segunda-feira, 4 de outubro de 2010

História do Ceará

SEGUNDO REINADO

Coletânea resgata legado da Comissão Científica no Ceará

3/10/2010 Clique para Ampliar
Acampamento da Comissão Científica durante as incursões pelo interior do Ceará
FOTOS: REPRODUÇÃO

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Pintor da expedição, Reis Carvalho registrou em aquarela aspectos do cotidiano dos sertanejos
Publicado em 2009, o livro reúne trabalhos de cinco pesquisadoras, com foco no campo da história das ciências

Fortaleza. "É necessário ter muito pouco conhecimento do físico da Capitania do Ceará para duvidar das imensas vantagens que ela pode produzir em utilidade dos seus habitantes, aumento do seu comércio e prosperidade geral do Estado". Imbuídos pelas palavras do naturalista João da Silva Feijó, que aqui esteve em 1814, os membros da Comissão Científica de Exploração das Províncias do Norte chegaram em Fortaleza em 4 de fevereiro de 1859, a bordo do vapor Tocantins.

Por aqui os científicos permaneceriam até 13 de julho de 1861. Realizaram incursões pelo interior a fim de promover o mapeamento botânico, geológico, etnográfico, astronômico e geográfico de um Brasil desconhecido de si mesmo, na primeira expedição científica composta, exclusivamente, por pesquisadores brasileiros.

Passados 151 anos do início da expedição, a importância da viagem parece subestimada, assim como as potencialidades do Ceará o foram à época de Feijó. Em parte pelas críticas e cortes orçamentários que sofreu e pela esparsa divulgação dos resultados após o retorno à Corte, o legado das pesquisas realizadas no Ceará ainda carecem de um estudo mais aprofundado e interdisciplinar.

Uma tentativa de incentivar esta pesquisa é o livro "Comissão Científica do Império, 1859-1861", organizado pela historiadora Lorelai Kury, pesquisadora e professora da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz).

"Hoje já existem bons trabalhos sobre a Comissão Científica, mas a maioria encontra-se espalhada e acessível a um público restrito. Perdemos uma grande oportunidade em 2009, com os 150 anos do início da expedição. Poderíamos ter divulgado o conjunto dessas pesquisas com um grande seminário. Acredito que ainda falta uma avaliação mais global sobre o tema, porque a Comissão Científica abre possibilidades para pesquisadores de diversas áreas, desde estudos biográficos dos membros da expedição até uma avaliação ampla do que foi essa viagem exploratória", opina.

Segundo Lorelai Kury, a ideia de uma publicação surgiu a partir das pesquisas para as exposições "O Brasil Redescoberto" e "A Ciência das Viajantes", realizadas em 1999 e 2001, respectivamente. O livro centra foco no campo da história das ciências naturais, trabalhando os resultados científicos mais evidentes trazidos pelos membros da Comissão Científica, em especial os aspectos botânicos, geográficos, zoológicos e etnográficos (com o estudo das populações indígenas locais e do Norte).

Apesar de reunir textos inéditos de cinco pesquisadoras, Lorelai Kury explica que o grupo foi reunido a partir da experiência no trato com os temas que abordam, proporcionando uma visão de conjunto da Comissão. "Tentamos reunir não a totalidade dos resultados, mas o máximo de um panorama dentro dos estudos já desenvolvidos por mim e pelas demais pesquisadoras, que se apresenta de forma homogênea. Mas ainda há lacunas, como a parte astronômica e antropológica, áreas muito específicas e que ficaram a descoberto neste trabalho. Mas acreditamos que o livro pode servir de ponto de partida para quem deseja desbravar o tema".

Registro imagético

Apesar de ricamente ilustrado, outra lacuna apresentada pela organizadora da publicação é a ausência de uma análise mais detida em relação à parte iconográfica da expedição. O registro imagético foi uma preocupação premente da expedição, a fim de garantir o registro de formações rochosas, arquitetura, paisagens, espécies da fauna e da flora cearense, além de usos e costumes das populações que aqui viviam.

Os recursos incluíam desde fotografias (perdidas num naufrágio), desenhos do botânico Francisco Freire Alemão (que comandava a expedição), litografias de artefatos indígenas da região amazônica coletados por Gonçalves Dias (chefe da seção Etnográfica), gravuras dos pássaros caçados no Ceará por Manuel Ferreira Lagos (seção Zoológica) e as aquarelas produzidas por José dos Reis Carvalho, pintor oficial da Comissão Científica.

"O que se pode depreender desse esforço é que provavelmente havia a pretensão de se produzir, a partir do que foi pesquisado no Ceará, um grande atlas ilustrado, nos moldes dos livros de viagem publicados por Carl Von Martius e outros. Porém, eles não tiveram oportunidade", argumenta Lorelai. 

O escritor Domingos Olímpio cita em "Luzia-Homem" a passagem da Comissão na Região Norte. Os cientistas previram que não iria chover numa certa noite, contrariando o sertanejo que os abrigava. Enquanto dormiam na varanda, ficaram molhados com a chuva. Na época, muitos criticaram a utilidade da expedição.

Nos diários de viagem, Freire Alemão coloca as dificuldades para se obter comida e água de qualidade. Ele confessa ter sofrido enjoos e disenterias por conta disso. Também anota hábitos considerados estranhos, como crianças andando nuas em Pacatuba e a violência no trato com os escravos

FIQUE POR DENTRO

Histórico

A Comissão Científica de Exploração tinha como meta inventariar os recursos naturais do Império recém constituído. Patrocinada por D. Pedro II, era chefiada por alguns do principais cientistas brasileiros do período, que buscavam estabelecer uma ciência nacional. A ideia inicial era devassar as províncias do Norte brasileiro, mas a falta de verbas e os questionamentos em relação à validade do projeto fizeram com que o trabalho ficasse limitado ao Ceará.

MAIS INFORMAÇÕES: 
Livro Comissão Científica do Império, 1859-1861
Organização: Lorelai Kury
Editora Andrea Jakobsson Estúdio

Karoline Viana
Repórter

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