TRAZENDO AS TERRAS SECAS PARA O CENTRO DAS ATENÇÕES
Por ocasião da primeira ICID há 18 anos, a mudança climática era apenas uma forte hipótese. Hoje se trata de uma realidade comprovada e amplamente reconhecida como uma questão fundamental para o desenvolvimento e não apenas uma questão ambiental. Avanços significativos foram realizados no conhecimento científico e na compreensão dos atores públicos, no que se refere às interelações entre clima, sustentabilidade e desenvolvimento. A comunidade internacional também se colocou de acordo quanto as Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM), concebidas para ajudar a orientar esforços no combate à pobreza, no aumento do acesso aos serviços básicos, na conquista da equidade de gênero e na promoção da sustentabilidade ambiental.
Apesar do progresso e das boas intenções, os desafios para a redução efetiva da pobreza, da mitigação e adaptação às mudanças climáticas e do alcance do desenvolvimento sustentável continuam a ser enormes. E o compromisso político e os recursos necessários para alcançar tais objetivos permanecem insuficientes. Esses desafios são especialmente críticos nas regiões áridas, semiáridas, secas subumidas (ou coletivamente terras secas) que são frequentemente negligenciadas e subrepresentadas politicamente.
As terras secas concentram o maior número de população pobre do planeta e sofrem grandes pressões sobre seus recursos naturais, incluindo água, solos e biodiversidade. Suas populações são as mais vulneráveis face aos efeitos adversos das variações e mudanças climáticas, e as menos capazes de lidar com as mesmas. Estima-se que aproximadamente um bilhão de pessoas terão suas condições de vida prejudicadas apenas pela desertificação. A menos que a sustentabilidade das terras secas seja assegurada, todo o planeta estará ameaçado.
Erros do passado, políticas mal concebidas e práticas predatórias levaram muitas terras secas, cuja produtividade natural já é mais baixa do que as regiões áridas do mundo, a atingir o limite da sua capacidade produtiva. Isso tem provocado situações que não podem ser facilmente revertidas sem o substancial desenvolvimento de esforços e dispêndios financeiros nos níveis nacional e internacional. Um conjunto de questões precisa ser enfrentado: declínio da produtividade dos recursos naturais, persistência das condições de pobreza e variabilidade climática, assim como grandes desigualdades e fraquezas institucionais.
A resposta adequada a essas questões tornou-se cada vez mais urgente ao longo do tempo. Eventos climáticos extremos em muitas partes do globo, incluindo China, Índia, Paquistão, Rússia, amplas partes da África e aqui no Nordeste do Brasil, são testemunhas disso. Seus impactos econômicos e sociais incluem a redução acentuada da produção e da produtividade, destruição de infra- estrutura, interrupção dos serviços básicos, deslocamento maciço das populações, além do crescimento dos conflitos, da violência e da miséria, especialmente nas partes mais pobres do mundo. Os países industrializados também são, ou serão em breve, cada vez mais suscetíveis a tais fenômenos. Assim, essas questões são claramente de importância global.
A boa notícia é que as áreas secas do mundo possuem muitos ativos importantes, incluindo suas valiosas sociedades e culturas. Ao mesmo tempo, existem muitas oportunidades para o desenvolvimento futuro, especialmente investimentos em energia solar renovável. Além disso, muitas das ações necessárias para enfrentar as mudanças climáticas são também necessárias – e benéficas – para o crescimento econômico de longo prazo e redução da pobreza. Ou seja, são importantes para o desenvolvimento sustentável.
Se, no entanto, não for conferida muito maior atenção para os problemas e as potencialidades das áreas secas, o alcance das Metas de Desenvolvimento do Milênio em muitos dos países mais pobres do planeta corre um risco significativo. Dessa forma, as regiões secas requerem atenção prioritária tanto por parte dos governos nacionais como pela comunidade internacional.
Nesse contexto, por volta de 2000 participantes originários de uma centena de países incluindo autoridades públicas, cientistas de áreas sócias e físicas, representantes do setor privado e agências internacionais, membros de organizações não-governamentais e de entidades da sociedade civil reuniram-se em Fortaleza, Brasil, entre 16 e 20 de agosto de 2010. O objetivo era a troca de informações e lições apreendidas ao longo dos últimos 20 anos e a formulação de recomendações de políticas para serem levadas em consideração na reunião de cúpula Rio+ 20 sobre meio ambiente e desenvolvimento, que ocorrerá em 2012, bem como em outros eventos que ocorrerem. Com base em tais discussões, propomos o seguinte:
Desenvolvimento Sustentável e Mudança Climática: Desafios e Oportunidades
1. Desenvolvimento sustentável das regiões secas – e, sobretudo, o fortalecimento da governança nessas áreas conjuntamente com o aumento da qualidade dos meios de vida, maior participação, tomada de poder e representação política das populações, especialmente a pobre, deve ser o principal objetivo das ações nos planos internacional, nacional e local.
2. Os desafios para o alcance desses objetivos se tornarão ainda maiores nas décadas seguintes com o aumento da vulnerabilidade das regiões secas e de suas populações, dado o impacto das oscilações e mudanças climáticas. Portanto, intervenções tendo por finalidade o desenvolvimento sustentável, do nível local ao nível global, devem ser aceleradas e multiplicadas.
3. Oportunidades importantes com base neste paradigma de desenvolvimento devem ser reconhecidas, incluindo aqui o potencial de sinergias e possibilidades de ganhos mútuos. Estratégias de adaptação climáticas, por exemplo, devem procurar reduzir a vulnerabilidade e aumentar a resiliência local através da construção de ativos para as populações pobres, contribuindo para o desenvolvimento sustentável de longo prazo. Esses esforços promoverão a participação da sociedade civil e grupos de base nos processos de tomada de decisão e implementação de atividades que busquem o desenvolvimento.
4. Mecanismos que criem condições favoráveis ao desenvolvimento sustentável das regiões de terras secas devem ser criados ou reforçados por meio de ações integradas para combater a degradação do solo, mitigar os efeitos das secas, conservar a biodiversidade e adaptar-se para as mudanças climáticas. Ao mesmo tempo, devem procurar assegurar os esforços internacionais e nacionais necessários para melhoria das águas e gestão das terras, redução da pobreza e desenvolvimento sustentável das áreas de terras secas.
5. Oportunidades de investimento para explorar as vantagens comparativas naturais das áreas de terras secas, como para a geração de energia solar e outras fontes de energia alternativas e renováveis, devem ser aproveitadas, assim como as técnicas para captura de água da chuva, aperfeiçoamento dos sistemas de saneamento e a reutilização da água residual na agricultura irrigada. Regiões áridas deveriam ter também assegurado pleno acesso a tecnologias de baixa emissão de carbono, economia de água e de energia e outras tecnologias amigáveis ao meio-ambiente. Nesse contexto, medidas para facilitar a cooperação internacional e para a transferência de tecnologias apropriadas devem ser reforçadas, inclusive com estímulo a cooperação tripartite e a estruturação de laboratórios / observatórios locais.
Representação Política em Múltiplas Escalas
6. As preocupações dos povos das terras secas não estão representadas de forma adequada nos processos de política no âmbito internacional. Em muitos casos seus interesses são pouco ouvidos mesmo internamente em seus países. É necessário institucionalizar a participação local na tomada de decisões e aumentar a representação das populações das terras secas na elaboração de políticas nos planos local, nacional e global.
7. Para promover o reconhecimento dos interesses e o bem estar das populações das terras secas, as sérias implicações da interface clima-pobreza-sustentabilidade em terras secas devem ser amplamente discutidas. Além disso, a capacidade dos países de terras secas em influenciar o desenvolvimento global e a agenda do meio-ambiente deverá ser significativamente reforçada.
8. As Nações Unidas deverem urgentemente considerar a atual situação de risco das regiões das terras secas, especialmente na África subsaariana, na Ásia do Sul e no Oriente Médio, mas também em partes da América do Sul, do Caribe, da América do Norte, Ásia Oriental e no Pacífico – incluindo os riscos para a segurança global associados a seu empobrecimento e insegurança alimentar crescentes, aumento da vulnerabilidade a desastres naturais e mudanças climáticas, elevação dos conflitos internos e violência, e a interação entre eles.
9. Atividades preparatórias para o Rio + 20 devem ser organizadas em uma base dos ecossistemas globais, incluindo a convocação de uma reunião de cúpula sobre o tema do desenvolvimento sustentável das terras secas, definindo claramente opções de política para as necessidades das terras secas em todo o mundo.
10. Uma nova aliança geopolítica deve ser formada entre os países com terras secas para aumentar os esforços de resolver seus problemas e identificar e aproveitar suas oportunidades comuns em relação a clima, desenvolvimento e sustentabilidade.
11. Esforços devem ser intensificados entre os países de terras secas para elevar a preocupação interna a respeito desses problemas e oportunidades, além de gerar apoio para a ação. Isso deve incluir o desenvolvimento e a implementação de estratégias no nível das comunidades voltadas para educar população local, bem como os tomadores de decisão e de políticas e os meios de comunicação, a respeito das implicações reais das mudanças climáticas e sua variabilidade, incluindo seus possíveis impactos econômicos, sociais e de saúde.
Sinergias entre Iniciativas Globais Ambientais e de Desenvolvimento
12. Estratégias e esforços de desenvolvimento das regiões de terras secas devem priorizar o uso sustentável da biodiversidade, assim como sua conservação. As necessidades de recuperação de áreas degradadas e de prevenção da deterioração ambiental daquelas que ainda estejam preservadas deve também ser priorizada. As interações com a mudança climática e a desertificação também devem ser identificadas claramente.
13. As sinergias devem ser maximizadas entre as intervenções de natureza global, nacional, regional e local para mitigar e adaptar às mudanças climáticas, para conservar a biodiversidade e para desacelerar o processo de desertificação, incluindo esforços para harmonizar a implementação das respectivas convenções da ONU. A execução de tais acordos deve também estar integrada, o tanto quanto possível, aos esforços para combater a pobreza e promover a sustentabilidade em todos os níveis.
O Financiamento do Desenvolvimento Sustentável Sensível ao Clima
14. Atividades de desenvolvimento sustentável sensível ao clima necessitarão fontes financeiras adicionais. Parte desses custos deve ser absorvida pelas economias nacionais, enquanto o restante deve ficar sob responsabilidade internacional, em razão de sua característica de bens públicos globais.
15. Compromissos financeiros previamente assumidos por parte dos países industrializados, com o objetivo de apoiar os esforços do desenvolvimento sustentável, devem ser cumpridos. Os instrumentos financeiros atualmente existentes devem também ser expandidos e tornados mais eficientes, e outros instrumentos inovadores devem ser criados. O desembolso de recursos concessionários nos Fundos para Investimento e para Adaptação ao Clima, recentemente criados, por exemplo, deve ser acelerado, assim como devem ser reforçadas as capacidades locais e nacionais para utilizá-los de maneira efetiva.
16. As inovações financeiras para avançar desenvolvimento sustentável sob condições de mudanças climáticas poderiam incluir: i) fundos específicos para financiar a adaptação e atividades associadas ao desenvolvimento sustentável em regiões de terras secas, a exemplo do proposto Fundo para a Caatinga no Brasil; ii) pagamento para serviços ecológicos e de natureza ambiental nas regiões de terras secas, incluindo o estabelecimento de um fundo para e redução das emissões relacionadas à degradação das terras e a desertificação, semelhante aos fundos para a redução das emissões relacionadas à degradação das terras e desmatamento em áreas tropicais (REDD); e iii) instrumentos de seguro e compensação de danos relacionados ao clima.
Educação para o Desenvolvimento Sustentável
17. Educação de qualidade em todos os níveis deve ser uma prioridade nas áreas de terras secas. Além de representar um investimento de alto retorno em capital humano, deve ser visto no contexto de possibilitar a elevação do conhecimento das populações locais e sua compreensão em relação às conexões entre mudança climática, pobreza, e sustentabilidade, potencializando a voz e a representação desses grupos nos processos de decisão no que concerne o futuro das regiões secas. Essa ação deve se enfocar prioritariamente nos jovens que, em conjunto com as gerações futuras, serão os mais beneficiados ou prejudicados pelas ações tomadas ou não tomadas em relação às mudanças climáticas, e que serão os tomadores de decisão do amanhã.
Intercâmbio de Conhecimento e Informação.
18. Considerando-se que sociedades em regiões de terras secas devem adaptar-se a mudanças climáticas, e que sua gestão pode ser aperfeiçoada com informação climática, é necessário a concepção de um programa integrando pesquisa, observação, modelagem e aplicações associadas ao clima. O objetivo seria informar os administradores de recursos, os formuladores de política e os planejadores nas escalas necessárias para adaptação às mudanças climáticas.
19. Tanto a informação tecnológica como as bases de conhecimento sobre as complexas causas das mudanças do clima avançaram significativamente nas últimas décadas. No entanto, maiores insumos oriundos das ciências sociais são necessários. Este é especialmente o caso dos estudos relacionados aos aspectos políticos e sociais da vulnerabilidade e sobre o impacto da variação do clima nas regiões secas.
20. A distância entre a investigação científico-tecnológica e o conhecimento sobre os sistemas de produção assim como as práticas específicas pertinentes às regiões secas, por um lado, e a institucionalidade associada à governança local e a processos de tomada de decisão, por outro lado, precisam ser reduzidos e preferencialmente eliminados. Os esforços para o desenvolvimento sustentável nas regiões secas precisam incorporar o conhecimento das populações indígenas, nativas e locais que vivem há séculos nessas áreas.
21. Ao longo dos últimos anos, os estudiosos e os tomadores de decisão das terras secas aumentaram seu intercâmbio de conhecimento, que também foi um dos propósitos desta Conferência. Não obstante, maior intercâmbio é necessário, especialmente entre os países em desenvolvimento que enfrentam desafios e oportunidades similares. Redes de conhecimento precisam ser expandidas e reforçadas com bases em dois objetivos: (i) nas esferas do conhecimento científico e das pesquisas aplicadas - acelerar a troca de informação, a discussão de metodologias, a comunicação de descobertas científicas, impulsionando as atividades de pesquisas compartilhadas voltadas para o desenvolvimento; e (ii) a criação de fóruns de diálogos e de trocas de experiências entre especialistas, governos e a sociedade civil, para melhor monitorar e avaliar as intervenções e seus resultados e impactos, alimentando os processos de planejamento participativo e desenvolvimento sustentável.
Planejamento Integrado e Implementação dos Programas e Estratégias de Desenvolvimento
22. A compartimentalização das estratégias e programas de desenvolvimento, sobretudo quando direcionados a alvos populacionais em territórios específicos, devem ser corrigidas. A fragmentação das ações setoriais tem sido uma prática comum no nível sub-nacional, sobretudo em programas de combate a desertificação, de adaptação a mudanças climáticas, de conservação da biodiversidade, de segurança alimentar e de redução da pobreza, assim como com relação aos instrumentos legais, institucionais e de financiamento.
Respostas Urgentes
23. Finalmente, a urgência em responder às questões do clima, do desenvolvimento e da sustentabilidade perante os desafios e as oportunidades que se colocam para as regiões secas, especialmente as menos desenvolvidas, não pode ser suficientemente enfatizada. Faz-se necessária ação decisiva da comunidade internacional. E o momento dessa ação é já!
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