domingo, 27 de setembro de 2009

Tecnologia recria semi-árido

Sertão de Quixeramobim - CE - Parabólica na casa simples e feijão secando no terreiro - Modernidade e tradição convivem no nosso Sertão. Foto: Suely Chacon.


MODERNIDADE?

A matéria de Antonio Vicelmo no Jornal Diário do Nordeste de hoje (27-09-09) chama atenção para a invasão tecnológica e suas consequências para o nosso Sertão (confira a matéria abaixo).

Como eu já havia ressaltado no meu livro (O Sertanejo e o Caminho das Águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido), o nosso Sertão está mudando, e o Sertanejo perdendo sua identidade.

Embora a tecnologia seja importante, é preciso refletir sobre seus impactos e, principalmente, a forma como a usamos. Encarar a tecnologia como modernidade e a cultura local como pertencente a um passado que deve ser esquecido significa matar tradições. E isto não pode acontecer. Vamos refletir sobre isto. Quem quiser conhecer meu livro pode fazer o download no seguinte endereço: http://www.bnb.gov.br/projwebren/exec/livroDetalhe.aspx?cd_livro=20





Antena parabólica é um dos símbolos da nova configuração das pequenas cidades do Interior (Foto: Antônio Vicelmo)

Aspectos simples da vida no sertão foram modificados com o surgimento dos novos meios de comunicação

Araripe. O computador, o telefone celular e a televisão, entre outros equipamentos tecnológicos de comunicação, estão transformando os usos e costumes do sertão. Está desaparecendo aquele sertão lírico, romântico, descrito por poetas e escritores. O sertão ingênuo, de gente simples, desinformada, vem sendo invadido pelo progresso, para o bem e para o mal. Hoje em dia, os mais distantes recantos do Interior estão antenados com o mundo globalizado. O agricultor está "plugado" com o universo que o cerca. Um exemplo dessa mudança extraordinária é o grande numero de antenas parabólicas e terrestres espalhadas por este "mundão" afora.

O pequeno povoado de Jamacaru, localizado no pé da serra do Araripe, por exemplo, está coberto de antenas parabólicas, um dos grandes símbolos dessa transformação. Os sertanejos já não se sentam mais nos terreiros de casa, ou nas calçadas, para ouvir "histórias de trancoso" ou conversar sobre a lida do dia. Agora, a conversa é outra. A discussão em torno dos últimos acontecimentos divulgados na televisão: o salário mínimo, a crise no Senado, os escândalos, a violência urbana, os preços dos produtos, o pré-sal e a vitória de Obama para a presidência dos Estados Unidos. De acordo com levantamento feito pela Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abert), 99% dos domicílios brasileiros tem um televisor em casa.

Com a expansão da energia elétrica, os lobisomens desapareceram do imaginário popular e deixaram de fazer medo no matuto. A caipora, o pai-da-mata, a mãe d´água e outros mitos que povoaram o sertão se escafederam. Encantaram-se, como dizem os sertanejos no seu linguajar próprio, ainda não totalmente engolido pela modernidade.

Em algumas fazendas do Cariri, a reprodução natural, feita com o touro, foi substituída pela moderna inseminação artificial. Até a transferência de embrião já é realizada na região. Aos poucos, a motocicleta vem tomando o lugar do cavalo e da bicicleta como meio de transporte principal. A imagem forte do vaqueiro encourado está desaparecendo junto com as antigas festas de apartação, que cedem espaço para as vaquejadas de grande porte.

Esta transformação foi prevista pelo cantor e compositor Luiz Gonzaga, o Rei do Baião, há 30 anos, com o xote "Nordeste P´rá Frente" que fala sobre a mudança dos usos e costumes dos sertanejos. Dentro desta linha, o intérprete de Asa Branca descreveu a influência da moda estrangeira no comportamento dos sertanejos com a música "United States of Piauí".

O poeta Patativa do Assaré, que fez de sua produção poética uma declaração de amor ao sertão, mudou a forma de pensar dos matutos na defesa dos seus direitos e deveres, denunciando injustiças, corrupção eleitoral e reivindicando mais escolas, reforma agrária e inclusão social.

Realismo
Ao contrário de outros escritores regionalistas que mostraram uma imagem romântica e saudosista, o escritor contemporâneo Ronaldo Correia de Brito, autor do livro Galiléia, apresenta em suas obras uma visão realista deste novo sertão, que vive os mesmos conflitos do mundo moderno. Segundo Ronaldo Correia, o sertão tanto pode significar um espaço mítico como um acidente geográfico.

Ele cita uma resposta de Santo Agostinho, quando lhe perguntaram sobre o tempo. "O que é o tempo? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam, desconheço. O que é o sertão? Se não me perguntam eu sei, se me perguntam desconheço", compara. Ronaldo acrescenta que "o sertão é abstrato ou real como o tempo. E continuará sendo tema para a literatura. "O sertão é um espaço de memória confundido com o urbano. É o melhor lugar do mundo para acessar a Internet, porque as lan houses cobram apenas R$ 0,50 por hora".

Isolado numa "biboca de serra", no município de Missão Velha, o agricultor Francisco Clemente do Nascimento, mais conhecido por "Cartiçá", está conectado com o mundo. Com uma parabólica instalada em frente a sua casa de taipa e pai de 10 filhos, o agricultor acompanha de perto todos os programas de televisão, dos noticiários às novelas.

Ele diz que os tempos de hoje não se comparam com o de antigamente. "Eu fui criado no cabo da enxada, comendo angu de milho com rapadura. Tinha dia que não tinha nada para botar no fogo. Não sei nem assinar o nome. Nunca tive cabeça para negócio de estudo". Ao fazer este relato, Francisco Clemente comemora: "Hoje, meus filhos estão trabalhando como crediaristas, as mulheres trabalham como domésticas. Com o Bolsa Família e o trabalho na roça dá para viver. Graças a Deus, não tem faltado nada lá em casa", complementa.

A história do agricultor é a mesma da maioria dos trabalhadores sem terra, conformados com o pouco que possuem. O aposentado João Avelino não tem do que reclamar. Com a mulher, que também é aposentada, ele cria os filhos que estudam numa escola ao lado de sua casa. Avelino faz parte da legião de sertanejos que não quer nem ouvir falar no passado de sofrimento. Ele é mais um dos brasileiros que tem o prazer de mostrar-se na modernidade.

ANTÔNIO VICELMO
REPÓRTER

Fonte: Jornal Diário do Nordeste - Caderno Regional - Fortaleza, 27 de setembro de 2009.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=674705

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