Cuidar da casa, da família, dos animais, fazer renda de bilro e vendê-la. Além disso, é faxineira numa residência de veraneio. Precisa mais? O dia de Eveline da Costa, a Veca, começa, às 4 da madrugada, para lavar roupa e adiantar o almoço. Afinal, às 11h30min, deixa a casa, na Praia do Japão, e segue a pé, no percurso de 1 km, rumo ao Centro das Rendeiras da Prainha, em Aquiraz, Região Metropolitana de Fortaleza.
"Chego lá em 30 minutos de passo apressado" diz. O expediente só termina às 17 horas. Quando consegue vender alguma coisa, a artesã volta para casa feliz. Porém, isso nem sempre acontece. No box, tanto oferta peças de sua autoria quanto de colegas. Outra alternativa de Veca é a faxina, realizada às sextas-feiras, pela qual ganha R$ 240,00 por mês.
Apesar de ter o dia corrido, Veca, 42 anos, não demonstra cansaço. A caçula dos três filhos, Carolina, 16 anos, ajuda a mãe na almofada de bilro, embora demonstre pouco interesse pelo artesanato. A adolescente prefere, nas horas vagas, ir à lan house. Contudo, o desejo de Veca mesmo é ver os filhos dedicados aos estudos, não seguindo seu exemplo. Ela parou na 8ª série. Sabe, porém, que para alcançar esse objetivo precisa-se de muita coragem e determinação.
O marido José Clóvis da Costa, o Tó, pescador, nem todo dia consegue garantir o peixe da família. A sorte é que os dois garotos estão encaminhados. Caio César, 21 anos, encontra-se no Exército, com farda impecável cuidada pela mãe. Artur, 17, estuda e trabalha numa barraca de praia.
O dinheiro ganho com a renda foi fundamental para a aquisição da casa própria, de seis cômodos. O clima é de litoral, porém mais parece um sítio. Tem cachorro, pato, galinha, entre outros animais, criados num jardim cheio de plantas e fruteiras, a exemplo de coco, banana e caju.
Veca também comemora a compra da televisão: "Há 22 anos, quando casei, ficava na janela da casa do vizinho. Era uma humilhação. Hoje tenho dois aparelhos de TV".
Filha de mãe solteira, foi criada pela avó materna, Maria Anunciada, com quem aprendeu o ofício. "Aos 7 anos, já produzia e passei a ajudar as minhas irmãs com o meu trabalho", diz. Por parte de pai, é neta de uma das mais tradicionais rendeiras da Prainha, dona Nenzinha, já falecida.
Atualmente, o único período que ela dispõe para fazer renda é à noite, quando retorna do Centro das Rendeiras. Janta e se apega na almofada. Às vezes, entra pela madrugada. Para concluir uma toalha de bandeja leva até cinco dias. A peça é vendida, em média, por apenas R$10,00. E assim, Veca contribui para continuar a tradição das rendeiras de Aquiraz.
Até novembro deste ano, Maria Cleide Costa é presidente da Associação das Rendeiras da Prainha. Durante sua gestão, tem como principal objetivo a inauguração do novo Centro das Rendeiras, cujas obras estão paralisadas há mais de um ano.
O prazo inicial de três meses, prometido pela Prefeitura de Aquiraz, foi descumprido. E até o momento não há nova data anunciada para a inauguração do espaço, onde funcionava a antiga sede. "Segundo a Prefeitura, está sendo aguardada uma verba que vem de Brasília", afirma Cleide. Criada há 30 anos, a Associação reúne 80 artesãs, sendo que 23 trabalham no
Centro. "Nossa casa é aqui, onde ficamos de 8 às 17 horas", diz Cleide. Para atrair os clientes, elas aceitam até pagamento com cartão de crédito. Também valem-se de acordos com guias de turismo e bugueiros (comissões sobre as vendas). Na próxima alta estação, em julho, esperam repetir o bom movimento de janeiro. Melhor ainda se já estiverem no novo Centro.
Aos 73 anos, ela mantém o corpo esbelto e os cabelos branquinhos como suas criações. Maria da Cunha Henrique, a dona Santa, ganhou o apelido ainda na infância, por ter nascido "gordinha e mole". Hoje, o nome combina com o seu jeito de ser: uma senhora simpática, paciente e de fala mansa.
Dona Santa é uma das raras mulheres que produz renda com linha fina na Prainha. Desenvolvendo um trabalho minucioso e demorado, passa 15 dias para fazer a toalha de bandeja (40 por 50 cm), vendida pelo valor der R$ 50,00, mais que o dobro do cobrado por uma similar de linha comum.
A perfeição do artigo compensa o investimento, disso ela não duvida. Porém, nem todo dia há cliente interessado em adquirir a renda de valor agregado no Centro das Rendeiras, onde Santa tem box. Mesmo assim, não desiste da paixão por essa matéria-prima. "Aqui na Prainha só tem eu e outra rendeira trabalhando miúdo. Como é um serviço que leva muito tempo, ninguém tem paciência", explica.
Nascida na Prainha, Santa mudou-se para o Iguape, praia vizinha, onde morou com a avó. Aos 10 anos, já fazia renda. Tinha 16 quando retornou a sua terra. Dois anos depois, estava casada com o pescador, atualmente aposentado, José Atanásio Henrique.
O namoro durou apenas três meses. Já a paixão pelo marido permanece após 54 anos de união. "Ele é um gatão de olhos azuis, lindos", derrete-se, com um largo sorriso.
O casal teve seis filhos, mas apenas três se criaram, sendo duas mulheres. Até hoje não se conforma com a vida de pescador que o marido levava. "Ele passava de três a quatro dias no mar, e eu ficava preocupada, sem ter o que comer, só com a água no pote. Muitas vezes, voltava sem nada. Por isso, minhas rendas sempre ajudavam, e muito, no sustento da nossa família", recorda.
A rendeira estudou somente até a quarta série primária, porém diz ter sido o suficiente. Dá para fazer as contas e vender as peças, dela e de outras artesãs, sem problemas. Apenas deixa o trabalho às quartas-feiras, das 14 às 17 horas, quando participa de um grupo de idosos. Lá tem merenda, farda, exercícios, oração, forró e até passeios a Fortaleza.
Embora admita cuidar da saúde, apresenta alguns problemas, como pressão alta e labirintite. Por isso, evita todo tipo de comida gordurosa. Nada, contudo, que a deixe sem ânimo. Todo ano, em novembro, Santa vai a Juazeiro do Norte, na região do Cariri, de excursão, participar da romaria do Padre Cícero.
Católica, confessa não passar muito tempo ajoelhada rezando. Contudo não esconde a sua fé. Afinal, recorre sempre aos santos para amenizar as preocupações diárias.
Todos os dias, três rendeiras se reúnem para trabalhar no Centro de Artesanato do Sítio Ema, em Pindoretama, Litoral Leste, à beira da CE-040. Uma delas é Francisca Maria Lima, ou Neide, 58 anos, que coordena a atividade. Quando recebe encomendas, pelo menos outras 10 mulheres se juntam ao grupo. O número é pequeno, considerando a tradição de outrora na localidade.
"Esse trabalho vai se acabar. O pessoal de hoje prefere emprego na Prefeitura", revela Neide. E confessa que só continua por um motivo: amor. "Se fosse para eu me vestir, andava pelada. Se fosse para eu comer, morria de fome", compara.
Contudo orgulha-se da ocupação que lhe acompanha desde o nascimento. A mãe, Maria Lima, dona Lica, pagou a sua parteira com o dinheiro vindo da dedicação na almofada.
Neide aprendeu o ofício com a mãe, aos sete anos, e nunca mais parou. A renda ajudou a criar seus filhos. Dos oito gerados, seis estão vivos. Um deles ficou sob os cuidados de uma tia que não pôde engravidar.
Em sua casa, a poucos metros do Centro de Artesanato, mora com Lica, três filhos e três netos. Abrigava, ainda, o ex-marido, de quem estava separada havia 10 anos. Ele faleceu em novembro de 2009 devido a problemas de saúde. Hoje, considera-se viúva.
A rendeira tem poucos momentos de lazer, entre eles cita o curso de alfabetização para adultos, à noite, no qual diz aprender um pouquinho a cada dia. Há quatro anos, tenta melhorar a escrita e a memória.
"Eu costumo sempre engolir as letras quando escrevo", revela Neide, que só tinha a 4ª série primária. Aos sábados, o entretenimento é no encontro do grupo da terceira idade Raio de Luz. Nessa tarde, todos dançam, brincam, rezam e, às vezes, passeiam.
Compromissos
Em 2000, Neide chegou a se candidatar ao cargo de vereadora pelo PPS, porém ficou na suplência. Não pretende repetir a experiência. "Posso até ajudar outros candidatos, mas eu, nunca mais", promete. Divide o tempo entre a almofada e a presidência da Associação dos Moradores do Sítio Ema. É ainda secretária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Pindoretama e participa de movimentos sociais, como o "Grito da Terra". Aguarda, em breve, conseguir a aposentadoria como agricultora rural.
Entre tantos compromissos, o que mais deseja é continuar na renda até ficar velhinha, a exemplo de dona Lica. Com orgulho, Neide nos apresenta a mãe. Aos 86 anos, a senhora de cabelos branquinhos ainda trabalha na almofada diariamente, sem precisar de óculos. Adora fazer bicos de renda. Quando perguntamos se podíamos tirar uma foto sua, ela indaga: "Vão querer bater retrato dessa coruja velha, tão feia?", soltando uma gargalhada.
Da infância, Lica recorda que aprendeu a fazer renda aos sete anos. Mas, às vezes, lhe falha a memória. Fala com saudades do marido João Feliciano, pescador, falecido em 1991, com quem teve seis filhos. Apenas quatro vingaram. Todos foram batizados como Francisco ou Francisca. Promessa do pai, devoto fervoroso. A mesma fé herdada por Neide, que costuma visitar a basílica dedicada a São Francisco na cidade de Canindé, Sertão cearense.
Música para atrair clientes
Ela costuma chamar atenção dos turistas cantando "Olê, mulher rendeira", enquanto conversa, posa para fotos e demonstra como se faz renda na almofada de bilro. Francisca Moreira Borges dos Santos, a dona Olinda, 61 anos, está há dois com um box no Centro de Artesanato de Morro Branco, em Beberibe, Litoral Leste. Antes, tinha uma barraca de palha, onde permaneceu oito anos.
Quando decidiu vender renda, chegou a enfrentar o sol diariamente para oferecê-la na praia. "Passei vários anos sendo camelô. Os donos de barraca não queriam que ficasse por lá. Perdi muito artigo porque deixava com o turista e, quando voltava para pegar o dinheiro, ele tinha ido embora. Levava o maior calote", diz.
Olinda começou a fazer renda aos 10 anos, aprendendo com a mãe Raimunda, já falecida. "Ela ensinou as sete filhas e muitas netas". Além de continuar no ofício, revende peças de outras artesãs, a exemplo das seis irmãs. Entre os artigos, blusas, saídas de banho, toalhas de mesa e bandeja.
Agradecida
Olinda é dessas pessoas que enxergam longe, apesar da perda da visão do olho esquerdo por conta de um câncer, em 2005. Dos anos para trás, lembra o sofrimento de até ter passado fome como forma de agradecer a Deus a vida que tem hoje. "Choro de felicidade. Sou muito feliz em ver meus filhos tudo criado e bem educado. Tenho 16 netos e uma casa boa, antes morava numa de taipa. Por meio do meu trabalho, consegui muita coisa", comemora.
Com Edmundo dos Santos, vendedor de água de coco, teve 10 filhos, oito vivos. A única mulher, Erivanda, é professora de Educação Física. Dos homens, dois são professores, dois, taxistas e três, bugueiros.
No box, conta com o auxílio da neta Naiane, 18 anos, criada por Olinda desde os três, após a morte da mãe. "Ela sabe fazer renda, mas prefere se dedicar à faculdade de Educação Física", orgulha-se a rendeira, que cursou até a 5ª série do primário. E completa: "o dinheiro que ganho aqui ajuda a pagar os estudos da minha neta".
Aposentada e católica, Olinda só para no domingo. Em definitivo, nem pensar: "Só quando eu morrer. Mesmo assim, desejo que meu manto seja todo feito de renda de bilro".
No capricho de Zeta
Fazer o desenho, furar o papelão, tecer a renda, engomar e passar. O trabalho de Maria José do Nascimento Silva, a dona Zeta, 60 anos, é completo e perfeito. Residente no distrito de Juritianha, em Acaraú, Litoral Oeste, ela coordena um grupo de 20 rendeiras, sendo responsável pelo controle de qualidade das peças. Cada uma mais bem feita que a outra.
Tanta experiência não é por acaso. Zeta começou a fazer renda aos cinco anos, tendo a mãe, Rita, como professora. Inicialmente, aprendeu o modelo "bebezinho". E assim foi crescendo, aprimorando o ofício. Hoje até ministra cursos.
Quando não estava na roça, ajudando os pais, se dedicava à almofada. "Na época, dona Luiza Távora, primeira-dama do Ceará, começou a incentivar o artesanato, e passei a fornecer para a Central de Artesanato".
Jovem namoradeira, casou com um primo legítimo aos 24 anos. "Desde os 16, palestrava com alguns rapazes. Mas não era como esses namoros de hoje, que já começam escandalosos", relembra.
Além da renda, Zeta tem outra paixão: os 13 netos, com idade entre nove meses e 13 anos, que praticamente moram com ela. O carinho e a paciência com eles têm razão de ser. Do casamento com o agricultor Manoel não gerou filhos. "Meu sonho era ter dez. Não sei se era eu ou ele que não podia. Nunca procuramos a causa para nenhum ficar triste e com desgosto", afirma, lembrando que adotaram dois: Zilma, também rendeira, e Antônio.
Numa casa de tijolo, ainda sem reboco, de seis compartimentos, Zeta vive com simplicidade. O casal possui um sítio onde planta milho, feijão e mandioca. Pelo menos, três vezes por ano, dedica-se à farinhada, prática comum entre os trabalhadores rurais, valorizada até hoje pela rendeira.
Da roça para a almofada, a mudança é grande. Mesmo assim, não perde o fio da meada. Feito, principalmente, de linha fina, o seu artigo leva mais tempo para ser concluído e, por isso, tem valor agregado.
Quando chegamos a sua casa, ela estava envolvida na finalização de uma toalha de banquete, com 3,5 por 2 metros. Sob encomenda, a peça foi feita em tiras por 12 rendeiras e custa R$ 1.900,00, valor dividido entre elas. "Se apenas uma de nós se meter a fazer, não consegue terminá-la em menos de um ano", calcula a rendeira, que apura por mês, em média, R$ 100,00.
Exclusivo
Um dos orgulhos de Zeta é o desenho exclusivo que conseguiu desenvolver do perfil de Nossa Senhora a partir de uma fotografia. Agora, faz com facilidade e ensinou a outras artesãs. "Foram sete dias para eu tomar jeito. Quase endoideço, mas consegui", diz.
E assim ela vai se dedicando ao ofício. "Eu costurava, porém abandonei a máquina para ficar só na renda. Sinto muito prazer quando as pessoas elogiam o trabalho do nosso grupo", afirma a artesã, que cursou até a 5ª série primária. Seu exemplo contagia uma das netas, Thais, 13 anos, que promete dar continuidade à tradição em Juritianha. "Eu já faço renda e vou aprender a desenhar", revela a garota.
Com vista privilegiada
Da varanda de sua casa, no alto de um morro, ela tem o privilegio de apreciar a paisagem litorânea da Praia da Baleia. É lá também que Ivanilda Holanda, 32 anos, no ofício desde os 10, produz sua renda.
O turismo local motivou a fundação da Associação das Artesãs da Praia da Baleia, há 10 anos. A prioridade é o trabalho com a linha fina, que dá forma a toalhas e centros de mesa, entradas de banho, jogo americano e outras peças para a casa.
"Acho o resultado mais bonito, porém é mais trabalhoso e demorado para ser feito do que com a linha tradicional", pondera a artesã.
Contudo, quando o design do produto ou o cliente exige uma linha mais grossa, Ivanilda se dedica com a mesma satisfação e cuidado. Casada com o pescador Carlos Antônio do Nascimento, 35 anos, tem três filhos, entre 8 e 14 anos. Além de artesã, mãe e dona de casa, voltou a estudar à noite e faz de tudo para não perder as aulas do 3º ano do ensino médio. "Levo até os meus filhos comigo quando meu marido está no mar".
Pela preservação das tartarugas
"Fui eu mesma quem fiz?" Essa é a indagação de Maria Irene da Silva Sales, 36 anos, toda vez que finaliza uma peça de renda de bilro. De tão bonita, nem acredita ser fruto das próprias mãos. Mas é a pura verdade para Irene e mais 19 mulheres de pescadores da Praia de Almofala, em Itarema, Litoral Oeste. Elas integram a iniciativa do Projeto Tamar/Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade que, desde 1999, valoriza as rendeiras locais.
Irene tinha dez anos quando fez renda pela primeira vez, iniciada pela mãe Maria Eliete, 51 anos, também do projeto. "Parei por algum tempo e voltei a tomar gosto pela almofada quando o grupo começou. Trabalho quatro horas por dia", diz.
Na produção exclusiva, há toalhas de lavabos e panos de bandeja com desenhos de tartarugas marinhas, símbolo do projeto que luta pela preservação do animal. As peças também podem ser encontradas nas lojas do Tamar em estados como Bahia e São Paulo.
Conquistas
Casada há 16 anos, a rendeira mora com o marido, o pescador José Genário do Nascimento, e os três filhos adolescentes, na localidade de Saquinho. A casa de cinco cômodos ainda não está rebocada, porém é própria. "Construímos, em boa parte, com o dinheiro da minha renda. Ele também me ajuda nas despesas de casa, pois meu marido não tem salário certo e chega a passar um mês no mar pescando lagosta".
Para o futuro, deseja que os filhos continuem os estudos e consigam um bom emprego. "Que eles tenham a oportunidade que não tive, pois só cursei até a 5ª série". No entanto, não reclama do ofício. "Com o artesanato, minha vida melhorou muito. Tenho orgulho dele". O exemplo, contudo, dificilmente será seguido pela filha Amanda, 15 anos: "Ela não quer aprender, nunca nem tentou. Deixo que ela mesma escolha qual profissão deseja seguir".
Peças com novo design
"Eu agora sou - como é que se diz? - designer de rendas de bilro", define-se Ana Maria André Alves, 47 anos, residente na Praia da Baleia, em Itapipoca. Rendeira, ela já foi presidente da Associação das Artesãs da Praia da Baleia e, atualmente, dedica-se a criar desenhos para rendas feitas com linha fina.
Defensora dessa inovação no tradicional ofício, já fez cursos de aperfeiçoamento pelo Sebrae e pela Ceart, assim como passou a ministrá-los. "É um diferencial e podemos ganhar um pouco mais de dinheiro. "Ana das rendeiras", como é conhecida, já foi a várias feiras divulgando o produto local. Em 2008, esteve em Brasília, onde conta ter feito sucesso por usar um vestido com o artesanato genuinamente cearense.
Ana Maria estudou até a 4ª série, o que julga suficiente para se manter. Casou há 18 anos com o pescador Francisco Inácio e tem sete filhos: "É até pouco, minha mãe gerou 16", compara. Para ajudar nas despesas de casa, ainda trabalha como diarista em casas de veraneio. "Dizem que minha peixada é muito boa".
No Litoral Oeste, a tradição da renda de bilro permanece viva em várias cidades. No entanto, é mais raro encontrar quem trabalhe com a linha fina, matéria-prima usada por rendeiras entrevistadas em Acaraú, Almofala e Baleia
Desenhista da almofada
Por trás de toda a renda de bilro sempre tem um desenho, uma inspiração. Na maioria das vezes, as rendeiras compram os riscos prontos para colocar na almofada. Na Prainha, em Aquiraz, Elisabete de Castro, a Betinha, 54 anos, é uma dessas artistas. Por meio de sua habilidade e paciência, cria e vende os desenhos pelo valor, em média, de R$ 5,00. Confessa preferir fazer a renda, mas como são poucas as mulheres que se dedicam a essa etapa, o jeito é mesmo criá-los. E como são interessantes!
Segundo a artesã, é preciso ter muito cuidado para não comprometer a trama. Para começar o ritual criativo, ela risca no papel, depois repassa para o papelão e, por último, perfura o mesmo. Esse é fixado com espinhos de mandacaru na almofada. Com a linha e os bilros em mãos, o trabalho começa a ser executado.
Betinha revela ter feito diferentes desenhos. A partir deles já criou biquínis, bolsas, borboletas e até uma vela de jangada. Suas peças são comercializadas no Centro das Rendeiras da Prainha, onde também desenha, faz renda e atende aos clientes.
O som da família Paiva
A monotonia Maria Ecelsa, 45, e Maria Liduina, 36, aprenderam a arte com a mãe, Raimunda, já falecida. Francisca, surda-muda, tem a fama de ser a mais rápida. Sua sobrinha Catarina, 9 anos, é outro destaque. Na almofada, a garota exibe parte da renda que está produzindo para si mesma.
A família continua trabalhando com a linha tradicional, pois nenhuma delas se adaptou com a fina, embora tenham feito até cursos com a inovação. Além de levar mais tempo, avaliam que o preço pago pela peça com essa matéria-prima não compensa. Uma toalha de bandeja demora 30 dias para ficar pronta e custa R$15,00. "Ninguém consegue viver desse jeito", diz Ecelsa.