Por Thalif Deen, da IPS
25/08/2009 - 16:52:26
“O uísque é para beber, a água é para lutar por ela”, disse o famoso escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910). Os ecos de sua frase reverberaram no recinto onde até sábado aconteceram as conferências da Semana Mundial da Água, na capital sueca. Como quase metade das águas superficiais disponíveis em todo o mundo se encontra em 263 bacias de rios internacionais, os países que compartilham fronteiras têm duas opções: ou colaboram ou vão à guerra. Por isso um dos temas principais dos debates em Estocolmo ter sido o manejo das águas transfronteiriças.
As fontes de potencial colaboração ou conflitos incluem as águas compartilhadas do mar Báltico; dos rios Jordão, Mekong, Ganges e Indo, e o vale do rio Nilo, entre muitos outros. A ministra de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da Suécia, Gunilla, Carlsson, disse que cerca de 60% da população mundial vivem em bacias compartilhadas por dois ou mais países. “Isto é algo que não podemos ignorar. Temos uma dessas águas em nossa própria cidade, Estocolmo: o mar Báltico. Sua história está cheia de guerras e conflitos, bem como de paz e cooperação”, afirmou. Carlsson também disse que as questões relativas às águas transfronteiriças não envolvem apenas rios e suas bacias, o que exige soluções políticas e técnicas entre nações limítrofes, mas também entre áreas costeiras e oceanos.
Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 880 milhões de pessoas em todo o mundo ainda carecem de acesso à água potável. Mas alguns especialistas se mostram pessimistas prevendo futuros conflitos militares em torno dos escassos recursos hídricos. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, admitiu que apesar da preocupação quanto à possibilidade de “disputas violentas” por esses recursos compartilhados, a cooperação é a resposta mais comum dos povos que competem pela água. Ban reforçou seu argumento dizendo que há pelo menos 300 pactos hídricos internacionais, comumente entre partes que de outro modo estariam se enfrentando. “Estes acordos demonstram o potencial dos recursos hídricos compartilhados para impulsionar a confiança e promover a paz”‘, afirmou o secretário-geral.
Somente na Ásia austral, três bacias de rios transfronteiriços abastecem cerca de metade dos 1,5 bilhão de habitantes da região, entre eles os mais pobres do mundo. Essas três bacias, que cobrem oito países, são: a dos rios Ganges-Brahmaputra-Meghna (que corta Bangladesh, Butao, China, Índia e Nepal); do rio Indo (Afeganistão, China, Índia, Nepal e Paquistão), e a do Helmand (Afeganistão, Irã e Paquistão). O presidente da Amigos da Terra-Oriente Médio, Munqeth Mehyar, disse à imprensa que dos 1,3 bilhões de metros cúbicos que seriam necessários para devolver ao mar Morto seu caudal original, todo o que restam são 100 milhões de metros cúbicos.
Noventa e cinco por cento das águas do mar Morto foram desviados. Os governos de Israel, Palestina e Jordânia assinaram acordos para restaurá-lo. Porém, estas intenções ainda não se transformaram em ações concretas, acrescentou Mehyar. Este especialista disse que os palestinos devem conseguir um acesso direto ao mar Morto e que a Palestina merece uma parte da água, na qualidade de país ribeirinho com iguais direitos. Manter conflitos e apoiar guerras implica um orçamento muito elevado. Mas as atividades para restabelecer a paz requerem uma porcentagem muito pequena do mesmo, ressaltou.
Por outro lado, em um estudo apresentado na capital sueca, o Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) disse que a resposta da comunidade hídrica internacional diante dos crescentes desafios e pressões sobre as águas compartilhadas até agora é “inconsistente e inadequada”. Em geral, a comunidade hídrica internacional está dividida em três setores, tendo por base como os rios transfronteiriços se relacionam aos meios de sustento, ao desenvolvimento e à segurança humana, dos Estados e das regiões. Alguns enfatizam as relações causais entre a escassez hídrica (ou as inundações) e os conflitos violentos ou a pobreza. Outros afirma que a evidência de cooperação que existe no mundo sugere uma tendência reconfortante para a estabilidade e a riqueza.
O terceiro setor fica entre os dois anteriores, mas enfatiza a existência de numerosos conflitos pela água que se desenvolvem sem violência, diz o estudo realizado e editado por Anders Jagerskog, diretor de programa do SIWI, Mark Zeitoun, conferencista na University of East Anglia (Grã-Bretanha), e Anders Berntell, diretor-executivo do SIWI. “Parece óbvio. As águas transfronteiriças são altamente políticas. E a política está regida pelo poder”, afirmam. Além disso, as formas tanto novas quanto tradicionais de interação nos rios Mekong, Jordão, Ganges, Nilo e tantos outros cursos de água transfronteiriços revelam que a comunidade internacional faz vista grossa aos jogos de poder em torno da água.
Ao mesmo tempo, muitos aderiram silenciosamente à noção de que não é possível uma cooperação eqüitativa, sustentável e eficiente em relação às águas transfronteiriças, diz o estudo intitulado “Getting Transboundary Water Right: theory and practice for effective cooperation” (Acertando com as águas transfronteiriças: teoria e prática para uma cooperação efetiva). Em muitos contextos de águas transfronteiriças o poder está distribuído de modo desigual. Frequentemente, o Estado ribeirinho mais poderoso pode determinar o resultado das interações, para o bem unilateral ou coletivo.
Considera-se que a ajuda financeira da China ao Camboja em setores não relacionados com o Mekong garantiu o consentimento cambojano par à construção de represas potencialmente devastadoras. Esse uso de incentivos para induzir à cooperação é muito mais bem-vindo do que o uso de ameaças, diz o estudo. Mas, no contexto deste paradigma unilateral, os Estados podem coagir seus vizinhos para que concordem com um acordo cujos termos podem se voltar contra eles.
(IPS/Envolverde)
“O uísque é para beber, a água é para lutar por ela”, disse o famoso escritor norte-americano Mark Twain (1835-1910). Os ecos de sua frase reverberaram no recinto onde até sábado aconteceram as conferências da Semana Mundial da Água, na capital sueca. Como quase metade das águas superficiais disponíveis em todo o mundo se encontra em 263 bacias de rios internacionais, os países que compartilham fronteiras têm duas opções: ou colaboram ou vão à guerra. Por isso um dos temas principais dos debates em Estocolmo ter sido o manejo das águas transfronteiriças.
As fontes de potencial colaboração ou conflitos incluem as águas compartilhadas do mar Báltico; dos rios Jordão, Mekong, Ganges e Indo, e o vale do rio Nilo, entre muitos outros. A ministra de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional da Suécia, Gunilla, Carlsson, disse que cerca de 60% da população mundial vivem em bacias compartilhadas por dois ou mais países. “Isto é algo que não podemos ignorar. Temos uma dessas águas em nossa própria cidade, Estocolmo: o mar Báltico. Sua história está cheia de guerras e conflitos, bem como de paz e cooperação”, afirmou. Carlsson também disse que as questões relativas às águas transfronteiriças não envolvem apenas rios e suas bacias, o que exige soluções políticas e técnicas entre nações limítrofes, mas também entre áreas costeiras e oceanos.
Segundo a Organização das Nações Unidas, mais de 880 milhões de pessoas em todo o mundo ainda carecem de acesso à água potável. Mas alguns especialistas se mostram pessimistas prevendo futuros conflitos militares em torno dos escassos recursos hídricos. O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, admitiu que apesar da preocupação quanto à possibilidade de “disputas violentas” por esses recursos compartilhados, a cooperação é a resposta mais comum dos povos que competem pela água. Ban reforçou seu argumento dizendo que há pelo menos 300 pactos hídricos internacionais, comumente entre partes que de outro modo estariam se enfrentando. “Estes acordos demonstram o potencial dos recursos hídricos compartilhados para impulsionar a confiança e promover a paz”‘, afirmou o secretário-geral.
Somente na Ásia austral, três bacias de rios transfronteiriços abastecem cerca de metade dos 1,5 bilhão de habitantes da região, entre eles os mais pobres do mundo. Essas três bacias, que cobrem oito países, são: a dos rios Ganges-Brahmaputra-Meghna (que corta Bangladesh, Butao, China, Índia e Nepal); do rio Indo (Afeganistão, China, Índia, Nepal e Paquistão), e a do Helmand (Afeganistão, Irã e Paquistão). O presidente da Amigos da Terra-Oriente Médio, Munqeth Mehyar, disse à imprensa que dos 1,3 bilhões de metros cúbicos que seriam necessários para devolver ao mar Morto seu caudal original, todo o que restam são 100 milhões de metros cúbicos.
Noventa e cinco por cento das águas do mar Morto foram desviados. Os governos de Israel, Palestina e Jordânia assinaram acordos para restaurá-lo. Porém, estas intenções ainda não se transformaram em ações concretas, acrescentou Mehyar. Este especialista disse que os palestinos devem conseguir um acesso direto ao mar Morto e que a Palestina merece uma parte da água, na qualidade de país ribeirinho com iguais direitos. Manter conflitos e apoiar guerras implica um orçamento muito elevado. Mas as atividades para restabelecer a paz requerem uma porcentagem muito pequena do mesmo, ressaltou.
Por outro lado, em um estudo apresentado na capital sueca, o Instituto Internacional da Água de Estocolmo (SIWI) disse que a resposta da comunidade hídrica internacional diante dos crescentes desafios e pressões sobre as águas compartilhadas até agora é “inconsistente e inadequada”. Em geral, a comunidade hídrica internacional está dividida em três setores, tendo por base como os rios transfronteiriços se relacionam aos meios de sustento, ao desenvolvimento e à segurança humana, dos Estados e das regiões. Alguns enfatizam as relações causais entre a escassez hídrica (ou as inundações) e os conflitos violentos ou a pobreza. Outros afirma que a evidência de cooperação que existe no mundo sugere uma tendência reconfortante para a estabilidade e a riqueza.
O terceiro setor fica entre os dois anteriores, mas enfatiza a existência de numerosos conflitos pela água que se desenvolvem sem violência, diz o estudo realizado e editado por Anders Jagerskog, diretor de programa do SIWI, Mark Zeitoun, conferencista na University of East Anglia (Grã-Bretanha), e Anders Berntell, diretor-executivo do SIWI. “Parece óbvio. As águas transfronteiriças são altamente políticas. E a política está regida pelo poder”, afirmam. Além disso, as formas tanto novas quanto tradicionais de interação nos rios Mekong, Jordão, Ganges, Nilo e tantos outros cursos de água transfronteiriços revelam que a comunidade internacional faz vista grossa aos jogos de poder em torno da água.
Ao mesmo tempo, muitos aderiram silenciosamente à noção de que não é possível uma cooperação eqüitativa, sustentável e eficiente em relação às águas transfronteiriças, diz o estudo intitulado “Getting Transboundary Water Right: theory and practice for effective cooperation” (Acertando com as águas transfronteiriças: teoria e prática para uma cooperação efetiva). Em muitos contextos de águas transfronteiriças o poder está distribuído de modo desigual. Frequentemente, o Estado ribeirinho mais poderoso pode determinar o resultado das interações, para o bem unilateral ou coletivo.
Considera-se que a ajuda financeira da China ao Camboja em setores não relacionados com o Mekong garantiu o consentimento cambojano par à construção de represas potencialmente devastadoras. Esse uso de incentivos para induzir à cooperação é muito mais bem-vindo do que o uso de ameaças, diz o estudo. Mas, no contexto deste paradigma unilateral, os Estados podem coagir seus vizinhos para que concordem com um acordo cujos termos podem se voltar contra eles.
(IPS/Envolverde)
Fonte: Mercado Ético
Um comentário:
muito bom o que foi escrito nesse artigo!
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