quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Brasil ganha novo Parque Eólico no Ceará




No ultimo dia 20 de agosto, o Brasil ganhou um novo Parque Eólico, localizado no Ceará. O empreendimento é fruto da aliança entre dois grandes líderes no setor energético na América Latina: Cemig e IMPSA. Com 325 hectares e 19 aerogeradores, o Parque Eólico de Praias de Parajuru é o primeiro de três usinas a serem construídas no estado. Ainda serão instaladas as centrais: Praia do Morgado e Volta do Rio, no município de Acaraú. Juntas, terão capacidade para gerar 99,6 MW. A intenção é que nos próximos 20 anos esta energia gerada seja comercializada para a Eletrobrás.

Limpa e renovável. Assim é a fonte eólica, considerada a mais natural do planeta. Essa alternativa é gerada em parques que concentram vários aerogeradores – turbinas em forma de cata-vento ou moinho instaladas em regiões de ventos fortes. É utilizada para substituir combustíveis naturais (não renováveis e sujeitos a escassez), como o carvão, petróleo e gás natural, auxiliando na redução do efeito estufa e, consequentemente, no combate ao aquecimento global.

Pioneira na operação de usina eólica no País, ao construir a Usina Morro do Camelinho, em 1994, a Cemig tem mais de 90% de fontes limpas. O presidente da Companhia, Djalma Bastos de Morais, destaca que a participação nos parques eólicos está em conformidade com a estratégia da empresa e do Governo de Minas que é de “crescer de forma sustentável, econômica, social e ambiental.”

Líder latino-americana em energias renováveis, a IMPSA considera o Brasil um mercado chave. A empresa argentina está trabalhando na implantação de mais outros 10 parques eólicos no País, na região de Santa Catarina. “Pretendemos desenvolver uma matriz energética mais equilibrada e limpa no País”, diz o representante da IMPSA no Brasil, Luis Pescarmona.

Os parques eólicos fazem parte do Programa de Incentivo a Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), desenvolvido pelo Governo Federal, sob coordenação do Ministério de Minas e Energia (MME). A iniciativa visa fomentar o desenvolvimento das fontes renováveis como as eólicas, biomassas, solares, e de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s).

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Post enviado por Thamires Andrade (thamires@webcitizen.com.br), da WebCitizen.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Águas transfronteiriças exigem cooperação



Por Thalif Deen, da IPS
25/08/2009 - 16:52:26

“O uísque é para beber, a água é para lutar por ela”, disse o famoso escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910). Os ecos de sua frase reverberaram no recinto onde até sábado aconteceram as conferências da Semana Mundial da Água, na capital sueca. Como quase metade das águas superficiais disponíveis em todo o mundo se encontra em 263 bacias de rios internacionais, os países que compartilham fronteiras têm duas opções: ou colaboram ou vão à guerra. Por isso um dos temas principais dos debates em Estocolmo ter sido o manejo das águas transfronteiriças.

As fontes de potencial colaboração ou conflitos incluem as águas compartilhadas do mar Báltico; dos rios Jordão, Mekong, Ganges e Indo, e o vale do rio Nilo, entre muitos outros. A ministra de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da Suécia, Gunilla, Carlsson, disse que cerca de 60% da população mundial vivem em bacias compartilhadas por dois ou mais países. “Isto é algo que não podemos ignorar. Temos uma dessas águas em nossa própria cidade, Estocolmo: o mar Báltico. Sua história está cheia de guerras e conflitos, bem como de paz e cooperação”, afirmou. Carlsson também disse que as questões relativas às águas transfronteiriças não envolvem apenas rios e suas bacias, o que exige soluções políticas e técnicas entre nações limítrofes, mas também entre áreas costeiras e oceanos.

Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 880 milhões de pessoas em todo o mundo ainda carecem de acesso à água potável. Mas alguns especialistas se mostram pessimistas prevendo futuros conflitos militares em torno dos escassos recursos hídricos. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, admitiu que apesar da preocupação quanto à possibilidade de “disputas violentas” por esses recursos compartilhados, a cooperação é a resposta mais comum dos povos que competem pela água. Ban reforçou seu argumento dizendo que há pelo menos 300 pactos hídricos internacionais, comumente entre partes que de outro modo estariam se enfrentando. “Estes acordos demonstram o potencial dos recursos hídricos compartilhados para impulsionar a confiança e promover a paz”‘, afirmou o secretário-geral.

Somente na Ásia austral, três bacias de rios transfronteiriços abastecem cerca de metade dos 1,5 bilhão de habitantes da região, entre eles os mais pobres do mundo. Essas três bacias, que cobrem oito países, são: a dos rios Ganges-Brahmaputra-Meghna (que corta Bangladesh, Butao, China, Índia e Nepal); do rio Indo (Afeganistão, China, Índia, Nepal e Paquistão), e a do Helmand (Afeganistão, Irã e Paquistão). O presidente da Amigos da Terra-Oriente Médio, Munqeth Mehyar, disse à imprensa que dos 1,3 bilhões de metros cúbicos que seriam necessários para devolver ao mar Morto seu caudal original, todo o que restam são 100 milhões de metros cúbicos.

Noventa e cinco por cento das águas do mar Morto foram desviados. Os governos de Israel, Palestina e Jordânia assinaram acordos para restaurá-lo. Porém, estas intenções ainda não se transformaram em ações concretas, acrescentou Mehyar. Este especialista disse que os palestinos devem conseguir um acesso direto ao mar Morto e que a Palestina merece uma parte da água, na qualidade de país ribeirinho com iguais direitos. Manter conflitos e apoiar guerras implica um orçamento muito elevado. Mas as atividades para restabelecer a paz requerem uma porcentagem muito pequena do mesmo, ressaltou.

Por outro lado, em um estudo apresentado na capital sueca, o Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) disse que a resposta da comunidade hídrica internacional diante dos crescentes desafios e pressões sobre as águas compartilhadas até agora é “inconsistente e inadequada”. Em geral, a comunidade hídrica internacional está dividida em três setores, tendo por base como os rios transfronteiriços se relacionam aos meios de sustento, ao desenvolvimento e à segurança humana, dos Estados e das regiões. Alguns enfatizam as relações causais entre a escassez hídrica (ou as inundações) e os conflitos violentos ou a pobreza. Outros afirma que a evidência de cooperação que existe no mundo sugere uma tendência reconfortante para a estabilidade e a riqueza.

O terceiro setor fica entre os dois anteriores, mas enfatiza a existência de numerosos conflitos pela água que se desenvolvem sem violência, diz o estudo realizado e editado por Anders Jagerskog, diretor de programa do SIWI, Mark Zeitoun, conferencista na University of East Anglia (Grã-Bretanha), e Anders Berntell, diretor-executivo do SIWI. “Parece óbvio. As águas transfronteiriças são altamente políticas. E a política está regida pelo poder”, afirmam. Além disso, as formas tanto novas quanto tradicionais de interação nos rios Mekong, Jordão, Ganges, Nilo e tantos outros cursos de água transfronteiriços revelam que a comunidade internacional faz vista grossa aos jogos de poder em torno da água.

Ao mesmo tempo, muitos aderiram silenciosamente à noção de que não é possível uma cooperação eqüitativa, sustentável e eficiente em relação às águas transfronteiriças, diz o estudo intitulado “Getting Transboundary Water Right: theory and practice for effective cooperation” (Acertando com as águas transfronteiriças: teoria e prática para uma cooperação efetiva). Em muitos contextos de águas transfronteiriças o poder está distribuído de modo desigual. Frequentemente, o Estado ribeirinho mais poderoso pode determinar o resultado das interações, para o bem unilateral ou coletivo.

Considera-se que a ajuda financeira da China ao Camboja em setores não relacionados com o Mekong garantiu o consentimento cambojano par à construção de represas potencialmente devastadoras. Esse uso de incentivos para induzir à cooperação é muito mais bem-vindo do que o uso de ameaças, diz o estudo. Mas, no contexto deste paradigma unilateral, os Estados podem coagir seus vizinhos para que concordem com um acordo cujos termos podem se voltar contra eles.

(IPS/Envolverde)


Fonte: Mercado Ético

ARTE DO CARIRI MOSTRADA NO EXTERIOR - Bonequeiras

Bonecas da infância inspiraram a psicodramatista Elisete Garcia a utilizá-las em terapias de grupo. Elas são fabricadas por mulheres do Crato, embaixo de uma mangueira (Foto: Antônio Vicelmo)


Bonecas são expostas na Itália

Crato. A arte das mulheres bonequeiras estará presente no 17º Congresso Internacional de Psicoterapia de Grupo, que foi aberto ontem, em Roma, Itália, com a participação de 1.300 profissionais da área da saúde vindos de várias partes do mundo. A informação é da psicodramatista cratense Elisete Leite Garcia, que participa do encontro com uma coleção de bonecas de pano que foram fabricadas debaixo de um pé de manga, pelas bonequeiras do município do Crato.

Elisete vai apresentar um tatadrama ancorado no pensamento do filósofo Platão, segundo o qual, "você pode descobrir mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em um ano de conversa".

O tatadrama, de acordo com a psicodramatista Elisete, é um processo sócio-educacional que cria um espaço para vivência, reflexões e buscas de ações transformadoras do ser por meio do personagem representado pelas bonecas de pano.

Educação

A utilização das bonecas como instrumento educacional nasceu de um sonho de criança. Elisete saiu da cidade do Crato com menos de seis anos de idade. Em São Paulo, depois de formada, lembrou-se das bonecas de pano que embalaram seus castelos de areia e suas mais ternas memórias da meninice no Interior. A partir disso, a psicodramatista descobriu que estas bonecas poderiam ser utilizadas numa atividade lúdica, que resgatasse e despertasse a criatividade, a imaginação, a espontaneidade, a integração e a identidade nas pessoas.

Elisete, então, voltou ao Crato, onde reuniu um grupo de mulheres para a fabricação de bonecas. A atividade tornou-se uma terapia de grupo.

Debaixo de uma mangueira, no quintal da casa de uma das artesãs, as mulheres conversam, trocam idéias, se atualizam sobre o que acontece no mundo e na vida de cada uma, enquanto fabricam bonecas, que são vendidas na região e que também são levadas para a capital paulista.

Nos braços e nos sonhos de Elisete, as bonecas participaram de exposições no Ceará e no exterior. Agora estão na Itália, participando de um dos maiores encontros dessa linha de trabalhos terapêuticos e educacionais. "As bonecas fazem emergir o inconsciente, revelam aptidões, desejos, aspirações e necessidades", diz Elisete.

Mais informações
Bonequeiras do Crato
Avenida Perimetral, 235c, bairro São Miguel
(88) 9911.6617

Fonte: jornal Diário do nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 25 de agosto de 2009.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=664840

domingo, 23 de agosto de 2009

Minas Gerais altera Lei Ambiental

Estado aprova lei pioneira no pais, restringindo para 5% o uso de matéria-prima de florestas originais para empresas em sua produção anual

Na primeira semana de agosto Minas Gerais foi sede de um dos mais importantes eventos do calendário ambiental no mundo, o 2020 Climate Leadership Campaign, que estabeleceu metas para a redução em 30 anos do tempo para que se atinja o controle do aquecimento global. Alinhada com a proposta no evento, a Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG) anunciou na terça-feira (11), alterações na Lei Florestal. As mudanças visam principalmente o controle e redução do uso de florestas por empresas e indústrias mineiras.

As alterações preveem que até 2018 apenas 5% das florestas nativas sejam utilizadas como matéria-prima. O antigo texto afirmava que a vegetação original poderia ser utilizada em sua totalidade, desde que as empresas consumidoras replantassem duas árvores para cada uma derrubada. Sua implementação será gradual, com o percentual de utilização diminuindo em períodos de anos, até que chegue aos 5% de 2018. Entre 2009 e 2013 as indústrias poderão utilizar 15% de mata nativa em seu consumo anual total. Entre 2014 e 2017 esse percentual cairá para 10%, sendo finalmente reduzido a 5% após este segundo período.

Para incentivar a redução imediata no consumo, no entanto, o Governo mineiro promoveu também alterações na parte da lei que trata da reposição de árvores. As empresas que optarem por manter o consumo de matéria-prima florestal nativa, até o limite de 15%, terão de observar novos critérios de reposição. A utilização de 12 a 15% de consumo total proveniente de mata nativa exige a reposição do triplo do consumido, ou seja, plantar três árvores para cada utilizada. Para a faixa entre 5 e 12%, a reposição será mantida com o dobro do consumido. Para o consumo de até 5%, a reposição será simples, de um para um.

Ainda sobre a reposição de árvores, os consumidores tem novas opções para o replantio: podem optar pela participação em projetos sócio-ambientais com foco na proteção e recuperação da biodiversidade, em projetos de pesquisa científica, para recuperação de ambientes naturais junto a instituições nacionais e internacionais, ou em programas de recomposição florestal ou plantio de espécies nativas, implantação de unidades de conservação e no aperfeiçoamento técnicos os órgãos ambientais.

Outra importante modificação da lei é o sistema eletrônico de rastreamento do transporte de produtos e subprodutos florestais no Estado, permitindo um melhor controle dos pontos de carga e descarga em Minas Gerais. As empresas transportadoras que atuam no estado deverão instalar dispositivos eletrônicos em todos os caminhões e estes serão monitorados por satélite. O aparelho que será instalado nos veículos permitirá o acompanhamento da trajetória da carga identificando todos os pontos de parada desde a origem até o destino da carga.

As alterações lei fazem parte do Projeto Estruturador Conservação do Cerrado e Recuperação da Mata Atlântica, que visa diminuir a incidência de devastação nas duas localidades por meio de ações sociais e governamentais voltadas ao meio ambiente. Só em 2008 mais de R$ 10 milhões foram investidos pelo Governo de Minas Gerais na recuperação de áreas ambientais devastadas. Com as adequações feitas na lei Minas pode se tornar em breve um estado modelo no Brasil. Atualmente Minas Gerais é o único estado brasileiro no qual este tipo de lei ambiental está regulamentada.

Confira abaixo as oito principais alterações promovidas na lei ambiental de Minas Gerais:

1 – Fixação de cotas decrescentes (15% a 5%) até 2018 para consumo de matérias-primas originadas de floresta nativa.

2 – estabelecimento de regras mais rigorosas em relação ao não cumprimento dos cronogramas de suprimento estabelecidos, inclusive com a possibilidade de redução obrigatória da capacidade de produção para as empresas que não se enquadrarem nas novas regras estabelecidas, incluindo a paralisação de suas atividades;

3- eliminação do dispositivo que permitia às indústrias de ferro gusa consumirem até 100% da sua demanda, com carvão vegetal de florestas nativas, mediante ressarcimento em dobro da reposição florestal;

4 – implantação de um sistema eletrônico de rastreamento do transporte de produtos e subprodutos florestais no estado, permitindo o controle eficiente dos pontos de carga e descarga destes produtos, aliando-se desta forma o controle da produção e consumo destes insumos;

5 – estímulo de mecanismos alternativos à formação de plantações florestais, através de comercialização de créditos de carbono tanto pelo aumento de estoques florestais, quanto pela adoção de alternativas de substituição energética.

6 – Novo sistema de cadastramento de produtores e consumidores de produtos e subprodutos florestais incluirá transportadores de madeira.

7 - Uma inovação é apresentada pela emenda nº 9, que define, pela primeira vez na legislação, a destinação dos recursos obtidos com a arrecadação de multas ambientais. A emenda estabelece que 50% dos recursos serão aplicados no programa Bolsa Verde, que consiste em pagamentos de serviços ambientais prestados por produtores rurais.

8 - A emenda nº 4 amplia de oito anos, como previsto anteriormente, para o máximo de nove anos, o prazo para que os consumidores de produto ou subproduto da flora (madeira, estéreos ou carvão) promovam o suprimento de suas demandas com florestas de produção na proporção de 95% do consumo total de matéria-prima florestal. Dessa forma, a adequação deverá ser feita até o ano agrícola 2019-2020.

Notícia enviada por Leonardo da WebCitizen (www.webcitizen.com.br)

sábado, 22 de agosto de 2009

22 de agosto - Dia do Folclore

Entre os seres sobrenaturais do folclore, o mais popular é o Saci

Dia do Folclore homenageia a cultura popular brasileira

Da Página 3 Pedagogia & Comunicação

Em 1965, o Congresso brasileiro oficializou o dia 22 de agosto como o Dia do Folclore, numa justa homenagem à cultura popular brasileira. A palavra folclore tem origem no inglês antigo, sendo que "folk" significa povo e "lore" quer dizer conhecimento, cultura.

O folclore brasileiro, portanto, é a cultura de nosso povo e não há nada mais nacional do que ele. Afinal, ele é precisamente o conjunto das tradições culturais dos conhecimentos, crenças, costumes, danças, canções e lendas dos brasileiros de norte a sul. Formada pela mistura de elementos indígenas, portugueses e africanos, a cultura popular brasileira é riquíssima.

Na área musical, por exemplo, são inúmeros e muito variados os ritmos e melodias desenvolvidos em nosso país. É o caso do frevo, do baião, do samba, do pagode, da música sertaneja... Há ainda as danças típicas das festas populares, como o bumba-meu-boi, o forró, a congada, a quadrilha e - é claro - o próprio carnaval, um verdadeiro símbolo de nosso país.

Um dos aspectos mais interessantes do folclore brasileiro, porém, são os seres sobrenaturais que povoam as lendas e as superstições da gente mais simples. O mais popular é o Saci, um negrinho de uma perna só, que usa um barreta vermelho, fuma cachimbo e adora travessuras, como apagar lampiões e fogueiras ou dar nó nas crinas dos cavalos.

Mas há vários outros seres fantásticos em nosso folclore: o Curupira, um anão de cabelos vermelhos, que tem os pés ao contrário; a Mula-sem-cabeça, que solta fogo pelas narinas; a Boiúna, cobra gigantesca cujos olhos brilham como tochas; e o Lobisomem, o sétimo filho homem de um casal, que vira lobo nas sextas-feiras de luas cheias, entre outros.


Sugestão de leitura:
Caso queira conhecer as histórias dessas fantásticas criaturas, você pode procurar as obras do folclorista Luís da Câmara Cascudo ou dois livros sensacionais de Monteiro Lobato: "Saci, o Moleque Sapeca " e "Cuca, a Bruxa do Capoeirão".

Fonte: http://educacao.uol.com.br/datas-comemorativas/ult1688u12.jhtm

domingo, 16 de agosto de 2009

Rezadeiras - a cura na natureza

A casa da rezadeira é solo sagrado onde as plantas ganham dimensão especial (Foto: Elizângela Santos)





TRADIÇÃO MITOLÓGICA (24/2/2008)
Benzedeiras como deusas-mães

Tão remoto quanto a origem do homem, os rituais sagrados pagãos dão conta de uma tradição mitológica

Crato. O ritual se reveste de mistérios. Símbolos sagrados, rezas, rosários, sal, água benta, cordão e nomes de santos envolvem o solo sagrado da casa das rezadeiras. Nos remete às divindades protetoras de origem africana, indígena e européia. Imagens de santos espalhadas pelas paredes mostram o sincretismo religioso.

Mãos ágeis sustentam ramos verdes e pequenos. Traçam no ar cruzes sobre a cabeça do doente. Tecem um fio invisível, poderoso, unindo as dores dos homens, mazelas sem fim à magia do benzimento. Ramos murcham, absorvem o espírito da doença. As orações invocam a santíssima trindade, não permitem cruzar pés e mãos para não invalidar a oração.

O elo mítico poderoso funde-se a voz sussurrada da rezadeira. A cadeia simbólica e imagética presente no verbo invade o ambiente. O poder da cura configura-se. As sessões sagradas das benzedeiras ao raiar do sol ou ao crepúsculo, oferecem um quê de lealdade ao deus Tupã, para aplacar, quem sabe, as forças invisíveis da natureza aos moldes de Ossaim, o orixá que detém o poder purgativo das plantas.

Tão remoto quanto a origem do homem, os rituais sagrados pagãos, objetos de estudo, teses e pesquisas ao longo da era racionalista dão conta de uma tradição mitológica praticada nas tribos primitivas.

A despeito de serem as deusas fadas-mães guardiãs dos elementos femininos das manifestações do mundo sensível, da essência espiritual, retirando o humano dos limites factuais, a figura das rezadeiras funciona como um código conectivo que agrega toda a riqueza espiritual presente na vida de uma gente despida de bens materiais, mas que expressam em suas diversas manifestações religiosas procissões de símbolos sagrados para conter a fúria implacável dos males terrenos.

Teatralização do pensamento

De sorte que a palavra como um fio condutor impulsiona a produção histórica cultural e, como afirma Roland Barthes, a teatralização do pensamento.

Dona Helena, 73 anos, é a quarta filha de Maria de Rita, 103 anos. Fazia suas rezas só em crianças, mas de tanto os grandes insistir, quando percebeu já estava tomada pelas orações: “Pelo ramo verde será afastado sete maus, sete dores e sete mau olhado do corpo de fulano de tal”. A mãe de seu pai era índia.

Foi caçada a dente de cachorro nos idos da febre da borracha, no Rio Acre, por seu avô, homem destemido, outrora caçador na Chapada do Araripe. Já curou muito torcicolo. “Eu amarro um pano branco no tornozelo e outro no joelho. Vou costurando o pano com linha também branca. A agulha emenda por fora o que dentro está desemendado”. Na oração pra vento caído: “Dor abrando a tua ira e quebro as tuas forças. Assim como Judas vendeu Cristo que é Nosso Senhor Jesus, por esse mundo andou, olhado e vento caído Jesus curou”, diz, na reza.

Moradora numa vila de casas simples, entre o Rio Constantino e o Rio Miranda, este totalmente morto, no Crato, que dantes abrigavam em suas margens o povo Kariri, ela nos conta o caso de um anjo que passou por suas mãos curandeiras. “Não viveu porque aquele que é de Deus logo é chamado de volta pra Deus. Nasceu assim, menino e menina ao mesmo tempo”, recorda.

“Esse anjo lindo de cabelos pretos veio ao mundo há trinta anos e ainda hoje não me sai do pensamento, me recordo de seu olhar divino”. Dona Helena enfatiza: “O coração diz se a reza cura ou não”.

Sua avó materna, mãe de Maria de Rita, foi escrava de Quintino Macedo, dono de terras a perder de vista no Crato oitocentista. Por vezes sente um desejo sem igual de andar pelas matas. Vai para a casa da irmã Preta, também rezadeira, moradora da Mata Escura, um lugar impar com muitos pés de pau, no dizer de dona Helena. “Me faz lembrar que possuo sangue escravo e índio”.

O poder de cura já possuía e não sabia. Aos 20 anos casou, tendo seu primeiro filho. Um dia a criança amanheceu doente, era mau olhado. Botou a reza para curar, foi quando dona Maria de Ana, rezadeira, sogra da irmã Preta, viu e ensinou as rezas de cura, e até hoje com o ramo na mão para soltar o mau no vento continua a curar e a benzer quem na sua casa entrar necessitando. “Deus é pai de Jesus / Jesus é pai do divino Espírito Santo/ com o poder de Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito/ afasta todos os males desse corpo/ Amém”.

ANA ROSA BORGES
Especial para o Regional
É historiadora, especialista em Literatura Infanto-Juvenil, com estudos na vertente na oralidade

ANA CECÍLIA SOARES - Reza é ajuda divina
Especialista em Teorias da Comunicação e da Imagem pela UFC
cecismonografia@yahoo.com.br

O processo de adaptação do homem na Terra ocorreu de forma lenta e sofrida. Cada minuto vivenciado pela humanidade simbolizava a sua vitória perante o meio magmatizado e camuflado de perigos. Na batalha pela sobrevivência, o homem separou e diferenciou tudo aquilo que fosse importante à sua própria vida em meio aos complexos traços do mundo. Em busca de um auxílio, o ser humano encontrou na esfera religiosa apoio ao que lhe desorientava e afligia. Cada impressão e desejo, cada perigo que o ameaçava, era outorgado um valor sacro. Tudo era vivido num plano duplo em que se desenrolava a existência humana e, ao mesmo tempo, a vida trans-humana, que é a do Cosmo, a dos Deuses.

No caso de doenças, o homem buscava proteção com amuletos, orações e consultas a feiticeiros. Esse misto de crendices e superstições foram transmitidos de geração a geração. Hoje, em plena sociedade contemporânea, caracterizada pelos grandes avanços, convivemos com alguns desses aspectos.

No Nordeste brasileiro, sobretudo, no Ceará, são bastante comuns. Em meio à placidez luminosa do sertão, adornada pela fúria da Caatinga, há mulheres portadoras da chamada sabedoria popular, cujos reflexos se fazem presentes nas rugas dos rostos e na calma fulgente. Elas entoam rezas ancestrais que, para os sertanejos, curaram os malefícios físicos e espirituais.

Conhecida pela designação de “Rezadeiras”, elas realizam seu ritual a todo o momento e para quem precisar, inclusive, para pessoas de alto poder aquisitivo. Como que munidas de uma força numinosa, promovem ato de solenidade de mais alto valor, no qual, numa simbiose, a natureza terrestre se associa à celestial. Logo, perpassam em preces o alento necessário que sanará o doente. Com galho de peão-roxo ou de vassourinha, expurgam as enfermidades do corpo humano.

Segundo o escritor Eduardo Campos, a procura dessa prática pelos sertanejos e pessoas de classe baixa de Fortaleza acontece, em geral, pela negligência e a falta de recursos da saúde pública. Diante da dor e das dificuldades para receber tratamento, só resta recorrer à ajuda divina. Apesar da problemática em questão, as orações e as “meizinhas” das rezadeiras obtêm resultados satisfatórios junto aos seus seguidores. O trabalho delas é tão importante que até os profissionais mais letrados reconhecem seu ofício, utilizando-o nos postos de saúde. O poder de cura delas vai além do que é tido como racional. Simples frases proferidas com fé e esperança, atenuam os sofrimentos, aliviam as almas e reconstroem os ânimos.

Fonte: Jornal Diário do Nordeste - Caderno Regional.

sábado, 15 de agosto de 2009

Há 150 anos, cientistas da época do Império viajaram ao Ceará com o objetivo de conhecer os sertões do Brasil

Matéria especial do Caderno Regional do Jornal Diário do Nordeste deste domingo, 16 de agosto de 2009, traz um belo relato sobre a Expedição Imperial constituída há 150 anos para conhecer os Sertões do Ceará. Grande parte das informações é fruto do trabalho de pesquisadores do Departamento de História da UFC. Vale a pena a leitura!
Abraço e boa semana a todos!
Suely


150 ANOS DE EXPEDIÇÃO - Comissão Científica do Império descobriu os sertões

KAROLINE VIANA
REPÓRTER








Fortaleza - "Vieram os senhores a este nosso Brasil". No registro do diário do botânico Francisco Freire Alemão, assim fala um homem da então Vila de Aracati sobre um dos projetos mais ambiciosos do Brasil Imperial. Há 150 anos, os principais representantes da elite intelectual brasileira empreenderam viagem exploratória de dois anos e cinco meses à província do Ceará. Era a Comissão Científica de Exploração, designada oficialmente como Imperial Comissão Científica e Comissão Exploradora das Províncias do Norte.

Com metas grandiosas e produtora de ampla pesquisa em diversas áreas sobre o Estado do Ceará, uma série de constrangimentos de ordem política, cultural e de financiamento fez com que o projeto não tivesse a continuidade e a abrangência esperadas. Apesar disso, a viagem pelos rincões cearenses é relevante para entender a história do pensamento social vigente, além de aspectos naturais e humanos do Ceará naquele período.

Viagens exploratórias

A realização de expedições e o interesse em colher informações sobre recursos naturais e populações indígenas permeiam a ocupação do "novo mundo". No Brasil, a chegada da Família Real portuguesa abriu caminho para a realização de expedições estrangeiras, apoiadas pelo Estado.

"Com a vinda de D. João VI e da Corte Portuguesa para o Brasil, em 1808, houve a liberação do acesso de naturalistas ao amplo e desconhecido território brasileiro, após séculos de repressão e segredo das autoridades coloniais, desejosas de resguardar os seus recursos naturais da cobiça dos países mais desenvolvidos", aponta o pesquisador cearense Melquíades Pinto Paiva, autor do livro "Os Naturalistas e o Ceará".

A primazia da razão e a possibilidade do conhecimento do outro, defendidas pelo Iluminismo, animavam a formação de instituições de cultivo das ciências, da cultura e das artes nos principais centros europeus, tendência seguida pelo Brasil para se inserir na comunidade internacional.

Em 1856, foi a partir do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), então a principal instituição científica do Brasil, que surgiu a ideia de enviar às províncias do Norte a primeira expedição formada apenas por brasileiros. Defendia-se que muitas das impressões dos estrangeiros eram baseadas em visões pré-concebidas de uma "terra exótica". Procurava-se, assim, sair da posição de fornecedor de exemplares a serem pesquisados para a de produtor de conhecimento. "Com a criação da Comissão Científica, o governo imperial tentou alcançar os seguintes objetivos: provar a capacidade de organizar e manter em ação uma expedição científica constituída somente por naturalistas brasileiros; mostrar ao mundo, dito civilizado, o apreço institucional e oficial pelo desenvolvimento das ciências; direcionar esforços no sentido de melhor conhecer regiões do Brasil de pouco interesse dos naturalistas estrangeiros que nos visitavam e conduziam suas expedições; melhor conhecer a natureza e os recursos das províncias do Nordeste do Brasil, a começar pelo Ceará", comenta Melquíades Pinto Paiva.

Patrocinada pelo imperador Dom Pedro II, a Comissão tinha uma meta ambiciosa: ao colher informações sobre fauna, flora, minerais, geografia, além dos usos e costumes, a ideia da Comissão era promover a integração regional do País e a promoção de uma identidade nacional, além de buscar potenciais recursos naturais que pudessem ser explorados, como metais preciosos.

A Comissão Científica era dividida em cinco seções, cada uma chefiada por um associado do IHGB: seção Botânica, comandada pelo botânico Francisco Freire Alemão (presidente da Comissão); seção Geológica e Mineralógica, com o físico Guilherme Schüch de Capanema; seção Zoológica, com o naturalista Manoel Ferreira Lagos; seção Astronômica e Geográfica, chefiada pelo matemático Giacomo Raja Gabaglia; e a seção Etnográfica e de Narrativa de Viagem, a cargo do romancista e historiador Antônio Gonçalves Dias. Acompanhava a viagem o tenente da Marinha, José dos Reis Carvalho. Discípulo do pintor francês Jean Baptiste Debret, era o desenhista oficial da expedição, tendo produzido desenhos e aquarelas (fotos) da natureza e da arquitetura da província.

Somente os preparativos para a expedição duraram três anos. Gonçalves Dias e Raja Gabaglia viajaram à Europa para adquirir equipamentos para a viagem, como material de acampamento, medicamentos, equipamentos de precisão, microscópios e até câmeras fotográficas. A Comissão foi a primeira no Brasil a fazer registros fotográficos, mas que se perderam no naufrágio do Iate Palpite. Foi adquirida uma biblioteca de cerca de mil volumes inéditos no País para servir de pesquisa aos "científicos", como eram chamados os membros da Comissão imperial.

Percalços e críticas

A iniciativa, no entanto, ficou limitada ao Ceará. A passagem da Comissão Científica pela província foi marcada por tensões e conflitos. A imprensa da época apelidou o empreendimento de nomes como "Comissão das Borboletas" ou "Comissão Defloradora".

Incidentes envolvendo ajudantes da Comissão, problemas ligados às especificidades da região e até a tentativa frustrada de aclimatação de 14 camelos para realizar a travessia eram muito noticiados. As mudanças políticas nos gabinetes imperiais e a Guerra do Paraguai, na qual o Brasil se envolveu militarmente, implicaram na diminuição dos orçamentos e da atenção dispensada à Comissão Científica.

A viagem gerou uma vasta documentação, como relatórios, diário de viagem, apontamentos sobre a seca, estudos botânicos e vários outros temas, além de objetos coletados no local. O legado concentra-se em instituições do Rio de Janeiro, como o IHGB e o Museu Histórico Nacional (MHN). No Ceará, algumas das aquarelas de Reis Carvalho podem ser vistas no Museu do Crato. O Museu do Ceará lançou, recentemente, documentação inédita sobre a expedição, com escritos de alguns dos membros da Comissão Científica.

Mais informações
Departamento de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) - (85) 3366.7741

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=661797
PESQUISADORES NO SERTÃO - A Comissão e a seca no Ceará
Diferente dos relatos sobre a seca, os membros da Comissão encontraram no Ceará um outro cenário
KÊNIA SOUSA RIOS*
ESPECIAL PARA REGIONAL

A paisagem seca do Nordeste despertou os pesquisadores do Império para um outro tipo de ouro (Foto: Cid Barbosa)

"Nas instruções para a Comissão, a questão da seca aparecia como coadjuvante". Kênia Sousa Rios, historiadora


A chegada da Comissão Científica de 1859 aconteceu junto com o reverso da estação climática. Está registrado em seus relatórios de 1862 que "uma seca de mais de cinco meses trazia em sustos os habitantes da Província, pois que o inverno do ano anterior tinha sido escasso, e as fracas chuvas do mês de agosto haviam sido insuficientes para a criação de forragens. pôde assistir ao magnífico espetáculo da transformação dos campos e do aspecto da natureza da Província, quando depois de aturada a seca sobrevêm as primeiras águas. Ao terreno solto, desolado e no parecer infrutífero, dos arredores da Fortaleza, sucedeu em poucos dias, e como por encanto, uma vegetação virente e luxuriante". Mais do que as marcas de uma catástrofe climatérica, os membros da Comissão Científica de 1859 testemunharam a abundância de uma terra fértil e mal administrada.

Tudo indica que um dos principais motivos da vinda da Comissão Científica ao Ceará era a possibilidade de encontrar metais preciosos nas terras de cá. Desse modo, adverte Renato Braga, os trabalhos da sessão presidida pelo Dr. Capanema, ou seja, a sessão geológica e mineralógica, gestavam as maiores expectativas, pois circulava a notícia de que nas terras cearenses "o povo crê descobrir vestígios de minas em cada montanha, vê ouro em qualquer montão de tauá amarelo, ouve roncos nas serras em certas estações do ano e logo após observa os cimos que se inflamam derramando ao longe um cheiro bem caracterizado de enxofre". O cheiro de enxofre significava, para os cientistas, a possível existência de metais preciosos. Restava, aos enviados do Império, descobrir a veracidade do tema em questão.

A vinda da Comissão Científica decretava a definitiva integração da província do Ceará ao projeto de constituição da nação brasileira. Afinal, o Ceará, entre outras províncias do Norte, fazia parte do Império desconhecido e, por isso mesmo, arriscamos em dizer, mais temido. A partir de então, o acervo do Museu Nacional abrigaria em suas estufas, estantes, livros e caixotes, os elementos naturais e culturais daquela distante província. Ocuparíamos os mais diferentes verbetes daquela enciclopédica instituição.

As secas no Ceará começavam lentamente a ganhar fôlego nas importantes rodas da capital do Império. A província cearense era assunto considerado e a seca ganharia relevo como problema nacional. Em seu estudo sobre o clima e as secas do Ceará, Thomaz Pompeu de Sousa Brasil ressalta com ares de novidade que, naquela estiagem de 1825, "a mortandade de povo nos centros e nos povoados, mesmo na capital, foi horrível. Todavia nos maiores povoados as vítimas de fome foram raras, porque a alimentação veio de fora da província".

Mas é a partir de 1877 que o tema da seca passa a ser o principal elo de ligação entre a província do Ceará e o governo central. Raja Gabaglia, presidente da seção geológica, somente publicou seu relatório sobre a seca em 1877, ano da famosa intempérie do último quarto do século XIX, quando a seca passa a ser um importante tema para a formação de uma consciência nacional e o problema de uma província se tornava, assim, uma questão de todos os brasileiros. O que aparece sob a forma de ajuda de algumas províncias durante a seca de 1825 se desdobra em discursos e práticas afirmativas da formação de uma consciência nacional durante a seca de 1877.

Na órbita dessa responsabilidade compartilhada entre brasileiros, nos anos de 1877-79 alguns membros da Comissão Científica de 1859 se sentiram impelidos a reordenar algumas de suas principais observações sobre a seca e as possibilidades de "prosperidade" do território cearense. Naquele período, todos os que podiam colaborar com a nação deveriam fazê-lo.

Em 1859, dentre as muitas instruções definidas para cada seção, a seca aparecia como elemento coadjuvante e somente em seu artigo IX é que a sessão geológica e mineralógica cita algum empenho dos responsáveis para resolver os problemas da seca, sugerindo medidas de combate e prevenção às estiagens. Bem anterior, ou melhor, em seus artigos II e III, a referida seção define orientações que se referem à procura de fontes de minério e metal, o que era certamente mais importante.

Em 1877, o debate sobre a seca colocava a província do Norte como a principal pauta do momento. Fora do país as pesquisas também se avolumavam. Importantes nomes da ciência nacional e internacional publicavam textos avulsos, opúsculos, artigos e também relatórios sobre o tema.

O tão falado ouro da Comissão de 1859 havia sido "esquecido". Até aqui, os interessados já começavam a entender que o tesouro do Ceará era outro e a seca, um dos principais mapas da mina. Entre açudes, poços, reservatórios e transposição de águas, a política nacional e a cearense iam aliando miséria e progresso também.

Alguns membros da Comissão Científica de 1859-61 já observavam em seus relatórios a conclusão do que era realmente precioso para os cearenses. Numa perspectiva em certo sentido diferente dos políticos, a população mais pobre deixava claro que a água era a coisa mais cara por estas bandas. É o próprio Capanema que observa o potencial fértil destas terras que fazem brotar sem grande esforço; falta-lhes somente a água, que, quando chega, "constitui a felicidade da Província".

* Kênia Sousa Rios é doutora em História Social pela PUC-SP e professora do Departamento de História da UFC. Publicou "Campos de Concentração no Ceará: isolamento e poder na seca de 1932", na coleção Outras Histórias (Museu do Ceará).


DESAFIOS DA EXPEDIÇÃO - Tensões do saber acadêmico e popular duração

No Livro "Luzia Homem", o escritor cearense Domingos Olímpio faz uma jocosa referência da passagem da Comissão Científica por um sítio em Ubajara. Ao divisar a noite clara e sem nuvens, os doutores decidem dormir do lado de fora da casa. Mas o dono do sítio adverte que dali a pouco vai cair chuva.

Diante da análise do céu com sofisticados aparelhos, eles constatam não haver evidência de chuva. Assim, os "científicos" ignoram o aviso e armam as redes na varanda. Horas depois, são pegos por uma tempestade que os força a entrar na casa. No dia seguinte, o dono da casa justifica a previsão explicando que, antes de chover, o burro que mantém amarrado na cerca do sítio relincha de determinada maneira, avisando que virá água do céu.

O relato evidencia alguns dos impactos que os membros da Comissão Científica podem ter passado durante a expedição, principalmente no confronto entre um conhecimento empírico das gentes do sertão com o saber acadêmico com que os doutores se armavam para avaliar uma terra para eles estranha. Também se pode pensar no caminho oposto, do espanto e desconfiança diante de homens vistos como estrangeiros.

Olhar para o "outro"

De maneira geral, a questão do estranhamento mútuo perpassava as relações entre observador e observado. Vindos da Corte e acostumados a determinados confortos da vida moderna, os científicos tiveram grandes dificuldades de deslocamento por conta da falta de estradas, numa época anterior às linhas de trem. Muitas vezes, tiveram que atravessar rios e abrir caminho em regiões de mata com o auxílio de facões.

Também há registro de problemas de saúde provocados pela alimentação e pela qualidade da água. O chefe da Comissão detalha em seu diário as diarréias e passamentos por conta da falta de costume com os gêneros alimentícios locais.

Havia ainda o espanto dos cientistas provocado por determinados hábitos, desde a reclusão das mulheres, as disputas políticas e familiares até episódios de violência com escravos. "A mãe da mocinha de quem há pouco falamos era outra fera, essa queimava as escravas metendo-lhes tições acesos pelo rosto e pelo corpo; isto tem já provado cenas desagradáveis, mas não há emenda", relata Freire Alemão em Aracati.

Mas não faltava passagens em que o chefe da Comissão demonstrasse admiração por saberes tradicionais do sertão. "Outra coisa também notável é o reconhecimento do gado, dos animais e mesmo da gente pelo rasto: conhecem pela forma do cano, pelo andar, se está livre, se está peado, se o animal está cansado etc., etc.".

Já os locais questionavam o dispêndio de tantos recursos para dar a conhecer o que aqui eram materiais comuns à região, e com que zelo os sábios recolhiam pedrinhas e matinhos da região. Havia também o temor de que a Comissão estivesse em busca de uma riqueza potencial, o que poderia levar a uma exploração de recursos por parte do Império ou de estrangeiros. "Numa delas [das casas] uma mulher com duas filhas e uma nora se mostraram medrosas dos nossos trabalhos: andamos, diziam elas, medindo o Brasil (Ceará) e procurando as suas minas para o entregar aos ingleses, que vêm escravizar a todo o povo do Ceará".

Apesar da acolhida e da hospitalidade recebidas nas paragens onde passava, a postura dos habitantes da província era de estranheza em relação àqueles homens, vistos como estrangeiros por sua fala culta, modos diferentes e pela parafernália científica que traziam consigo.

Nacionalidade peculiar

A desconfiança era reforçada pela pouca atenção que o poder público dedicava a uma região considerada pobre e atrasada. Sem falar na reação violenta do governo central aos movimentos insurrecionais ocorridos na província durante a primeira metade do século XIX, levando a que os provincianos do Ceará tivessem uma concepção curiosa a respeito da nacionalidade, observada por Freire Alemão em seu diário de viagem.

"É notável como o povo do Ceará entende a sua nacionalidade: para eles o Brasil é o Ceará, os mais provincianos são estrangeiros. (...) O sonho dourado desta gente é a sua independência, é o Ceará formando um Estado. Eles fazem uma idéia tão exagerada de sua província, que no seu entender é em tudo superior a todas as outras; e o seu estribilho é sempre ´Dêem-nos chuvas, dois meses só, todos os anos, que o Ceará não precisa de nada e pode fartar a todo o Império´".

Conforme os registros no diário, os papéis de investigação eram invertidos. A passagem daqueles homens com fala, modos, postura, roupas tão diferentes causava uma onda de curiosidade em muitos lugares. "Tivemos todo este dia a casa cheia de gente, homens e meninos, todos aí entraram muito sem cerimônia, com o chapéu na cabeça, e nos iam logo fazendo questões, mirando e pegando em tudo, a maior parte com a camisa solta sobre as ceroulas, ou calças. Jantamos rodeados deles, pois nem se afastaram, pareciam curiosos até de nos ver comer, até para mudar de roupa, para os não desagradar nos despíamos e vestíamos à vista deles, que achavam a coisa muito natural". (KV)

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Entrevista
Entre os êxitos e os limites da exploração imperial no Ceará
Responsável pela edição dos diários de Freire Alemão, o historiador Antonio Luiz Macêdo e Silva Filho fala sobre os percalços da Comissão Científica no Ceará e as relações entre saber e poder, que levaram ao fecho melancólico da expedição
Para historiador, o estranhamento permeia as relações entre os cientistas e a população local (Foto: Kid Júnior)
"Na cabeça das pessoas, não havia sentido deslocar homens de tão longe se não fosse para surrupiar algo"discursiva sobre o Ceará"

"A Comissão fornece elementos de reflexão porque permite estabelecer uma matriz discursiva sobre o Ceará"


Por que a Comissão Científica se limitou ao Ceará, se era um projeto estratégico para o governo imperial?

Não sei responder com precisão, mas me parece que a Comissão pode servir de paradigma para pensar as relações oblíquas entre saber e poder. A ciência, a despeito de ter um papel plenipotenciário em termos de saber racional, ainda estava muito atrelada aos reveses do jogo político. Isso poderia ajudar a intuir o fecho melancólico da Comissão. No fim das contas, a própria percepção do que seria o papel estratégico dessa Comissão Científica acabou sofrendo uma série de deslocamentos e perdeu o espaço de legitimidade, o que tinha a ver com a mudança nos gabinetes imperiais. Muito do que se de discutia como fundamental em termos de uma iniciativa como esta, inclusive para pensar uma espécie de novo lugar para o Brasil no concerto da comunidade científica internacional, foi minado não só pelas divergências partidárias da oposição, mas também pela passagem atribulada que a Comissão Científica teve no Ceará, que tem a ver também com o quadro político local.

Uma das propostas era que a Comissão fosse formada só por brasileiros, porque os "de fora" eram orientados por idéias preconcebidas sobre o Brasil. Mas até que ponto esses exploradores também não traziam esse pensamento?

Antonio Macêdo: O que me parece é que essa vocação de legitimidade é um argumento muito abstrato quando em confronto com a realidade concreta. Para aqueles que nascem num determinado quinhão de terra e têm uma possibilidade de circulação territorial muito restrita, todos os que vêm de fora não são apenas forasteiros, são estrangeiros. Então há uma espécie de choque entre as concepções do que significa o Brasil. Para esses pesquisadores ilustrados, o Brasil está associado a um Estado centralizado e a uma nação que tenta se afirmar no plano internacional, que busca construir um discurso científico próprio.

E qual era a percepção para quem vivia aqui?

Para os do lugar, os cearenses, esses cientistas são os estrangeiros, porque eles vêm com um aparato absolutamente esquisito; falam um português, para os de cá, arrevesado, porque é muito específico e tem a ver com a linguagem científica e técnica. E para aqueles que moram nos rincões mais afastados da província, não há dúvida de que ser brasileiro significava, entre outras coisas, ser do Ceará. Havia essa coincidência estrita: o Brasil se confunde com o Ceará. Daí porque, eles, por não serem cearenses, eram considerados estrangeiros. Não só pela questão da nacionalidade, mas também no sentido de um estranhamento mais radical, no sentido de virem com o propósito de recolher minérios, espécies vegetais, animais que, por serem comuns na região, não tinham importância ou valor específico para aqueles que aqui moravam. Há aí uma espécie de curto-circuito no que diz respeito a ser nacional, ser considerado brasileiro.

As revoltas que ocorreram na primeira metade do século XIX seriam outro fator para entender a animosidade com as iniciativas da Corte?

Antonio Macêdo: Sim, este é outro lastro de que os pesquisadores só se deram conta quando chegaram aqui. Certamente, eles tinham notícia ou algum conhecimento sobre os movimentos insurrecionais em algumas províncias do Norte, mas nada é comparado ao confronto direto com pessoas que lembravam o aspecto sangrento dessas lutas e o ar de extrema desconfiança e ressentimento. Na cabeça das pessoas, marcada pela lembrança de histórias de subjugação, de violência extrema, do exercício do poder pela força e pela brutalidade, não havia sentido deslocar homens de tão longe se não fosse para empreender algum tipo de rapina. Uma maneira de surrupiar algo que de valor ainda temos e que talvez nem saibamos que temos. E da valorização de narrativas um tanto mitológicas, pois se acredita, em cada rincão de terra, haver uma botija enterrada, um tesouro escondido ou uma jazida de minérios. Esse sentido de que esta terra vale muito costuma ser exacerbado quando parece pairar uma ameaça externa sobre a autonomia daqueles que aqui moram.

É possível perceber nos escritos da Comissão um estranhamento mútuo entre os cientistas e a população local. Como podemos pensar esta questão?

Esse estranhamento precisa ser tido na devida conta. Quando me deparo com algo que não me parece familiar, de alguma maneira isso me desperta o interesse para apreendê-lo. O estranhamento é uma condição fundamental para o conhecimento. A questão é que, ao longo dos reveses vividos pela Comissão, o estranhamento se opera de tal maneira a impossibilitar o vislumbre do outro e não consegue apreender o significado de uma prática cultural. Uma das coisas interessantes é pensar que esse estranhamento, para pessoas muito argutas como o Freire Alemão, ocorreu em mão dupla. Havia o estranhamento dos membros da Comissão em relação a uma série de hábitos, mas era um estranhamento que tendia a ser domesticado por um olhar etnográfico e por um certo senso de complacência em relação a populações tidas como mais atrasadas. Mas o que o surpreendeu foi o estranhamento daqueles que aqui residiam. Os pesquisadores que vinham para medir, pesquisar, descrever, enfim, observar os costumes locais foram muitas vezes alçados à condição de observados. Havia uma centelha de curiosidade dos que residiam nos rincões do Ceará sobre, afinal, para que esses homens se deram ao trabalho de vir aqui? A minha pergunta, para a qual eu não tenho resposta, é saber se eles conseguiram sair do pasmo puro e simples para lançar pontes interpretativas em relação ao outro. Parece-me que houve dificuldades para fazer isso, para entender a maneira como a dinâmica local funcionava, que também tinha a ver com os percalços da Comissão durante a viagem.

Na apresentação para a primeira parte do diário de Freire Alemão, você lembra que a última seca ocorreu em 1845. Como a seca aparece nas pesquisas da Comissão Científica?

Bom, aparece nos escritos meio que estabelecendo uma ponte crítica com um discurso alarmista que começou a se construir em torno da calamidade da seca no Ceará. Há uma tendência a minimizar os efeitos da seca por parte de alguns membros da Comissão. O que se percebe é um discurso que tenta desinvestir o teor da calamidade que os períodos de estiagem pareciam ter. Inclusive porque chegaram num momento em que não houve seca, vários membros dessa Comissão tendiam a minimizar o que seriam os efeitos catastróficos dela. Este foi inclusive um dos pontos que geraram maior divergência com a intelectualidade local. E aí, outra vez, entra em discussão aquilo que mencionávamos sobre o que significa uma fala de saber autorizado. É uma coisa que se percebe no Guilherme Capanema, que se preocupou muito com a questão das secas e que propôs soluções que, aos nossos olhos, poderiam parecer risíveis, mas que eram atravessadas por um espírito científico no sentido mais rigoroso da palavra, no século XIX. Por exemplo, a importação de dromedários do norte da África e aclimatá-los ao Ceará. Porque, segundo ele, o maior problema quando se deflagrava uma seca não era só a escassez de recursos hídricos, mas a dificuldade de vencer as distâncias. E na medida em que camelos e dromedários podiam passar dias sem precisar de água, dariam, pelo menos, uma certa estabilidade nos fluxos. Obviamente isso foi tomado à chacota por muita gente, argumentando que era uma solução esdrúxula.

A viagem feita pela Comissão Científica gerou uma vasta produção: diários de viagem, pesquisas, produção iconográfica. Como você avalia a pesquisa realizada posteriormente sobre os trabalhos da Comissão?

Talvez a grande dificuldade seja dar a esses estudos sobre a Comissão Científica um tom mais sistemático, isto é, pensar de maneira integrada o que foi o resultado dos estudos e pesquisas desses homens. A Comissão era formada por cinco seções, então ela abrangia um leque enorme de campos de saber. É um desafio grande para aqueles que querem construir uma reflexão consequente e mais articulada sobre o que foi o saldo dessa Comissão, os seus limites mas também o êxito de alguns dos seus empreendimentos.

Esse descompasso seria o motivador da pouca quantidade de pesquisas diante da potencialidade do legado da Comissão?

Eu acho que sim. A largueza do que foi projetado e, em certa medida, empreendido é tamanha que inibe o pesquisador específico, o intelectual de um campo de saber mais recortado. Então seria importante tentar estabelecer um espírito de colaboração entre pesquisadores de áreas diferenciadas, de tal maneira que venha a constituir um horizonte de reflexão mais rico, menos restrito ou até menos assinalado pelo limite da cognição de cada área. Eu acho que esta seria uma das maneiras de driblar a enorme dificuldade que se apresenta e tentar romper com esse silêncio estranho que vem se propagando há muito tempo sobre o tema. Mas trabalhos como este, de pensar articuladamente as dimensões diversas dessa comissão, não só o enfrentamento do que seriam forças políticas ligadas à Corte imperial e aquelas frações de mandatários locais, o que seria um ponto, mas também pensar essa articulação entre saber e poder no decorrer do século XIX.

Por que o Ceará foi escolhido para iniciar a expedição?

Havia a possibilidade de a Comissão ir inicialmente ou a Mato Grosso ou a Goiás, utilizando o curso de rios que penetravam o interior do território brasileiro. Escolheu-se o Ceará pelo fato de que já havia uma narrativa de longa data sobre a potencialidade de recursos minerais e vegetais, então é um fator que pesa. A partir disso, é possível pensar as convergências entre o saber erudito e o saber de matriz popular. Houve uma ressonância muito razoável da idéia de que havia aqui jazidas de minerais preciosos, inclusive nas instruções para a Comissão. Um dos pontos claros desse documento é averiguar se há fontes de metais preciosos nas serras do Araripe e da Ibiapaba, como há muito tempo a tradição preconizava sobre o assunto.

Essa suspeita teria pesado na escolha do Ceará?

Eu acho que este poderia ser um dos fatores que ajudaram a estabelecer uma primazia do Ceará em relação a outras províncias. Um outro ponto é o fato de que, em termos de ocupação da Colônia, esta era uma capitania antiga. E quando o Brasil se torna independente, é um dos locais que já apresentava um povoamento razoavelmente antigo, pelo menos desde o último quarto do século XVII, mas que ainda não havia sido explorado de maneira sistemática. Um outro ponto tem a ver com a acessibilidade marítima. Não sei se algum pesquisador já defendeu isso, mas o fato de que havia uma costa muito generosa e extensa, que em pontos diversos permitia o atracamento, facilitaria o traslado não só dos membros da Comissão como dos equipamentos científicos trazidos por eles. Todos estes pontos ajudariam a perceber o primado que o Ceará pode vir a ter tido.

De que forma o legado da Comissão pode ajudar a entender o Ceará naquele período?

Antonio Macêdo: Eu acho que ela fornece elementos de reflexão para a história social e cultural porque permite estabelecer uma matriz discursiva de compreensão sobre o Ceará que é feita de fora dele, mas não pura e simplesmente por aqueles que estão confortavelmente instalados na Corte.

De que maneira?

A documentação produzida pelos membros da Comissão é relevante para entender o Ceará do século XIX porque, entre outras razões, é produzida por homens que se desinstalaram dos locais de saber. Isso me parece muito importante destacar. Eles, a exemplo do que se pensava em termos de ciência natural desde a segunda metade do século XVIII e durante o século XIX, tomaram para si este desafio: para entender uma realidade, eu preciso ir até onde ela está. Essa ambição de devassamento, de conhecimento amplo e articulado de uma realidade que me é desconhecida e que precisa justamente do confrontamento dos sentidos, da experiência e da pesquisa "in loco", isso me parece um dos pontos que permitem entender a importância da Comissão para as investigações sobre história do Ceará, do Império brasileiro e da construção do campo científico naquele período. De um ponto de vista mais ampliado, os escritos da Comissão Científica ajudam, portanto, a perceber o entrelaçamento entre gêneros discursivos que hoje a gente, de alguma maneira, colocou em quadrantes mais ou menos estanques e autonomizados. Perceber isso de maneira articulada talvez nos ajude a apreender a riqueza do trabalho da Comissão Científica de Exploração.

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COMISSÃO CIENTÍFICA - Pesquisas trazem nova abordagem sobre a expedição

Legado da Comissão permite produzir diversos estudos, como o do historiador Paulo César dos Santos, na UFC

Fortaleza - Após 150 anos da vinda da Comissão Científica para o Ceará, ainda são poucas as pesquisas sobre o tema. A perda de parte dos registros feitos durante os deslocamentos pela província, a publicação restrita do que restou e a concentração do legado em instituições do Rio de Janeiro, onde ficava a sede do Império, são alguns dos fatores que dificultam a realização de trabalhos que aprofundem o papel da Comissão Científica.

Foi a partir da publicação de parte dos diários de viagem de Francisco Freire Alemão que o historiador Paulo César dos Santos decidiu fazer a dissertação de mestrado "Inventariando a Nação: o botânico Freire Alemão e a Comissão Científica de 1859 no Ceará", que está em fase de pesquisa no Mestrado em História da Universidade Federal do Ceará (UFC).

"Durante a graduação, fui bolsista do Museu do Ceará e integrei a equipe que fez a transcrição do diário. E de tanto ler, digitar, revisar esses escritos que decidi pesquisar a Comissão Científica e o botânico Freire Alemão, a partir de duas questões: a escolha do Ceará para iniciar os trabalhos da Comissão e a questão das lendas sobre ouro e outros minerais preciosos na província", conta.

O historiador lembra que o Brasil vivia um momento heterogêneo no século XIX, pois era a única monarquia da América e via tanto os países vizinhos quanto as próprias províncias, em especial as do Norte, travando insurreições de cunho republicano. Por conta disso, a Comissão tinha um papel relevante de promover a integração nacional a partir do conhecimento das áreas mais distantes.

"Durante a pesquisa para o projeto, eu me questionava a escolha do Ceará, se havia a opção de ir para a região de fronteira ou até para outras províncias. Quando a Comissão foi criada, não se sabia para onde eles iriam. Mas um dos fatores para definir o Ceará não foi a seca, e sim as lendas sobre existência de ouro aqui".

Mito do ouro

Apesar de não ser possível precisar a origem desse imaginário sobre o "El Dorado" cearense, Paulo César dos Santos disse que os mitos populares sobre a existência de metais preciosos começam a aparecer após a invasão holandesa, no século XVII. Algumas histórias da época chegam a dizer que, ao arrancar o capim da terra, pepitas de ouro vinham enroscadas nas raízes. Outras dão conta de pessoas que jogavam azougue, um material magnético, dentro das cavernas, para que estas arrancassem o ouro das paredes.

"Há um documento do século XVIII, chamado Mapa do Novo Descoberto, em que o autor, padre Francisco Teles de Lima, coletou diversas lendas sobre o ouro na região. E os cientistas que fizeram parte da Comissão tiveram acesso a esse documento, que está no IHGB. Então foi um documento muito importante para trazer a Comissão para cá", analisa.

Outra evidência apontada pelo historiador é que nas seções de trabalho, produzidas após a expedição, o tema seca aparece em apenas em dois tópicos, um na Seção Geográfica e outro na Seção Geológica. Já a questão do ouro permeia todos os trabalhos dos pesquisadores da Comissão. Além disso, havia no Museu Nacional uma coleção de minerais encontrados no Ceará, com amostras de salitre, ouro e prata, que reforçavam a possibilidade das lendas serem reais. "Só não se sabia em que quantidade", pondera.

O mito sobre a riqueza enterrada no chão também reforça a desconfiança dos habitantes locais em relação aos intentos da Comissão Científica, mas ao mesmo tempo faz com que o imaginário sobre a existência de riqueza mineral seja reforçada. Para o pesquisador, na medida em que esses e outros cientistas são deslocados com base nos relatos e lendas criados aqui, a presença desses pesquisadores dá para os que aqui vivem a certeza de que realmente há riqueza, reforçando esse mito do ouro, seja enterrado nas igrejas dos jesuítas ou como um recurso natural local.

"Os próprios intelectuais locais ajudavam a reforçar essa crença, mesmo sabendo que não existia. Tristão de Alencar Araripe, quando escreve a ´História da Província do Ceará´ em 1867, diz que o solo do Ceará é rico em prata e ouro. O senador Thomaz Pompeu de Sousa Brasil , no livro ´Dicionário Topográfico do Ceará´, de 1861, fala a mesma coisa no verbete sobre minerais. Acredito que era uma estratégia para tentar atrair a atenção do governo central para o Ceará", opina.

O historiador lembra uma carta em que Gonçalves Dias reclama para Capanema tanto das pressões internas quanto externas para que a Comissão Científica encontrasse os metais preciosos. E quando não descobriram o ouro, começaram as críticas de que os pesquisadores apenas coletavam coisas de pouca importância.

Outro tema trabalhado na dissertação é a relação desenvolvida entre os intelectuais locais e os chefes da Comissão, numa contribuição de mão dupla. "João Brígido, Pedro Théberge, Senador Pompeu forneceram livros, jornais da época, mapas, estudos, foram altamente participantes. O livro ´Lendas e Canções Populares´, do Juvenal Galeno, foi escrito por sugestão dos Gonçalves Dias", diz.

Um dos principais desafios para pesquisar um tema como a Comissão Científica, que reúne conhecimentos e questões das mais variadas áreas do saber, é tratá-lo a partir de disciplinas científicas que, hoje, são bem delimitadas. No caso do trabalho de Paulo César, a opção foi não tentar dar conta de todos esses conhecimentos, e sim pensar a historicidade deles.

"Eu tento trabalhar a importância dessas ciências no século XIX, o papel exercido por cada disciplina. Apenas na Botânica é que estou me aprofundando mais por conta do Freire Alemão, para tentar entender as matrizes do pensamento, quais as referências e como isso aparece nos escritos que ele produziu para a Comissão Científica".

Para ele, é preciso considerar que a passagem dos pesquisadores pelo Ceará foi de grande importância para criar uma ciência nacional, apesar de ter caído no esquecimento com a repercussão negativa dos trabalhos dos pesquisadores e a atenção voltada para o esforço de guerra no Paraguai.

"Em termos de pesquisas, hoje, ainda há muito a fazer. Mas é um tema muito rico, qualquer trabalho que traga a Comissão para o debate é importante, inclusive com novas abordagens", afirma Paulo César. (KV)

REIS CARVALHO
O Ceará por meio das imagens

Fortaleza Além dos estudos produzidos pelos chefes de seções, outra documentação importante para entender a Comissão e sua passagem pelo Ceará são os desenhos e pinturas produzidos pelo pintor José dos Reis Carvalho. Ele viajou com a Comissão produzindo imagens de habitações, moinhos, paisagens e gentes do sertão.

"O que se identifica no século XIX é que, à medida que a Europa e, no caso do Brasil, a Corte vai conhecer novos mundos, há duas documentações importantes: os relatos dos viajantes e o registro visual com as pinturas. Para além da questão etnográfica, o registro por texto e imagem tem um certo sentido de domínio das nações civilizadas sobre as colonizadas", explica Meize Regina de Lucena Lucas, professora do Departamento de História da UFC.

Segundo ela, o olhar dos pintores históricos do período, treinado a partir de modelos europeus, sofrem um impacto significativo ao se deparar com a realidade brasileira. "É preciso pensar que esses artistas estão pintando uma cultura distinta de sua formação. Já havia as grandes metrópoles européias, era um momento de revoluções políticas, de conquista de direitos civis. Como reproduzir isso num país monárquico, escravocrata e eminentemente rural? Isso força, se não a geração de novos modelos, a alteração do modelo original. Para se analisar esse tipo de imagem, não se pode pensar apenas aspectos meramente artísticos, mas também a dimensão econômica, política e social que permite a existência dessas obras. (KV)

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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Os paladinos da economia verde

Foto: Leticia Freire


12/08/2009 - 15:38:37

Estudiosos e formadores de opinião descobrem o efeito estufa e a destruição dos recursos naturais como a fronteira para salvar o capitalismo dos excessos do mercado. E propõem uma intervenção estatal e uma mudança radical nos estilos de vida. Mas há também quem invoque a justiça ambiental para anular as desigualdades sociais. Uma forma de leitura sobre a “nova ecologia” diante da crise econômica.

A reportagem é de Mauro Trotta, publicada no jornal Il Manifesto, 08/08. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Aquecimento climático, poluição marinha e do ar, deposição de resíduos. Os problemas ligados à ecologia não só se tornaram lugares comuns, mas também influenciam sempre mais na vida de todos. Assim, entre ritmos sazonais que parecem nos enlouquecer, mudanças do território, limitações do tráfego nas cidades, praias não mais frequentáveis, lixo acumulado nas esquinas das ruas, com incômodos ainda mais graves para quem vive próximo de aterros sanitários ou incineradores, os hábitos cotidianos se modificam, para não falar dos danos à saúde que tudo isso comporta e da sensação de fim de mundo sempre mais difundida.

Em tempos de crise econômica, quando o capitalismo neoliberal parece estar com a corda no pescoço, de repente todos se descobrem atentos aos problemas ambientais, e em muitas partes se defende que uma crise global como a atual pode, na realidade, representar uma oportunidade: trata-se só de conjugar a economia com a ecologia. Desse modo, se poderá sair da crise e salvar o atual estilo de vida, tornando-o só um pouco mais ecológico. Caminho aberto então para expressões como “desenvolvimento sustentável”, “revolução verde”, “nova ecologia política”.

Os ditadores do petróleo

Há também quem, justamente partindo da análise da situação ambiental e econômica, se incline para mudanças profundas que modifiquem desde a raiz o atual sistema sócio-econômico. Enfim, parece quase que, no âmbito da análise da situação do ponto de vista econômico e ecológico, duas tendências analíticas e políticas vão tomando impulso e que relembram a clássica distinção entre reformistas e revolucionários, em que os primeiros tendem a manter com algumas correções a estrutura capitalista atualmente em auge, enquanto que os segundos propõem uma saída do neoliberalismo em nome de um outro tipo de sociedade.

Um livro como “Quente, plano e cheio” (Editora Actual, 2008), de Thomas L. Friedman, pertence sem dúvida ao campo reformista. Editorialista do New York Times, vencedor três vezes do Prêmio Pulitzer, Friedman oferece uma descrição clara, de recorte jornalístico, da situação e receitas suas para sair dela.

Parte-se de uma constatação: vivemos em um mundo em que o superaquecimento climático é uma realidade, em que em todo o lugar se afirmou o mesmo estilo de vida em detrimento das diversidades culturais e ambientais, em que o crescimento demográfico parece incontrolável. Continua-se focando sobre os cinco problemas chaves com os quais se deve lutar, ou seja, a demanda crescente de oferta de energia e recursos naturais sempre mais escassos, a transferência de riquezas aos países produtores de petróleo e aos seus “petroditadores”, a penúria energética que opõe quem tem energia em abundância e quem tem pouco, as mudanças climáticas, a perda de biodiversidade.

Trata-se, então, de enfrentar essas problemáticas adotando o que Friedman chama de “código verde”, ou seja, de um lado utilizar essas tecnologias de modo maciço, desenvolvendo-as posteriormente, como a eólica e a solar, que garantam energia limpa, e, de outro, pressionar uma intervenção governamental decisiva que, empregando tanto o incentivo (leva) fiscal, com deduções e incentivos, tanto legislativo, elevando os limites em matéria de emissões de poluição, funcione como estímulo poderoso para aquela que deveria aparecer como uma “revolução verde”.

A moral da frugalidade

Certamente, trata-se de enfrentar a decisiva oposição de grupos poderosos, como o lobby do petróleo, e de adotar procedimentos fortemente impopulares, pelo menos em curto prazo, mas intervenções do gênero não podem ser adiadas. O problema é que não se entende plenamente como uma mudança dessas é possível sem modificações radicais de todo o sistema sócio-econômico.

Parece, enfim, que as instâncias propostas pelo autor se baseiam mais na necessidade moral do que na análise realista das relações concretas no interior do sistema sócio-econômico. Assim, o fato de que tudo deve ocorrer dentro de uma ótica de conservação do capitalismo fica claríssima também pela famosa frase citada por Friedman do Gattopardo [romance histórico do escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa]: “Se queremos que tudo permaneça como é, é preciso que tudo mude”.

A moral também está no centro do texto de Jean-Paul Fitoussi e Éloi Laurent, intitulado “La nuova ecologia politica. Economia e sviluppo umano” (Editora Feltrinelli, 124 p.). Desde o começo, os autores afirmam que “a questão ética se encontra no centro dos problemas econômicos”. Inclinam-se, porém, contra o paradigma econômico da regulação interna - segundo o qual o mercado, por meio da livre interação de livres atores, retorna sempre para um estado de equilíbrio ideal - em favor do paradigma da regulação externa: “O correto funcionamento da economia de mercado não é concebível sem a intervenção de um agente externo - o poder público -, enquanto a ordem econômica e social surge de um complexo equilíbrio entre decisões individuais e decisões coletivas”.

Além disso, partindo de uma análise de algumas das principais teorias econômicas - de Smith e Ricardo a Mill, Keynes, Georgescu-Roegen, Sen - Fitoussi e Laurent delineiam as características fundamentais de uma “economia verdadeiramente dinâmica”, um sistema aberto e não fechado, isto é, em que a escassez produzida pela inexorável lei da entropia possa ser combatida pelo atraso, ou seja, diferindo no tempo consumos e prazeres materiais, aproveitando-se do progresso técnico e dos conhecimentos acumulados nesse período de tempo.

A escolha de Latouche

Naturalmente, será preciso investir na educação e na pesquisa para desfrutar o tempo ganho e comprometer-se a fundo na defesa do meio ambiente. A noção de atraso deverá ser assim considerada como “um bem público produzido pelos governos e realizado por sistemas de incentivo adequados às escolhas de longo prazo”, e, nesse sentido, essa noção “pode existir apenas no longo tempo da democracia”. Uma democracia que, com a ajuda de John Rawls e Amartya Sen, quase coincide com a justiça social e é definida como “o regime que mira à repartição, do modo mais justo, os bens primários e à correção, dentro do possível, de desigualdades de capacidade”.

Um olhar sobre as várias posições que analisam a crise econômica e ecológica seria incompleto sem a teoria do decrescimento, proposta por Serge Latouche, que teve, por causa de seus traços de novidades, ampla ressonância e de cujo manifesto se ocupou mais vezes. Recentemente, foi publicado um livro interessante de Latouche intitulado “Mondializzazione e decrescita. L’alternativa africana” (Editora Dedalo, 2009, 124 p.) que reúne vários escritos dos últimos anos centrados no continente africano. O interesse do texto reside sobretudo no fato de desnudar, de forma clara e compreensível, as raízes, os fundamentos justamente de origem africana aos quais o autor se inspirou para construir a sua teoria do decrescimento sereno.

Surgem assim das páginas do livro a oposição entre a “racionalidade” ocidental e a “razoabilidade” africana, ou os contrastes e as diferenças que dividem a África das elites, a oficial, presa de modelos e produtos impostos pelo mercado global, e a outra África, a abandonada, dos pobres, mas capaz de resistir e de sobreviver graças à economia neoclânica, à lógica do dom, à solidariedade. E surgem, principalmente, os protagonistas concretos dessa economia vernacular, as mulheres, os artesãos, os agricultores que construíram esse estilo de vida resistente e alternativo ao neocapitalismo que, segundo os defensores do decrescimento, pode representar o único caminho para salvar o mundo. Se Latouche, pela sua tensão a uma mudança radical do sistema sócio-econômico, deve ser contado entre os “revolucionários”, um texto como “O ecologismo dos pobres” (Editora Contexto), de Joan Martìnez Alier, pertence ao mesmo campo e com veios mais marcados.

Livro materialista, segundo a própria definição do autor, “O ecologismo dos pobres” é um texto centrado no conflito: entre ecologia e economia, mas principalmente conflito entre grupos sociais, entre linguagens diversas. Assim, Alier define a noção de economia ecológica como o estudo do “choque inelutável entre expansão econômica e conservação do ambiente” e das suas formas. Do mesmo modo, a ecologia política não seria outra coisa que o campo interdisciplinar de estudos centrado na análise dos “conflitos ecológicos distributivos”.

A ética do conflito

O livro não é em nada um árido manual de teoria. Pelo contrário, parte-se da distinção entre as principais correntes ambientalistas: a da “wilderness”, voltada substancialmente a “preservar e manter o que resta dos espaços naturais íntegros que permaneceram fora do mercado”; a da ecoeficiência, que crê no “desenvolvimento sustentável”, na “modernização ecológica”, no “bom uso” dos recursos; e por fim uma terceira corrente, chamada “justiça ambiental”, ou “ecologismo popular” ou ainda “ecologismo dos pobres”. Esta última mostra não uma “reverência sacra pela natureza, mas sim um interesse material pelo ambiente como fonte e condição de sustento; não tanto uma preocupação pelos direitos das outras espécies e das generações humanas futuras, mas sim pelos humanos pobres de hoje… A sua ética nasce de uma demanda de justiça social entre seres humanos, hoje”.

Essa corrente está no centro da análise do livro que, com escrita ágil e clara, adentra no relato de vários conflitos em várias partes do mundo, compreendendo suas implicações teóricas, as estratégias utilizadas, principalmente linguísticas mas não só, as formas de luta. Enfim, parte-se da análise das lutas para poder compreender a teoria geral. Assim, por meio de histórias ligadas à proteção dos mangues contra a indústria dos caranguejos, à resistência contra as barragens, aos movimentos contra a exploração de gás e de petróleo em áreas tropicais, aos conflitos pela saúde e pela segurança no trabalho, às lutas ambientais urbanas sobre o uso do solo, sobre o acesso à água ou contra certas formas de deposição dos resíduos, e tantos outros relatos de resistência e luta, Alier atinge plenamente o objetivo que se prefigurava com o seu livro, ou seja, o de observar de perto “o crescimento de um movimento global pela justiça ambiental que pode conduzir a economia rumo à adequação ecológica e à justiça social”.

Dos movimentos sociais ao nascimento de uma esquerda global

A “green economy” é a expressão que evoca uma desejável mudança nas relações entre a produção e a proteção do ambiente. Fala-se de “economia verde” há mais de uma década, mas foram Al Gore e Barack Obama que a levaram para a frente dos refletores do grande público. O primeiro, por meio de sua atividade de produtor independente, a impôs como um tema central da agenda mundial. Um trabalho de denúncia premiado em 2007 com o Nobel da paz. O presidente dos EUA, por sua vez, indicou na “green economy” a porta de saída da crise econômica. Mas além da versão “mainstream”, a ecologia é também o eixo em torno ao qual gira a proposta de refundar a “esquerda política”, à luz dos movimentos sociais em defesa do meio ambiente, de crítica a multinacionais agroalimentares e aos faraônicos projetos de “modernização”. É esse o fio condutor do livro “The rise of the global left”, escrito pelo estudioso português Boaventura de Sousa Santos e publicado pela editora Zed Books (http://www.zedbooks.co.uk/).


(IHU on-line)
Fonte: Mercado Ético

As obras da Ferrovia Transnordestina possibilitam achados de grande valor para as pesquisas arqueológicas

COM UM DOS ACERVOS mais expressivos de Paleontologia, o Museu da Urca vai também conservar peças arqueológicas encontradas nas escavações da Transnordestina (Foto: Cid Barbosa)


ESCAVAÇÕES NA TRANSNORDESTINA - Museu de Paleontologia receberá acervo arqueológico

ELIZÂNGELA SANTOS
REPÓRTER

Juazeiro do Norte - Dezenas de sítios arqueológicos já foram identificados ao longo do trajeto que segue as obras da Transnordestina, dentro do espaço de preservação do patrimônio arqueológico. Desse material, restam peças, em sua maioria, de pedra lascada, que estão passando por análise e pesquisa em laboratório, coordenadas pela empresa Zanettini Arqueologia. A novidade é que esse material será repassado para o Museu de Paleontologia de Universidade Regional do Caruru (Urca), para salvaguarda, com acompanhamento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

Um grupo formado por pesquisador, arqueólogos e técnicos do Iphan está fazendo todo o acompanhamento, pesquisa e coleta de material, além de fiscalização ao longo da obra, de onde já foram coletadas várias amostras. Poucos materiais em cerâmica foram identificados. Semana passada, os estudiosos estiveram participando de reunião com o reitor da Universidade, professor Plácido Cidade Nuvens, para falar das pesquisas que estão sendo implementadas ao longo da Transnordestina e a viabilidade desse material continuar na região, no Museu de Paleontologia.

No momento, o museu passa por uma reforma e ampliação para abrigar parte das peças que se encontravam guardadas, sem um espaço para serem expostas. Estão sendo investidos nesse trabalho mais de R$ 640 mil, inclusive para fortalecer a segurança para salvaguarda de mais de 7 mil peças fósseis, entre as mais raras e bem conservadas do período cretáceo do mundo. O reitor da Urca afirma que esse espaço está sendo estudado, de acordo com a nova planta para que o local receba as peças. Na região, a Fundação Casa Grande já guarda um acervo considerável de peças em cerâmicas e pedra lascada e é a instituição que tem empreendido pesquisas na área da arqueologia na região. Vários sítios já foram identificados e estão sendo estudados pela doutoranda em Arqueologia e diretora da Fundação, Rosiane Limaverde. A instituição, em Nova Olinda, atua também na área de educação patrimonial.

O coordenador de Pesquisas e Licenciamento Arqueológico do Centro Nacional de Arqueologia (CNA), do Iphan, Rogério José Dias, diz que um dos principais quesitos para a Urca receber o material é por ser uma instituição pública e que dará um acesso maior às pesquisas. Além disso, o coordenador do Programa Arqueologia para Licenciamento da Ferrovia Transnordestina, Paulo Zanettini, diz que outro ponto importante é pelo reconhecimento nacional e internacional do Museu de Paleontologia da Urca.

Mas, quanto às parcerias, continuam existindo, para que sejam realizadas mais pesquisas em torno do material encontrado, além de exposições itinerantes. Isso só poderá acontecer mesmo, quando foram encaminhadas as primeiras peças, em pelo menos 1 ano e oito meses. A primeira remessa de material analisada será encaminhada para a região, após todos os processos de levantamentos arqueológicos, incluindo as datações, já em kits de expositivos.

Resgate do patrimônio

Na Ferrovia Transnordestina, serão 1.700km de extensão, numa das mais importantes obras do Governo Federal no Nordeste. Ao longo desse trajeto foi desenvolvido um programa de resgate do patrimônio. A solicitação do material para alocação por meio da Urca foi feita pelo Iphan. Dentro do museu, segundo Rogério Dias, terá uma área exclusiva direcionada ao patrimônio arqueológico.

Paulo Zanettini ressalta o grande potencial da região, em termos de visibilidade, agrupando em um só lugar, material relacionado a duas áreas de estudo, possibilitando o incentivo a formação de novos estudiosos. Ele destaca a importância da Urca e dimensão que este trabalho na área da Arqueologia poderá ter para a universidade, com o desenvolvimento de cursos voltados para a área e formação de arqueólogos na própria região do Cariri.

PATRIMÔNIO

"O Programa de Resgate do Patrimônio realiza pesquisas na região da Transnordestina"
Paulo Zanettini
Coord. do Program de Arqueologia

"O trabalho mostra o potencial da Arqueologia do Nordeste para novas pesquisas"
Camila Azevedo Morais
Doutoranda em Museologia

"O patrimônio arqueológico terá uma área expositiva dentro do Museu de Paleontologia"
Rogério José Dias
Centro de Arqueologia do Iphan

Mais informações
arqueoz@uol.com.br
http://www.zanettiniarqueologia.com.br/

(11) 4612.9943 / 9934.8234


Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 13 de agosto de 2009.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=661374

domingo, 9 de agosto de 2009

Euclides da Cunha - 100 anos de morte

Em 15 de agosto de 1909 morria Euclides da Cunha, escritor que imortalizou Antonio Conselheiro e a Guerra de Canudos em seu livro "Os Sertões". A tragédia pessoal que marcou sua vida e sua morte e as sutilezas de sua obra foram lembradas nesse domingo, 9 de agosto de 2009 pelo Caderno 3 do Jornal Diário do Nordeste. Abaixo reproduzo para todos as matérias.

Abraços e boa semana!
Suely


A LUTA - Davi contra Golias

Euclides, como correspondente de guerra, não chegou a denunciar as barbaridades cometidas contra prisioneiros, porém em "Os Sertões", o livro vingador, descreve sem véus a degola. Na foto, tirada em 2 de outubro de 1897, 400 membros do Arraial


Na gestação de sua obra maior é fundamental a permanência do engenheiro-escritor na pequena São José do Rio Pardo, no interior paulista. Lá, enquanto dirige a reconstrução de uma ponte, elabora "Os sertões", tendo como interlocutores intelectuais da cidade, entre eles Francisco Escobar e, como consultor por correspondência, o estudioso Teodoro Sampaio.

Finalmente, no final do ano de 1902 -, a 2 de dezembro-, há um século, saía, pela editora Laemmert, em parte por conta do autor, a volumosa obra "Os sertões", com subtítulo "Campanha de Canudos", introduzida por uma "Nota Preliminar" em que Euclides explicita alguns dos ambiciosos objetivos do livro, que vão muito além do objetivo inicial de rememoração dos episódios da guerra de Canudos e se propõem a esboçar, "os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil (...) destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra" e, ainda, a denunciar a campanha de Canudos como um crime contra a nacionalidade.

Dividido em três partes, o livro, em muitos aspectos, obedece aos padrões científicos do final do século XIX: uma mistura de herança positivista, com propostas deterministas de base darwiniana e spenceriana. Ao caracterizar Canudos, o escritor busca, mais que tudo, explicar o sertanejo, em especial o jagunço, que desafiou e venceu tantas vezes a República representada pelo Exército brasileiro, em desigual luta de Davi contra Golias. Ao buscar, porém essa explicação, Euclides se defronta com contradições irreconciliáveis entre seus conceitos (e preconceitos) deterministas e sua observação da realidade. Na tentativa de solução deste enigma, desenvolve-se a obra, através de antíteses e paradoxos magistrais.

Na segunda parte d`Os sertões, avulta a figura do Conselheiro que, nas palavras de Euclides, é "um bronco agnóstico", o que os testemunhos que a história recolheu e a publicação dos manuscritos do beato contradizem.

No entanto, a pintura literária do "anacoreta sombrio" é , como poderia dizer Euclides, impressionadora. Assim, "O homem" deve ser lido não como uma bíblia, porta-voz da verdade incontestável, mas como uma das belas páginas da literatura brasileira.

Na terceira parte do livro, "A luta", que narra as preliminares da guerra, as quatro expedições militares que se encaminharam para Canudos, a destruição de Belo Monte, a exumação do cadáver do Conselheiro, Euclides acentua a figura do mais notável chefe militar da guerra de Canudos, Moreira César. Ao descrevê-lo, Euclides considera suas faces antagônicas: o grande herói endeusado pela imprensa e o temível vilão, o cruel Corta-cabeças, que os versos populares divulgavam de boca em boca pelo sertão.

Se, como correspondente de guerra e adido militar à 4ª expedição, Euclides não chegou a denunciar as barbaridades cometidas contra prisioneiros e prisioneiras de guerra, em Os sertões, o livro vingador, descreve sem véus a indigna degola: "Os soldados impunham invariavelmente à vítima um viva à República, que era poucas vezes satisfeito. Era o prólogo invariável de uma cena cruel. Agarravam-na pelos cabelos, dobrando-lhe a cabeça, esgargalando-lhe o pescoço; e, francamente exposta a garganta, degolavam-na."

Para narrar os últimos momentos do arraial de Belo Monte, Euclides escreve palavras que se inscreveram perenemente na memória brasileira: "Canudos não se rendeu. Exemplo único na História, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dous homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados."

Outra face importante da obra "Os sertões" é a da sua contribuição à cultura por apresentar um caráter seminal com relação às artes e à literatura. Importa, ainda, ressaltar que Euclides, o escritor d` Os sertões, diferentemente de Euclides jornalista que dava entusiastas vivas à república, inicia sua obra anunciando que vai denunciar um crime e a finaliza, com um capítulo de duas linhas, em que cita o especialista inglês em doenças mentais e medicina legal, Henry Maudsley, para salientar a marca criminosa que caracteriza a guerra de Canudos. Diz ele: "É que ainda não existe um Maudsley para as loucuras e os crimes das nacionalidades..." (Angela Gutiérrez)

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=660263
Na terra de Conselheiro

Antônio conselheiro anárquico e sensualista de José Celso Martinez Corrêa: encenação em Quixeramobim foi recebida com misto de fascínio e repulsa, graças ao uso da nudez na livre interpretação do livro de Euclides da Cunha (Foto: Fábio Lima)

Euclides da Cunha e a Bahia. Editora: ponto e vírgula. Ano 2009.


Há dois anos, Quixeramobim foi palco da peça "Os Sertões", dirigida e encenada por José Celso Martinez, que atuou no papel de Antônio Conselheiro. A cidade recebeu o espetáculo, que teve cerca de 26 horas de encenação

Em 2007, Quixeramobim, terra natal de Antônio Conselheiro, recebeu a peça "Os Sertões", depois de muita espera. Com cinco fragmentos, o espetáculo, do ator e diretor José Celso Martinez Corrêa, contabilizou quase 26 horas de encenação, produzida por um imenso elenco de quase 100 artistas e técnicos. A estrutura montada, como poderia se esperar para a versão cênica do livro homônimo de Euclides da Cunha, foi grandiosa

Misturando rito, música, poesia, dança e vídeo, a peça do Teatro Oficina Uzyna Uzona foi resultado de sete anos de estudo da companhia paulista, e ocupou o clube recreativo da cidade, que foi reformado para receber a réplica do histórico prédio do teatro oficina. Um palco-passarela também foi construído para abrigar cerca de mil pessoas, contudo o impacto em Quixeramobim ultrapassou esses muros.

Antes do acontecimento, o cearense Thiago Arraias, que teve contato com o grupo quando ainda era estudante do curso de direção teatral da UFRJ, voltou ao Ceará e encontrou-se com membros do Movimento Antônio Conselheiro. Foi o suficiente para o início do projeto.

"Levar `Os Sertões` à cidade onde ele nasceu é valorizar o povo do Ceará. Conselheiro, um cearense como outro qualquer, foi um visionário, uma figura importantíssima para o Brasil e comentada em todo o mundo por seu espírito libertário", considerava o diretor Zé Celso, em entrevista ao Caderno 3, antes de vir para o estado com a peça.

Quixeramobim comemorou bastante essa chegada. Um dos momentos mais bonitos, aliás, aconteceu durante o cortejo, um dia antes da encenação de "A Terra", primeira das cinco partes do espetáculo.

Elenco e produção técnica invadiram as ruas da cidade e se misturaram aos moradores de Quixeramobim, que observaram curiosos Zé Celso transformado em Antônio Conselheiro, surpresa para muitos. Ao lado dos moradores da cidade, os personagens do drama de Canudos percorreram as ruas até chegar à casa do ilustre filho da cidade, localizada no Sertão Central, chamando mais pessoas a prosseguirem na caminhada.

Em cena, o que se viu foi a transformação do cearense Antônio Vicente Mendes Maciel em Conselheiro, espetáculo dividido por meio das temáticas "A Terra", "O Homem 1", "O Homem 2", "A Luta 1" e "A Luta 2".

A polêmica desses dias girou em torno da nudez dos atores, do beijo entre dois homens e outras passagens chocantes, como o oráculo vaginal ou a exploração sexual dos escravos pelos colonizadores portugueses.

Parte do público ficou constrangida, mas poucos deixaram de ver as cenas. Apesar de tudo, o público ria das situações e captava a mensagem, que mais do que qualquer tipo de preconceito, pretendia provocar nas pessoas o interesse pela história do Conselheiro, que acaba se tornando também um pouco da própria história daquela gente.

Há dois anos, Quixeramobim assistiu a essas cenas. Há 100, morreu Euclides da Cunha. Ainda hoje, essa história é resgatada por seu valor como obra literária, social e política de um momento importante na vida do país.

Cidadão consciente de seu papel social

Motivado pela história da Guerra de Canudos, o pesquisador baiano, Oleone Fontes foi levado ao universo crítico e simbólico de Euclides da Cunha. E, assim, ao longo de três anos de trabalho cotidiano, 30 anos de leitura, reflexões, participação em seminários e entrevistas com os descendentes de jagunços, estudiosos,
escritores e historiadores da época do autor de “Os Sertões”; Fontes escreveu o livro “Euclides da Cunha e a Bahia”.

“Meu interesse inicial foi pela guerra de Canudos, que surgiu, talvez, em decorrência de eu haver morado em Queimadas, quando adolescente. O local foi base de operações militares para assalto ao reduto jagunço. Foi Canudos que me levou a Euclides”, conta o pesquisador.

Segundo Fontes, o objetivo da publicação é mostrar como a vinda à Bahia foi importante para Euclides, compor sua obra-prima de 1902: “Os Sertões”. “Relaciono neste ensaio os amigos que Euclides fez na Bahia, os que o influenciaram ou ajudaram na construção de sua obra literária, poética, cientifica - a primeira obra clássica da historia da literatura brasileira”. Em “Euclides da Cunha e a Bahia” há referências sobre Rui Barbosa, que fez um protesto veemente contra os degolas ao final da guerra; Castro Alves, patrono da cadeira ocupada por Euclides na Academia Brasileira de Letras, em 1906; entre outros nomes.

“Euclides da Cunha era um homem de larga consciência social. Em um de seus artigos, chega a citar Marx e outros teóricos do comunismo. ‘Os Sertões’ está para a evolução cultural e literária do Brasil assim como ‘Os Lusíadas’ está para Portugal, ‘Dom Quixote’, de Miguel Cervantes, para a Espanha, ‘A Divina Comédia’, de
Dante Alleguiere para a Itália, ‘Guerra e Paz’, de Tolstoi,foi para a Rússia.

Lançamento
O lançamento do livro está programadopara o dia 3 de setembro, na Fundação João Fernandes da Cunha, no Campo Grande,em Salvador.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=660261


BIOGRAFIA - Livro inacabado

Euclides da Cunha: esboço biográfico de Roberto Ventura preenche lacunas na vida do autor de "Os Sertões"


O professor Roberto Ventura estava realizando uma das mais completas biografias de Euclides da Cunha. Ventura morreu em acidente de carro em 2002. Mas o esboço de sua biografia foi recuperado por amigos e publicado

Roberto Ventura levou dez anos colhendo informações sobre a vida e a obra de Euclides. Infelizmente, ele morreu em acidente de carro em agosto de 2002. Logo, seus amigos buscaram no disco rígido do computador de Ventura seu trabalho sobre Euclides. O resultado é o livro "Euclides da Cunha - Esboço Biográfico", lançado pela Companhia das Letras.

Roberto Ventura (1957-2002) foi professor de Teoria Literária Comparada da Universidade de São Paulo. Publicou vários livros, entre eles, "História e dependência: cultura e sociedade em Manoel Bonfim", "Estilo Tropical: história cultural e polêmicas literárias no Brasil", entre outros.

Ele havia escrito 189 páginas do seu projeto sobre Euclides da Cunha. Deixou os principais pontos que estavam norteando sua pesquisa passo a passo.

Mário Cesar Carvalho, um dos organizadores da obra, aponta paralelos relacionados por Ventura entre a vida de Euclides e a de Antonio Conselheiro. Paralelos espalhados em vários textos do professor. "Ambos eram órfãos, tiveram uma experiência traumática com o adultério, foram construtores (Euclides de pontes e o Conselheiro de igrejas) e tiveram suas trajetórias marcadas pela República".

Conselheiro, na visão de Roberto Ventura, seria, assim, uma projeção dos piores fantasmas de Euclides. Antônio Conselheiro era defensor do cristianismo primitivo e alfabetizado, uma raridade para os padrões do Nordeste brasileiro do século XIX. "O personagem que aparece em `Os Sertões`, como um fanático religioso desafiando a nova ordem da República, seria a projeção de Euclides ao ver os descaminhos do novo regime que apoiara como um jacobino", escreve no seu esboço biográfico.

No seu livro póstumo, Ventura trabalha em dois pilares: o do Conselheiro e o do próprio Euclides. E chega a desconstruir - para entender melhor - a imagem do Conselheiro e a do próprio Euclides.

Muitas biografias já foram lançadas sobre a vida de Euclides - "A Vida Dramática de Euclides da Cunha" (1938), de Eloy Pontes; "A Glória de Euclides da Cunha" (1940), de Francisco Venâncio Filho; "Euclides da Cunha, uma vida gloriosa" (1946), de Moisés Gicovate, "Paraíso6 Perdido: Euclides da Cunha Vida e Obra" (1997), de Adelino Brandão, entre outras. "Os Sertões" ainda foi objeto de dissertações e teses universitárias e uma infinidade de artigos acadêmicos. No entanto, a vida de Euclides é rica e muitos hiatos ainda estão sem respostas.

Hiatos que Roberto Ventura buscou preencher. Enfrentou muitas dificuldades. Seguiu várias pistas, vasculhou arquivos em São Paulo e reuniu vasta documentação relativa aos trabalhos de Euclides da Cunha. Entrevistou descendentes do escritor fluminense e outros professores que publicaram livros sobre ele e Canudos.

Infelizmente Roberto Ventura morreu precocemente num acidente de carro. Mas seu "esboço biográfico" preenche, como era o seu objetivo, muitos hiatos da vida e obra do autor de "Os Sertões".

JOSÉ ANDERSON SANDES
EDITOR DO CANDERNO 3

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=660266

ARTIGO - Euclides ataca. Euclides morre.

Tiroteiro entre Euclides da Cunha e Dilermando. Ilustração publicada na revista "O Malho". Doze anos após o massacre de Canudos, Euclides teve um fim trágico


O destino de Euclides da Cunha foi marcado pela República e pela tragédia. Sua morte foi o maior escândalo da vida brasileira do início do século passado

O dia 15 de agosto de 1909 era domingo. Na cidade do Rio de Janeiro, chuviscava insistentemente e fazia frio. Do Bairro Copacabana, um homem franzino, de tez amorenada, de bigode, saiu cedo de casa. Estava irrequieto, com seu guarda-chuva preto. Passou em casa da tia Carolina para pedir aos primos Nestor e Arnaldo um revólver emprestado. Seria para "matar um cão hidrófobo que está rondando minha casa", explicou, ao receber o Smith & Wesson, calibre 22, que meteu rápido no bolso do paletó. Dirigiu-se à Estação Central, comprando o bilhete de ida e volta para a Estação da Piedade. Lá saltou e saiu indagando a esmo, onde moravam dois tenentes, que eram irmãos. Não foi difícil encontrar quem soubesse o endereço. Os irmãos eram bastante conhecidos no local, por serem atletas esportivos. Dilermando de Assis ganhara o título de campeão de esgrima e de tiro ao alvo; Dinorah era goleiro do Botafogo. Alguém informou: "É ali adiante, na casa nº 214 da Estrada Real de Santa Cruz" (atual Avenida Suburbana).

Para lá, em passo sôfrego, se dirigiu o homem franzino com revólver no bolso. As portas e as janelas da casa ainda estavam fechadas. Pendurou o guarda-chuva preto no portão de ferro da entrada e bateu palmas, fortes. Dinorah foi atendê-lo, abrindo a porta lateral. Ao adentrar, o homem franzino sacou o revólver do bolso e anunciou: "Vim para matar ou morrer!".

Deu três tiros em Dilermando e, depois, três tiros em Dinorah, que tentou contê-lo. A sétima bala falhou. Apesar de ferido, Dilermando desferiu quatro tiros de revólver calibre 32, uma das balas perfurando o pulmão já enfraquecido pela tuberculose do homem franzino, que caiu em agonia. Um médico foi chamado às pressas. Conta-se que, quando chegou, depois de auscultar o corpo estendido na cama, o médico sentenciou: "Este homem está morto". Por curiosidade, indagou:

- Quem era este homem?
- O doutor Euclides da Cunha.

O médico espantou-se com a revelação do nome. Procurou certificar-se sobre a identidade da pessoa:
- O autor de "Os Sertões"?

Era ele mesmo. Assim morreu o autor do mais consagrado livro brasileiro do início do século XX, vítima de uma tragédia amorosa provocada pela infidelidade de sua mulher, Anna da Cunha, conhecida como Sianinha. Dezessete anos mais novo, o amante Dilermando de Assis foi preso no quartel, submetido a júri popular e absolvido do crime por ter prevalecido a tese da legítima defesa. Libertado da prisão, logo no dia seguinte, em 12 de maio de 1911, casou-se com a viúva que se torna a senhora Anna de Assis.

Mas a tragédia não termina. O cadete Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, foi incitado por parente e amigos a vingar a morte do pai, cuja honra continuava a ser afrontada com o casamento de sua mãe com o amante matador. Cheio de ódio e precaução, no dia 4 de junho de 1916, com uniforme militar, ele alvejou pelas costas o padastro, quando este consultava o processo de inventário de Euclides da Cunha no Cartório da Vara de Órfãos no Fórum. Quase desfalecendo, o campeão de tiro, também trajando uniforme militar, sacou de sua arma e abateu o enteado vingador com uma bala na cabeça.

Apesar do desespero de mãe, Anna de Assis se colocou ao lado do marido, que conseguiu sobreviver ao ataque. Submetido a Conselho de Guerra, Dilermando de Assis foi absolvido por unanimidade.

Contudo, desde a morte de Quidinho, o casamento não foi mais o mesmo. A vida em comum tumultuou-se e Dilermando de Assis procurou conforto nos braços da jovem Marieta. Descobrindo a infidelidade, Anna saiu de casa com os filhos, para viver na pobreza. Ela, que traíra Euclides, não tolerou a traição de Dilermando e abandonou o antigo amante.

Enredo de novela?

Poderia ser. Mas são fatos históricos que remetem ao acontecimento editorial que fez do diligente engenheiro de obras do governo de São Paulo, que construiu uma ponte metálica na cidade de São José do Rio Pardo, um dos maiores escritores do Brasil.

O livro

Sete anos antes da tragédia da Piedade, em 1902, Euclides da Cunha abalara o meio intelectual do País, com a publicação do livro "Os Sertões (Campanha de Canudos)", que imediatamente provocou admiração e aplauso.

De um momento para outro, virou celebridade, colhendo elogios gerais, inclusive de críticos exigentes como José Veríssimo e Sílvio Romero. Antes, o autor era vagamente conhecido pelos artigos que publicava no jornal O Estado de S. Paulo. Por causa desses artigos, sempre bem escritos, em 1897, ele fora designado correspondente desse jornal paulista na Guerra de Canudos, travada no interior da Bahia entre o Exército brasileiro e os seguidores do místico cearense Antônio Conselheiro.

A história da campanha militar, a experiência adquirida no contato com o meio agreste e com o sertanejo lhe inspiraram a obra, só que ela transpôs os limites da cobertura jornalística, para se situar numa fronteira entre o ensaio científico e a ficção literária. A obra foi dividida em três partes: "A Terra", "O Homem" e "A Luta", formando uma complexa unidade, com os dois primeiros temas justificando o terceiro. O texto foi surpreendente para seus contemporâneos, vazado em termos técnicos, recheado de palavras arcaicas; uma linguagem barroca, com antíteses, hipérboles e oxímoros, ao lado de descrições vigorosas, coloridas e poéticas. Parte da obra sofreu influência dos preconceitos raciais da época, induzidos pela filosofia determinista. No entanto, excetuado esse conteúdo superado, o livro se preserva extraordinariamente atual.

É preceito que um livro é considerado clássico quando ele admite, com o passar dos anos, interpretação atualizada de sua mensagem. Ou seja, o seu conteúdo é rejuvenescido com as releituras, que encontram nele uma verdade permanente ou uma fonte de sabedoria e beleza. O caso de "Os Sertões" é paradigma desse preceito. O ensaísta José Guilherme Merquior, com sua autoridade na matéria, afirmou que o livro é "o clássico de ciências humanas no Brasil". Como obra sociológica pioneira, descobriu os dois brasis, com as civilizações do litoral (progressista) e do interior (atrasada). Como obra histórica, registrou os erros políticos e militares que levaram o País a uma guerra civil. O estilo refinado da linguagem e a alta qualidade de seu texto lhe conferem lugar destacado como obra literária.

Não encontrando interessados na publicação do seu livro sobre a Campanha de Canudos, Euclides da Cunha pagou do próprio bolso a edição contratada com a casa Laemmert, do Rio de Janeiro. Pronta a impressão, ao fazer a revisão do livro, ficou desesperado com os erros tipográficos. Empreendeu a insana tarefa de emendá-los manualmente, acrescentando o que faltava com tinta de caneta e raspando com canivete o que sobrava no texto impresso de cada exemplar, para assombro e zombaria dos operários da oficina. Somente depois é que autorizou a editora a expor o livro na vitrine.

Sob tanta expectativa, o autor ficou nervoso, porque "tinha certeza" que a obra seria "um desastre". Conforme recordou depois, não aguentando a ansiedade, ele deixou o Rio de Janeiro e foi para a cidade de Lorena (SP), onde residia.

Mal chegou, saiu sem destino, a cavalo, vagando pelo interior de São Paulo, procurando não ver ninguém, esconder-se, para não ter notícia do "desastre" do livro. Ao cabo de oito dias, cansado e com saudade da família, resolveu voltar. Foi para a estação de Taubaté esperar o trem que vinha do Rio de Janeiro. Estava no restaurante quando avistou um passageiro com um livro debaixo do braço. Fixou os olhos no volume meio encoberto e não acreditava no que estava vendo. Num impulso, abordou o desconhecido, pedindo-lhe para mostrar a capa do livro. Era "Os Sertões", era a primeira manifestação do sucesso editorial que se mantém há 100 anos.

PÁDUA LOPES
ESPECIAL PARA O CADERNO 3

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100 ANOS DE MORTE - Enigma Euclides


Desde aquele agosto, passaram-se 100 anos. No entanto, Euclides permanece eterno, mais pela fertilidade da obra que o consagrou do que por qualquer aspecto biográfico de sua breve vida de 43 anos. Neste artigo, a trajetória de um dos maiores escritores do País e suas impressões sobre Canudos

Era 15 de agosto de 1909, manhã chuvosa de domingo, na Estação da Piedade, Estrada Real de Santa Cruz, no Estado do Rio de Janeiro. Um homem atormentado e só enfrenta a morte e conhece, enfim, a indesejada das gentes. Um drama passional rouba ao país o laureado escritor que, sete anos antes, em 1902, publicara Os sertões.

Se, naquele momento, o Brasil perdia um de seus mais renomados intelectuais que prometera dar continuidade à sua obra de gênio com a escrita de Paraíso perdido, sobre a região amazônica, herdava, porém, deste homem, uma das obras mais significativas do acervo nacional com o livro que se quis, inicialmente, uma narrativa sobre a guerra de Canudos e realizou-se como uma reflexão sobre o Brasil.

Testemunha

Ao elaborar, através de um livro-bíblia - e Canudos se fez verbo - , um compêndio do conhecimento da época, uma explicação para Canudos, Euclides, que fora, ainda que nos últimos dias do conflito, testemunha ocular do episódio, tenta conciliar o impossível: seu modelo científico, pautado em teorias deterministas, e sua pasmada observação da realidade discordante.

Ao mesmo tempo, porém, constrói uma obra tão sedutora em suas contradições, que perpetua o episódio na memória e no imaginário do povo brasileiro.

Até muito tempo depois da publicação do livro maior de Euclides, "Os sertões" e a história de Canudos tornam-se sinônimos. Várias décadas após o lançamento de "Os sertões", com a publicação dos estudos pioneiros de vários pesquisadores, como os cearenses Abelardo Montenegro e Nertan Macedo, e, na Bahia, Odorico Tavares e, especialmente, Dr. Calasans e com a divulgação, por Ataliba Nogueira, das prédicas de Antônio Conselheiro, em 1974, pôde-se enxergar o outro lado, multifacetado, da história.

Que sensação, porém, o leitor do século XXI experimenta diante da obra majestosa de Euclides, publicada no início do século XX mas gerada no final do século XIX e debruçada sobre acontecimentos ainda palpitantes à época de sua publicação mas, hoje, aparentemente desencarnados de sua dramaticidade histórica?

Talvez a de quem se depara com um grandioso monumento da antiguidade, como a pirâmide, e se sinta fascinado mas desencorajado a empreender a subida a seu topo. Se, porém, subir a labiríntica pirâmide euclidiana, tenho certeza, sentirá a vertigem de quem contempla, deslumbrado, a História e a Literatura de seu país e a história e a escrita literária de um homem de gênio. Nascido em 20 de janeiro de 1866, logo órfão de mãe, criado por tias, de temperamento arredio quase tímido mas, ao mesmo tempo, capaz de gestos e rompantes desafiadores e de atitudes corajosas - penso no famoso episódio de 1888 em que , como cadete de idéias republicanas, lança seu espadim aos pés do ministro do Império, em cerimônia na Escola Militar -, Euclides segue para a Bahia com a quarta e última expedição ao arraial de Antônio Conselheiro... e muda o rumo da sua vida e da cultura do Brasil.

O convite

Depois da publicação de dois artigos sobre a campanha de Canudos, n` O Estado de São Paulo, sob o título de "A nossa Vendéia", em 14 de março e 17 de julho de 1897, Euclides atende a convite da direção deste jornal para acompanhar, na novíssima condição de correspondente de guerra, a expedição comandada pelo General Artur Oscar.

Partindo no navio Espírito Santo, que transportava militares da 4ª expedição militar da Campanha de Canudos, o então jornalista e adido ao Estado Maior do ministro da Guerra Carlos Machado de Bittencourt chega a Salvador em 7 de agosto do mesmo ano.

À época, o futuro autor de Os sertões demonstrava a convicção, então muito difundida pela imprensa, de que a rebelião no sertão visava à restauração da monarquia (daí a comparação com o movimento de camponeses franceses da Vendée) e que, portanto, a jovem república brasileira corria perigo.

Em sua curta permanência no chamado teatro de guerra, em contacto com soldados feridos, jagunços presos, gente da terra, militares, médicos e acadêmicos de medicina em ação e, também, através de pesquisa em arquivos e livros na capital da Bahia, Euclides vem a entender que a questão era muito mais complexa e, a partir do final da guerra, dedica-se a desvendá-la.

Suas primeiras impressões dos acontecimentos de Canudos são registradas não só nas reportagens que envia ao Estado de São Paulo, como na sua Caderneta de campo e em seu Diário de uma Expedição, os dois últimos publicados após a morte do escritor e são valiosas para análise do texto final de Os sertões.

ANGELA GUTIÉRREZ
ESPECIAL PARA O CADERNO 3


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