Em outubro último participei de importante seminário promovido pelo Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento, na sede do BNDES, no Rio. O evento, em parceria com o CPDA (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e pesquisadores franceses, versou sobre “Segurança energética e segurança alimentar”, encerrando-se com marcante conferência do Prof. Ignacy Sachs (Sorbonne). Bem conhecido no Brasil, Sachs falou sobre “Rumo à civilização verde”, argumentando em torno do papel no mundo atual das energias de biomassa. Na sua visão, essas energias não darão contribuição de peso para a segurança energética. A razão é simples: a natureza impõe um limite ao que se quer fazer em termos de produção de agrocombustíveis e alimentos. Nem existe água nem terra em quantidades suficientes para que se produzam tantos combustíveis de biomassa quanto se queiram. Um dado é claro: no mundo, se o número de automóveis aumentou, o de famintos, também (um problema decorrente de falta de poder aquisitivo, não de falta de comida). Para as camadas afluentes, os combustíveis destinam-se a manter padrões de consumo cuja fisionomia de esbanjamento é a marca do modelo econômico que vigora. Ao mesmo tempo, a energia nuclear não seria uma solução de longo prazo.
Resta como alternativa a adoção de sistemas integrados de produção de alimentos e energia, nos quais os resíduos do cultivo dos primeiros sejam aproveitados para a segunda (produção de etanol ou biodiesel, por exemplo). A valorização dos subprodutos da agricultura (bagaço, palha, cascas, caroços, galhos) daria ensejo ao que Sachs chama de segunda geração de biocombustíveis (a primeira é a dos biocombustíveis hoje conhecidos). Ao mesmo tempo, encontra-se em gestação uma promissora terceira geração, com base nas microalgas e algas (de altíssimo teor energético e que se reproduzem com enorme rapidez). Porém, a grande mola da civilização verde terá que ser uma significativa mudança nos padrões de consumo que nos leve à economia de baixo carbono. Nessa perspectiva, o traço decisivo é o de um paradigma de “sobriedade energética” implicando mudanças nos padrões de transporte, habitação e urbanização. Não faz sentido, com efeito, que na economia de baixo carbono (como a que se pensa delinear em Copenhague, em dezembro próximo), continue prevalecendo a fisionomia atual, com o automóvel como meio de transporte da sociedade moderna (não em todo o mundo), em prejuízo de quem mora em periferias sem bons sistemas de transporte público.
A produção do agronegócio brasileiro, que se expande com enorme rapidez no Cerrado e bordas da Amazônia, justifica-se em grande parte pela economia dos biocombustíveis. Não pode estar aí, porém, o futuro do país, sobretudo quando se sabe da gravidade e das ameaças relativas à mudança climática. A crise mundial, ainda não superada – apesar da sensação de que o Brasil estaria passando ao largo dela –, deve ser uma oportunidade para se mudar de curso. Voltar a fazer a mesma coisa (mais do mesmo, como no caso dos Estados Unidos, salvando-se bancos e estimulando-se a economia), não dá. O Brasil, segundo Sachs, tem posição privilegiada no contexto mundial, graças a cinco atributos do país, por ele identificados: biodiversidade, floresta amazônica, diferentes biomas, suprimento favorável de água (à exceção do semi-árido) e comunidade científica preparada. Mas será que isso gera mais capital político do que fazer promessas mirabolantes com base no pré-sal? De qualquer modo, julga Sachs, o rumo da civilização verde significa trocar refinarias de petróleo por bioprodutos e captação de energia solar. Nisso, o Brasil tem excelente potencial.
Publicado no Jornal Diário de Pernambuco. Recife, 1 de novembro de 2009.
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