas se anteciparam à lei e, nos últimos anos, implantaram programas de reciclagem, dentro da visão de sustentabilidade, tendo em vista os problemas ambientais do planeta. Agora, com a aplicação da lei, haverá maior quantidade de lixo para reciclagem, o que impõe novos desafios. Com maior escala, haverá mais investimentos em tecnologia para melhorar a qualidade e diversificar os usos dos materiais reciclados. O mercado crescerá, gerando ganhos para toda a cadeia -- desde os coletores e separadores dos materiais recicláveis até empresas que fazem o processamento inicial da nova matéria prima e indústrias que as utilizam nos produtos finais que compramos nas lojas e supermercados. Hoje, no Brasil, cerca de 12% do lixo coletado nas residências é reciclado. A estimativa, com a nova legislação, é dobrar esse índice em cinco anos.
O consumidor, com a separação dos materiais na origem, é chave nesse processo. Ele está suficientemente conscientizado para mudar hábitos e se engajar nesse trabalho?
É preciso fazer a nossa parte nas residências, separando o lixo seco (plásticos, papéis, latas, vidros etc) dos úmidos (restos de alimento e sujeiras de matéria orgânica em geral). Faremos campanhas de massa. Os consumidores passarão a ser incentivados para essa prática, com campanhas de educação e serviços mais eficientes de coleta dos materiais nas residências. Nos últimos dez anos, melhoraram muito tanto o nível de conscientização como a qualidade da coleta nos domicílios, onde os materiais são separados na fonte.
Entre suas principais características, a lei reforça o papel das cooperativas de catadores. Elas estão capacitadas para absorver o aumento da quantidade de lixo reciclável? Hoje apenas uma ínfima parte do lixo reciclável é processado nas cooperativas.
Entre os catadores, há iniciativas de diversos padrões, desde pequenos núcleos que operam sem condições de segurança ou higiene até grandes cooperativas com gestão de negócios, maquinário, veículos e controle da produção. No geral, as cooperativas precisam ser capacitadas para esse importante papel, definido pela lei. Elas poderão, inclusive, ser contratadas pelo poder público para fazer a coleta nas residências. Não faltará lixo reciclável para outras iniciativas de separação e processamento, tanto de cunho social, como empresarial.
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