Olá amigos!
A matéria do Caderno Regional do Jornal Diário do Nordeste de hoje mostra um dos problemas que ainda persistem no nosso Sertão: a qualidade das suas moradas. Embora muitos sertanejos já tenham conseguido construir moradas mais adequadas, com acesso aos serviços mínimos, há ainda uma grande parcela morando em casas precárias, sujeito a doenças e sem qualquer dignidade.
A matéria é, ao mesmo tempo, uma denúncia e um alerta para que intensifiquemos os esforços para incluir os sertanejos e garantir-lhes o mínimo necessário para viverem em seu lugar.
O nosso grupo de pesquisa do LEADERS (Laboratório de Estudos Avançados sobre o Desenvolvimento Regional do Semiárido - UFC Cariri) inicia esse mês uma nova pesquisa intitulada "Moradas do Sertão - conhecer, preservar e transformar". Nossos pesquisadores pretendem realizar um levantamento da arquitetura do Sertão em suas diversas manifestações, principalmente as mais simples, buscando conhecer a lógica das construções, preservar os estilos. O objetivo final é oferecer opções de transformação de moradas precárias em moradas dignas, sem perder o estilo do Sertão.
Deixo vocês com a matéria abaixo, desejando um feliz Domingo de Páscoa e uma excelente semana!
Suely
CASAS DE TAIPA
A vida entre paredes de barro
CASA DE TAIPA de Maria de Lourdes Ferreira, em Limoeiro do Norte, é uma das 70 mil instaladas na zona rural do Estado. Habitação mostra a relação taipa-pobreza-doença
FOTOS: MELQUÍADES JÚNIOR
Fragilidade das construções coloca em risco a vida de adultos e crianças com a contaminação da Doença de Chagas
Estima-se que existem pelo menos 70 mil casas de taipa no Ceará, instaladas na zona rural dos municípios
Limoeiro do Norte O sertão, que alguns dizem ser castigado pela natureza, é tão dadivoso, que seu solo rico em argila emerge do chão, modela-se, faz que é ser vivo erguido e sustentado por "costelas" de talos de carnaúba. O emoldurado é um casulo de barro, uma casa, a moradia possível, que gente como Maria de Lourdes Ferreira ergueu em Limoeiro do Norte com as próprias mãos. Herança cultural desde o período colonial, as casas de taipa, ou de "pau-a-pique", são cobertor para milhares de cearenses. Mas a rusticidade, às vezes bela, foge de qualquer romantismo e reflete um sério problema social e de saúde pública, que segmenta o conceito de moradia.
O dia mal amanhece, Maria de Lourdes levanta da rede, acorda o resto da família, que o "vão" é pequeno, e para não "empatar" o trânsito dentro de casa é bom acordar cedo mesmo, que a criança tem colégio e os homens de casa têm que trabalhar, ou pelo menos tentar, já que todos estão desempregados à procura de "bicos".
As redes são recolhidas para cima da parede, que não têm mais de dois metros de altura. Não precisam de cabide armador de ferro, se a própria armação de carnaúba que emerge da parede dá sustento à ponta dessas redes, ainda que entre um balanço e outro lá de longe se ouça um rangido na parede, que até agora não caiu e "se Deus quiser nunca vai cair", diz a mulher, principalmente agora que "está pra receber" uma casa de tijolo. Pelo menos é a conversa de há oito anos, a esperança instalada em quem tem 46 anos de idade e nunca morou em casa de tijolo.
Tirando o neto Daniel Lima, que só tem 5 anos e corre descalço e pelado pelo meio da casa, os outros seis moradores tiram os pés da rede direto para as chinelas. Não só a parede, mas o chão é de barro, "e se não cuidar os pés estão pretos de sujo". Se sujar, não pode limpar logo, que a água potável é pouca na Chapada do Apodi.
O que se preserva é para beber, ainda que a água para consumo doméstico tenha sido, por diversas vezes, condenada por médicos, pesquisadores e militantes sociais que acompanham os problemas envolvendo contaminação por agrotóxicos na região. No Ceará, estima-se em pelo menos 70 mil casas de taipa instaladas na zona rural dos municípios. Esse tipo de arquitetura não seria tão problemático não fosse a fragilidade das construções de barro.
Com paredes esburacadas e sem revestimento, as armações de madeira expostas à umidade são favoráveis à instalação de mosquitos, como o transmissor da Doença de Chagas, que no ano passado acometeu 3,5 milhões de brasileiros, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A doença é silenciosa e alguns casos só foram diagnosticados em Limoeiro porque o infectado pretendia fazer doação de sangue. É a precariedade dessa moradia nas regiões que causa a relação taipa-pobreza-doença.
Cultura
Além de ser um problema social, a construção de casas de taipa tem raiz cultural: até o portugueses, quando vieram para cá, levantaram casas e fortes militares de barro. Séculos depois, milhares de famílias pobres continuam na moradia alcançável, embora sonham morar numa casa de tijolo.
Mas antes disso, adquirem televisores, aparelhos de som, de DVD e antena parabólica. É o dilema do sonho possível, mas pouco provável, embora recentes projetos habitacionais, estimulados pelo Governo Federal e pela Caixa Econômica Federal, tenham reforçado a esperança de milhares de pessoas que esperam por uma nova morada.
Terra no chão, na sola do pé, no cabelo impregnado do barro que teima em se desprender da parede toda vez que dá um vento e a porta "bate com tudo", a moradia possível ainda é preferência (ou consolo) para gente como dona Eunice dos Santos, de Russas, que defende as paredes de sua casa de taipa: "é melhor que de tijolo, porque o barro quando cai é de pouquinho, dá tempo de remendar, e o tijolo quando cai é a parede inteira", compara.
Melquíades Júnior
Colaborador
Fique por dentro
Doença de Chagas
Em abril de 1909, o pesquisador Carlos Chagas, do Instituto Oswaldo Cruz, identificou a Doença de Chagas pela primeira vez. A forma mais conhecida de transmissão é por meio das fezes de insetos hematófagos (que se alimentam de sangue), os chamados "barbeiros". Enquanto se alimenta, o barbeiro infectado deposita fezes com parasitas na pele. Se a pessoa coçar a picada e logo após esfregar os olhos, nariz ou boca, os parasitas podem entrar na corrente sanguínea.
CONSTRUÇÃO DE MORADIAS
Ajuda federal para habitação
FAMÍLIA EM casas de taipa ficam mais sujeitas a Doença de Chagas. As paredes podem abrigar o inseto transmissor
FOTO: MELQUÍADES JR
Diferentes tipos do inseto "barbeiro", que transmite o Mal de Chagas, ao picar a pele do ser humano. Ao coçar a picada, as mãos pode levar o parasita para a corrente sanguínea
FOTO: THIAGO GASPAR
O Ceará foi o Estado que mais aprovou projetos para construção de unidades pelo Programa Minha Casa
Limoeiro do Norte No Brasil, em 1983, a área originalmente endêmica da Doença de Chagas ou com risco de transmissão correspondia a 36% do território brasileiro, com triatomíneos domiciliados em 2.493 municípios, o equivalente a 50,1% do total (4.974) de municípios. A população sob risco era de aproximadamente 60 milhões, com 4,2% da população rural infectada. A realidade é bem diferente de três décadas atrás, mas o transmissor ainda resiste em parte das antigas áreas endêmicas. O Projeto de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de Chagas (PMHCh) foi adotado pelo Ministério da Saúde pela primeira vez em 1967. Desde 1991, com a criação da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), este órgão expandiu o projeto para toda a área endêmica do País.
Existem basicamente três grandes programas federais para a restauração ou substituição total de casas de taipa por outras de alvenaria: o Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH), o Projeto de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de Chagas (PMHCh) e, mais recentemente, o Programa Minha Casa, Minha Vida. O maior empecilho é que outras casas de taipa são rapidamente construídas quando os filhos dos beneficiados com novas unidades decidem constituir nova família.
Na casa da dona Maria de Lourdes, citada no início do Caderno, o seu filho Climério Lima, de 27 anos, será o primeiro a sair de casa. Quando a mãe receber a casa de tijolo, a primeira na vida, o barro, as telhas e a madeira que sobrarem da residência atual servirão para o filho construir o seu primeiro "barraco próprio".
Obras não acompanhadas de uma política incisiva de erradicação dessas moradias precárias colaboram para a continuidade do risco de doenças e da indústria de promessas, com agentes políticos tendo sempre à disposição alguém cujo sonho é deixar um casebre de barro.
Nas propostas dos programas federais, as intervenções pela melhoria habitacional devem levar em consideração aspectos da transmissão da doença, comportamento e biologia dos vetores e hospedeiros vertebrados, mas acima de tudo deve ser planejada e executada tendo a comunidade como condutora e parceira desse processo, uma vez que as ações serão efetuadas em suas casas devendo ser respeitados os seus hábitos e a sua cultura.
De acordo com o Projeto de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de Chagas (PMHCh), da Funasa, a eleição dos municípios a serem contemplados com os recursos deverá obedecer aos critérios estabelecidos na Portaria nº 106/2004: "para seleção da(s) localidade(s) a serem beneficiadas nos municípios eleitos, tomará como base os índices de infestação do vetor (intra e peridomiciliar) e critérios técnicos como: existência de habitações que necessitam das melhorias; viabilidade técnica; interesse da comunidade e facilidade de acesso à(s) localidade(s)".
Paralelo ao "Projeto Chagas", também haverá substituição de casas de taipa por alvenaria na segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida. Somente no Ceará serão investidos R$ 75 milhões, sendo R$ 13,5 milhões do Governo Estado e R$ 61,5 milhões do Governo Federal. O Ceará foi o Estado que aprovou a maior quantidade de projetos para municípios com até 50 mil habitantes. Serão 4.500 unidades habitacionais em 108 cidades, o que equivale a 24,1% da segunda etapa do programa.
ALERTA NACIONAL
Doença de Chagas ainda preocupa
Limoeiro do Norte No ano passado foi estimado em 3,5 milhões de brasileiros infectados com o Mal de Chagas, uma doenças silenciosa, que causa diversas lesões no corpo, principalmente no coração, chegando a ser fatal. Nos últimos 16 anos, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) desenvolve projetos para substituição de casas para dentro dos padrões de engenharia sanitária e ambiental, tendo como objetivo a eliminação de vetores de doenças como malária, dengue e verminoses, além da Doença de Chagas, descoberta um século atrás por um brasileiro, o pesquisador Carlos Chagas. Mas o desconhecimento sobre a quantidade de casas de taipa no Brasil reflete a dúvida sobre a eficácia dos atuais programas habitacionais para a erradicação de tradicionais nichos do mosquito transmissor do Mal de Chagas: as frestas nas paredes de barro.
A casa de alvenaria e a casa de taipa são feitas da mesma matéria, a diferença é que, na primeira, o barro é cozido, ganha solidez e consistência em forma de tijolo, e facilita as instalações sanitárias. Sem revestimento e em constante decomposição, as paredes das casas de taipa têm em suas brechas o risco de abrigo para mosquitos como o "barbeiro", transmissor da Doença de Chagas. O mosquito hospedeiro desenvolve em seu tubo digestivo um ser parasita microscópico, de longa cauda (flagelo), e se aloja no sangue de animais domésticos ditos abrigos transmissores e do homem. O inseto portador da doença passa a residir se alojando nas frestas e esconderijos da casa de taipa. Pica e transmite na sua picada fezes contaminadas, em geral à noite, infectando os desprotegidos membros da família.
Em Limoeiro do Norte, o maior número de casas de taipa está registrado na Chapada do Apodi, mas foi nas comunidades rurais mais próximas das urbanas que se conferiu a contaminação por Doenças de Chagas. A equipe do Núcleo de Endemias e Zoonoses da Secretaria Municipal da Saúde contabilizou 188 casas de taipa em 34 localidades. Mas não houve o mesmo levantamento sobre o número de residências de taipa na Chapada do Apodi (500, segundo uma associação comunitária) porque "apesar de ser onde mais tem esse tipo de construção, não foi encontrado nenhum foco com mosquito transmissor", afirma Rosa Aurenir, do Núcleo de Endemias e Zoonoses. O mesmo alívio não foi encontrado nas comunidades de Pedra Branca e Várzea do Cobre, onde as pessoas só descobriram estar com a doença porque pretendiam fazer doação de sangue. Na coleta foi diagnosticado o problema. A preocupação é acompanhada pela equipe da professora Maria de Fátima, da Universidade Federal do Ceará (UFC), que realizou no início deste ano 200 exames nas duas comunidades citadas anteriormente e prossegue com o levantamento em visitas mensais ao município, especialmente nas residências de taipa.
Origem da doença
Há 101 anos, em abril de 1909, o pesquisador Carlos Chagas, do Instituto Oswaldo Cruz, identificou a doença pela primeira vez. Antes, já havia identificado o inseto vetor-transmissor e o agente causador, o Trypanosoma cruzi, nome em homenagem ao médico sanitarista Oswaldo Cruz. Mais de 130 insetos podem transmitir a doença, porém a maioria deles ainda não foi muito estudada. A forma mais conhecida de transmissão é por meio das fezes de insetos hematófagos (que se alimentam de sangue), os chamados "barbeiros".
Enquanto se alimenta, o barbeiro infectado deposita fezes com parasitas na pele. Se a pessoa coçar a picada e, logo após, esfregar os olhos, nariz ou boca, os parasitas podem entrar no sistema sanguíneo. Se uma pessoa infectada é picada por outro inseto, os parasitas infectam o inseto. A transmissão também pode ocorrer por transfusão de sangue, de mãe para bebê por meio da placenta, acidentes em laboratório e pela ingestão de alimentos contaminados (não só o açaí e o caldo de cana).
MORADIA
108
cidades do Ceará integram a segunda fase do Programa Minha Casa Minha Vida, do Governo Federal, que prevê construção de moradias para famílias de baixa renda no País
MELQUÍADES JÚNIOR
Colaborador
CASAS DE TAIPA
´A gente quer é viver com dignidade´
Na comunidade do Tomé, a moradora Maria Zilda Ribeiro de Melo espera, ansiosa, a substituição da casa de taipa. A esperança é renovada somente nos anos de eleição
FOTOS: MELQUÍADES JÚNIOR
Eunice dos Santos optou pela casa de taipa porque, durante as tempestades, é mais fácil fazer os reparos
Eliene do nascimento faz o dever de casa na morada de taipa. Tem o desejo de viver entre paredes como nova estrutura
Moradores duvidam das promessas eleitorais de terem suas casas de taipa substituídas pelas unidades de tijolos
Limoeiro do Norte Não tem material de construção mais barato do que para quem quer construir uma casa de taipa. O barro "tem em todo canto", carnaubeira "é só avistar pro longe", até que com terra molhada e madeira dura, em talos amarrados como quem faz gaiola, a última casa de dona Maria Zilda Ribeiro de Melo ficou pronta e passou a abrigar toda a filharada há cinco anos.
A comunidade do Tomé, onde mora, está eufórica. "Tão dizendo que vão sair umas casas pra substituir as de taipa". A história é verdadeira, mas não é nova. Ressurge como esperança sempre que tem uma eleição no final do ano. Feito migalhas aos porcos, raríssimas vezes as famílias recebem tijolo para sair do barro. Enquanto espera "com um pé atrás", a dona-de-casa, lavadeira e agricultora derruba a sua casa mais antiga de barro. Vai levantar com tijolos. E acredita que a cada dia que passa está mais perto de viver "com dignidade".
Depois da multiplicação dos filhos, estes cresceram e foram multiplicando os netos, e agora ao redor da casa materna existem as latadas, extensões de casinhas de taipa onde as filhas de dona Maria Zilda se juntam com os companheiros e fazem as novas famílias, crianças correndo para os lados e que a avó acaba tendo que também tomar de conta. O cordão umbilical agora é de barro.
Mas se "as casas saírem", cada família vai querer a sua. "Com tanta riqueza no mundo, ter uma casa de tijolo é o de menos porque a gente quer é viver com dignidade", resume dona Zilda. A casa de tijolo que está levantando é a segunda, pois a primeira ganhou, cinco anos atrás, num bingo. Vendeu para pagar as contas.
Apesar de não terem encontrado focos do mosquito barbeiro na comunidade do Tomé, não falta muriçoca e outros riscos de doença com a falta de sistema sanitário adequado. Situação análoga é enfrentada pela comunidade de Cabeça Preta, também na Chapada do Apodi.
As casas de tijolos convivem com as de taipa. Para dar uma maquiada nestas, muitas são erguidas tendo somente a parede da frente de tijolo, pintada com cal e "enfeitada" com o medidor de energia e a antena parabólica. Mas quando se vai além, a paisagem é sóbria e tem-se a impressão de entrar numa caverna. Com os tetos baixos, o calor é intenso durante as tardes; com as frestas nas paredes, chega a fazer muito frio de madrugada; e quando chove, o medo é de desabar tudo.
As casas de pau-a-pique são frágeis porque foram construídas de forma rudimentar. A madrugada de 21 de março de 2008 só não foi trágica para a família de Francisco Luciano de Araújo porque, quando sua casa de barro desabou na chuva de 79mm, ele, a mulher e as crianças conseguiram sair em tempo. "Se eu não seguro a parede, tinha matado meus meninos", conta Luciano, sobre o dia em que a parede caiu sobre a cama onde dormia os dois filhos.
Mesmo morando numa casa de tijolos, eles ainda residem na Rua Aritstóteles Nogueira, considerada uma das mais miseráveis de Russas, na área conhecida como "Favela do Agaci", bairro Planalto da Bela Vista. Lá é também a terra de Francisco Gerônimo Loureiro, de 62 anos, conformado de que vai morrer sem ter o prazer de dormir numa casa de alvenaria. Já se acostumou com a vida que tem. "Meus filhos tão ´tudo´ criado, me desquitei da mulher faz tempo, então eu vou morando aqui até onde der".
Existem projetos para a substituição de casas no Planalto da Bela Vista. O problema não é diferente dos grandes centros urbanos: uma área de risco é povoada, as famílias são transferidas para um lugar seguro e outras ocupam o lugar. Uma parceria da Prefeitura de Russas com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), por meio do Projeto de Melhoria Habitacional para o Controle da Doença de Chagas. O mesmo acontece em mais da metade dos municípios do Ceará: parcerias das três esferas governamentais para a substituição de casas barrentas pelas de alvenaria.
ESPERANÇA
Diagnóstico aponta habitações precárias
Limoeiro do Norte O líder comunitário José Maria Filho juntou-se aos agentes de saúde na Comunidade do Tomé para realizar um levantamento das piores moradias existentes. Multiplicou por 50 a esperança de novas unidades habitacionais para a comunidade.
De acordo com José Maria, serão liberados R$ 900 mil para a construção de 50 casas no lugar das atuais. As famílias beneficiadas já estão cadastradas. O problema é que, segundo o líder comunitário, existem mais de 500 casas de taipa na Chapada do Apodi, e a cada casa de tijolo que se ergue há, pelo menos, mais uma de barro. As crianças crescem e, mal chegadas à juventude, constituem novas famílias. Saem do barro da mãe para o "barro próprio".
É descendo a Chapada que os problemas ambientais e de saúde provocados pelas casas de taipa são mais evidentes. Enquanto neste relevo com mais de 500 casas de taipa não se encontrou foco de transmissão da doença de Chagas, foi em outras localidades que se observou um índice médio de infestação de 4,2%, colocando o Município como de alto risco para a transmissão da doença.
De acordo com parecer técnico do supervisor do Núcleo de Vetores da Secretaria Estadual da Saúde (Nuvest/Sesa), Quirino de Sousa, das 34 localidades pesquisadas, 24 indicaram positividade para o triatomíneo. Somando-se às outras dez nas áreas limítrofes, chegou-se à quantia de 188 casas de barro que precisam de melhorias.
OPÇÃO
Há quem prefira as moradias de taipa
Russas Fosse sua casa mais comprida e alta, dona Eunice dos Santos não teria do que reclamar de sua residência de pau-a-pique, a sétima ou oitava moradia em 47 anos de vida. Tem todos os problemas das muitas casas de taipa no Planalto da Bela Vista, em Russas, mas é o que ela tem, mais do que uma necessidade, uma decisão, afinal, "é melhor que de tijolo, porque o barro quando cai é de pouquinho, dá tempo de remendar, e o tijolo quando cai é a parede inteira".
As paredes de sua morada são largas e tem aspecto firme, mas o referencial de tijolo de dona Eunice é também de construções rudimentares de alvenaria, apenas com empilhamento de tijolos com argamassa, sem planejamento de alicerce com sustentação por vigas de ferro, situação comum na região onde mora. "Uma parede de tijolo bem feita é mais segura que uma de barro", garante Assis Simão, pedreiro do Município de Russas.
Tem pelo menos quatro anos que Eunice está de barraco novo. Custou R$ 600,00, despesa compartilhada com uma vizinha, que tem metade do espaço, dividido por uma parede. Não é o caso dos últimos dias, que quando não chove fica pelo menos nublado, mas geralmente as tardes são tão quentes que "só dá jeito ficando do lado de fora, porque dentro você pensa que vai evaporar". Mesmo assim é a casa que tem e escolheu. Longe de ser chique, tampouco objeto de vergonha. "É servir pra morar e pronto".
Melquíades Júnior
Colaborador
DESIGUALDADE
Estudante tem o sonho de morar em casa de tijolos
Limoeiro do Norte É no primeiro ano escolar, o jardim, que a professora da escola pública municipal exercita com as crianças o desenho, a pintura. Numa folha de papel que já foi somente branca, uma árvore de verde imponente, tronco marrom, e vários pontilhados avermelhados, que podem representar maçã, manga coité ou acerola, depende do tamanho do fruto e da intenção de quem pinta.
Um caminho sinuoso leva a uma bonita morada com porta e janelas frontais, telhado alto e paredes coloridas. O desenho não vem com legenda, mas é de uma casa de tijolo que se está falando. As crianças de hoje, mais do que os pais antigamente, têm associado a imagem de uma moradia digna de alvenaria, não de terra.
Não é luxo nem "frescura". Uma casa de aspecto cavernoso atrai mosquitos, mas principalmente o barbeiro, transmissor da Doença de Chagas. Com o chão também de terra nem dá para Eliene do Nascimento brincar com as bonecas, ou colocar os seus livros do 6º ano espalhados no meio do quarto. Aos dez anos de idade, segue no sonho de ter uma casa de tijolo. Vem do barro assim como a sua de taipa, "mas é bem diferente, é de verdade", resume.
Enquanto os projetos habitacionais não chegam até a casa de Eliene, sua mãe Luciene paga R$ 50,00 por mês de aluguel para morarem na casa de terra de quatro cômodos na Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte. Uma casa "sem graça", mas com duas mulheres felizes - pelo menos não paravam de rir com a visita da reportagem.
Tem gatos, coelho, e para começar bem a manhã um DVD pirata de uma dessas bandas de forró "do momento" na TV de 14 polegadas. Hoje, as folhas de papel de Eliene não têm mais casinhas ou árvores frutíferas. Só cálculos e exercícios que a professora passa, enquanto ela vai decidindo o que quer "ser quando crescer", ainda que já tenha certeza do que quer ter, de preferência antes que cresça.
O sonho de Eliene é o mesmo de muito brasileiros e cearenses que esperam, um dia, melhorar a qualidade de vida começando pelo setor mais essencial: uma morada digna.
Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 4 de abril de 2010.
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