terça-feira, 5 de abril de 2011

Quando a política interfere nas ações de desenvolvimento e inclusão

Leiam também artigo de minha autoria que fala sobre a experiência de Muhammad Yunus "Desenvolvimento, Liberdade e Paz", publicado em livro e reproduzido no Blog do Semiárido - http://nossosemiarido.blogspot.com/2009/10/cultura-de-paz.html



Vencedor do Nobel, Yunus não poderá voltar a banco que criou

Fundador do Grameen Bank perde apelação para dirigir maior banco de microcrédito do mundo, que chega ao Brasil em momento crítico

Olívia Alonso, iG São Paulo | 05/04/2011 11:50
O ganhador do prêmio Nobel Muhammad Yunus perdeu nesta terça-feira sua apelação final no Supremo Tribunal de Bangladesh para tentar reverter sua demissão do banco de microfinanças que criou, o Grameen Bank. Segundo a BBC, o tribunal confirmou a decisão do Banco Central daquele país de tirá-lo do cargo, já que ele estava ocupando a diretoria da instituição ilegalmente desde quando completou 60 anos. Yunus, no entanto, defende que a tentativa de removê-lo do banco teria motivações políticas.
A tentativa foi a última opção legal de Yunus para tentar manter seu cargo de diretor do Grameen Bank. Em março, a alta corte do tribunal de Bangladesh decidiu que a demissão foi legal. 
Foto: Getty ImagesAmpliar
Afastamento de Muhammad Yunus pode fazer Grameen perder admiradores
O Grameen Bank, mais famoso banco de crédito para baixa renda do mundo, finalmente chegou ao Brasil, mas escolheu este momento delicado. Há meses, a instituição vem sendo bombardeada por críticas no exterior. A principal polêmica no momento é justamente o afastamento de seu fundador, Muhammed Yunus, no início de março.
Yunus é uma figura carismática e inspiradora. Há 30 anos, ele fundou o Grameen. Em 1996, levou o Prêmio Nobel da Paz por sua iniciativa e seu trabalho no comando da instituição. “Sem ele, fatalmente o Grameen vai perder um pouco da graça, deixa de ser tão inspirador”, diz Marcelo Azevedo Teixeira, gerente de Ambiente do Banco do Nordeste, maior instituição de crédito produtivo para baixa renda do Brasil.
A justificativa do governo de Bangladesh - que detém 25% do banco e determinou a destituição do banqueiro - foi a idade. Yunus tem 70 anos e, segundo os governantes, estava ocupando a diretoria da instituição ilegalmente desde quando completou 60 anos.
Analistas de microfinanças afirmam o afastamento de Yunus está relacionado à antipatia que o primeiro-ministro de Bangladesh, Sheikh Hasina, nutre em relação ao banqueiro. “É uma questão política,” diz Lauro Gonzalez, professor da FGV e Coordenador do Centro de Estudos de Microfinanças da instituição, que comenta informações divulgadas no exterior. Segundo a mídia indiana, Hasina ficou incomodado quando, em 2007, Yunus teve uma passagem pela política e anunciou que lutaria contra a corrupção. Na ocasião, o Nobel da Paz tentou criar um partido político, que não deu certo.
Descontente com o afastamento, Yunus recorreu da decisão no Supremo Tribunal Federal de Bangladesh, que já realizou uma primeira audiência em 15 de março e outra nesta terça-feira, 29 de março. A apelação final ocorreu hoje.
Em entrevista ao jornal Wall Street Journal antes de perder a apelação, Yunus afirmava que gostaria de permanecer no banco como presidente do conselho, “para garantir uma transição suave da liderança ao seu sucessor na direção da instituição e proteger os mais de 8 milhões de clientes.”Nesse meio tempo, organismos internacionais pressionaram Bangladesh. Na última semana, Robert Blake, secretário adjunto de Estado dos Estados Unidos, disse a jornalistas que os EUA cortariam seus laços com o país caso não houvesse um “comprometimento” por parte do governo com Yunus.
A implicância de Hasina com Yunus também foi evidente em pelo menos outros dois momentos. No fim do ano passado, o primeiro-ministro acusou os bancos de crédito para baixa renda de “exploradores dos pobres”. Meses antes, ele havia afirmado, em Bangladesh, que Yunus e o Grameen Bank seriam investigados por desvio de dinheiro. Na ocasião, um documentário de uma rede de televisão internacional sugeriu que o banqueiro teria camuflado uma doação do governo da Noruega para evitar ter de pagar impostos.
Suicídios
Além da questão política envolvendo Yunus, os bancos de crédito para baixa renda também estiveram sob os holofotes no ano passado na Índia, após suicídios de devedores. Diversos estudiosos e críticos de todo o mundo passaram a condenar o método das instituições, incluindo o Grameen Bank.
Na maioria dos bancos de microcrédito – como são chamadas as instituições que emprestam dinheiro para a população de baixa renda – a cobrança não é necessária, já que o desejo de serem bem vistos pela sociedade leva os devedores a pagar suas dívidas. Este modelo funciona bem, segundo os banqueiros, pois ninguém quer ser visto como caloteiro. As taxas de pagamento são altas, em média, superiores a 97%.
Foto: Greg Salibian/iGAmpliar
Para Lauro Gonzalez, da FGV, casos de suicídio não afetam imagem do Grameen Bank
No entanto, no início deste ano, a organização indiana Sociedade para Eliminação da Pobreza Rural reportou que cerca de 70 clientes de instituições indianas teriam se matado pois não conseguiram honrar seus compromissos. Os critíticos diziam que o modelo do Grameen Bank, que foi replicado em diversas outras instituições, era falho, pois acabava gerando uma insuportável pressão social.
No entanto, investigações mostraram que as histórias de suicídio aconteceram com clientes de instituições que não seguiam o modelo do Grameen. Segundo Gonzalez, da FGV, esses bancos cobravam juros altos. Além disso, cobravam os clientes. “São bancos que não conseguiram o equilíbrio necessário entre o objetivo econômico, de gerar resultado para pagar o custo do capital, e o social, de atender à comunidade. Na busca por escala e rentabilidade talvez tenha havido um desequilíbrio nessas instituições.”
Os bancos cujos clientes suicidaram cobravam juros bem mais altos do que a média do segmento – no Grameen, por exemplo, as taxas variam de zero a 20% ao ano, dependendo da categoria do empréstimo. Em geral, as instituições recebem capital de instituições ligadas aos governos ou doadoras a juros baixíssimos e cobram pouco dos tomadores. O Banco Palmas, que é um exemplo de sucesso no Brasil, cobra, em média, 1,5% ao mês de juros sobre o capital emprestado para produção. Segundo Joaquim Melo, fundador do banco, uma parte dos recursos vem do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que cobra um juro de, em média, 0,8% ao mês.
Imagem
O Grameen, que anunciou o início de suas operações no Brasil em 15 de fevereiro, fez pouca divulgação no País e, por enquanto, não comenta suas atividades. Procurada pelo iG, a advogada Marina Procknor, do escritório Mattos Filho, que representa a instituição, disse que prefere aguardar um pouco para dar detalhes do da atuação em solo brasileiro.
Para Gonzalez, as confusões em torno da instituição no exterior não devem afetar a imagem do banco do Brasil. “A questão que envolve o afastamento do Yunus é política, e os casos de suicídios não têm relação alguma com o Grameen.”
Aldeia
Criado em 1976 por Muhammed Yunus como um projeto de crédito para população rural de Bangladesh, o Grameen (que significa "aldeia" ou “rural” na língua bangla), foi transformado em banco em 1983. Em 1996, Yunus ganhou o Nobel da Paz pelo projeto. Atualmente, a instituição tem cerca de 2.600 agências, mais de 8,3 milhões de clientes – sendo 97% mulheres - e depósitos totais de US$ 1,5 bilhão (R$ 2,5 bilhões).

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