domingo, 10 de outubro de 2010

Artigo de Suely Chacon para o Caderno Especial do Jornal O Povo durante o ICID+18

POLÍTICAS PÚBLICAS E SUSTENTABILIDADE NO SEMIÁRIDO (*)

Suely Salgueiro Chacon[1]

A história do Semiárido poderia ser contada a partir da forma como o meio ambiente foi visto, tratado e usado pelos que detinham o poder político na região. A seca foi um mote recorrente para definir ações que se modificavam ao longo do tempo, conforme a visão política se adequava às tendências. O exame da sustentabilidade do Semiárido em todas as suas dimensões revela a intricada teia de relações traçada entre o uso político do meio ambiente e suas conseqüências sociais e econômicas. Considerando essa premissa, a discussão sobre os impactos das mudanças climáticas para o Semiárido e a sustentabilidade dessa região passa pelo entendimento de como as políticas públicas tem tratado esse fenômeno na região.
Para situar o leitor, começamos com algumas informações sobre esse espaço que estamos analisando. O Bioma da Caatinga, que abriga o Semiárido, é considerado uma das 37 regiões naturais do planeta. Isto é, a Caatinga ainda abriga pelo menos 70% de sua cobertura vegetal original, e por isso é estratégica no contexto das mudanças globais, pois pode ajudar na preservação da biodiversidade do planeta. Recentemente, em junho de 2010, reconhecendo a importância desse Bioma, o governo brasileiro o declarou Patrimônio Natural do país.
O Semiárido brasileiro ocupa 12% do território nacional, possuindo mais de 1.133 municípios e uma população em torno de 22,5 milhões de habitantes, tornando-o a área mais povoada dentre as zonas áridas e semiáridas do planeta, provocando uma alta densidade demográfica e gerando uma maior vulnerabilidade para este espaço. A relação entre os efeitos das mudanças climáticas e o aumento da fome e da pobreza é fortemente ressaltada nesse contexto.
Esse cenário deixa clara a importância de iniciativas públicas para minimizar os impactos já perceptíveis das mudanças climáticas, bem como impedir que se agravem e se perpetuem ações que ameaçam esse espaço, como os desmatamentos e as tradicionais queimadas na região.
No entanto, apesar da fragilidade do Semiárido diante das mudanças climáticas, se buscarmos compreender como Estado tem lidado com essa questão, percebemos que pouca ênfase tem sido dada a esse pedaço do Brasil. A grande visibilidade mundial da Amazônia fez com que durante muito tempo as políticas públicas ambientais tenham concentrado recursos e interesses nessa região, em detrimento de um cuidado adequado com as demais regiões do país, em especial com o Semiárido.
Embora algumas ações pontuais tenham sido desenvolvidas, só recentemente observamos uma mobilização mais efetiva do Estado em prol da organização institucional para a criação de políticas ambientais voltadas para o Semiárido. Nesse sentido vale fazer alguns destaques. O Sistema Embrapa tem gerado relevante contribuição aos estudos das mudanças climáticas no Brasil e, em especial, do Semiárido. O Banco do Nordeste do Brasil passou a exigir cuidados ambientais para liberar recursos e tem incentivado diversas pesquisas relacionadas com a temática no Semiárido.  Duas importantes iniciativas geram efeitos diretos para o Semiárido: a criação do Instituto Nacional do Semi-Árido (INSA) e a elaboração do Programa de Ação Nacional de combate à desertificação e mitigação dos efeitos da seca – PAN Brasil, em 2004. E uma ação importante para tratar dos impactos das mudanças climáticas no Semiárido ocorreu mais recentemente, em 2010, com a criação do Fundo Caatinga. Em termos de ações públicas voltadas para a problemática das Mudanças Climáticas como um todo, destacam-se a criação do Painel Brasileiro sobre Mudanças do Clima, da Rede Clima, em 2007. E em dezembro de 2009 o Congresso Nacional aprovou a lei que instituiu o Fundo para Mudanças Climáticas.
Mesmo com um relativo aumento do arcabouço legal e da consciência em torno das conseqüências das mudanças climáticas no Brasil, ainda caminhamos a passos lentos. E o fato é que o Semiárido é uma das áreas mais afetadas do território brasileiro, com perspectivas de agravamento dos problemas gerados pelas mudanças climáticas na região. Mesmo assim ainda não dispõe de recursos suficientes para tratar adequadamente desse problema.
Nesse contexto, é importante ressaltar a necessidade de inserir essa discussão nos programas e propostas que visem o desenvolvimento do Semiárido, envolvendo também de forma decisiva a população. Para a promoção da sustentabilidade do Semiárido, precisamos de políticas que incentivem pesquisas para melhor conhecer o meio ambiente na região, quais os reais impactos das mudanças climáticas, quais os movimentos já existentes de adaptação às novas condições e quais as melhores práticas e ações de mitigação. E para tanto as políticas públicas são fundamentais, pois garantem os recursos e as condições necessárias para efetivar ações nesse sentido.


(*) Caderno Especial do Jornal O Povo durante o ICID+18. Fortaleza, 16 de agosto de 2010.
[1] Doutora em Desenvolvimento Sustentável. Professora da Universidade Federal do Ceará – Campus do Cariri. Coordenadora do Laboratório de Estudos Avançados em Desenvolvimento Regional do Semiárido (LEADERS). Pesquisadora da Rede Clima/Universidade de Brasília. Diretora Executiva da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. E-mail: suelychacon@ufc.br

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