quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Cultura de Paz




O texto abaixo, escrito por mim, foi publicado no Livro "Cultura de Paz: do conhecimento à sabedoria", organizado por Kelma Socorro Lopes de Matos, Verônica Salgueiro do Nascimento e Raimundo Nonato Júnior. Fortaleza: Edições UFC, 2008.


DESENVOLVIMENTO, LIBERDADE E PAZ
Por Suely Salgueiro Chacon

INTRODUÇÃO

Este artigo parte do pressuposto que os conflitos em grande parte têm hoje sua origem na total falta de respeito pela vida humana, e na conseqüente exclusão de uma parcela cada vez maior da população dos sistemas social, político e econômico em todo o mundo. A pobreza extrema, a fome e a falta de liberdade, vista inclusive como falta de acesso aos serviços básicos e às informações, são algumas das características comuns de pessoas excluídas não só no Brasil e em outros países da América Latina, da África e da Ásia, mas também na América do Norte e Europa, consideradas regiões mais ricas.

A superação desse estado de coisas deve ser precedida por uma ampla revisão nos processos de desenvolvimento de todos os países. A chamada “globalização” possibilitou um crescimento do poder econômico em todo mundo, e ao mesmo tempo em que concentrou mais riquezas nas mãos de poucas pessoas em determinados espaços. O dinheiro passou a se reproduzir sem qualquer base produtiva real. E embora a renda crescesse em todo mundo, os empregos sumiam numa velocidade superior à capacidade de governos e pessoas se adaptarem às novas tecnologias e às novas relações surgidas no âmbito do mercado financeiro.

Para encontrar alternativas a esse processo não se pode pensar hoje em desenvolvimento sem pensar na perspectiva da paz, e da recuperação do sentido maior de ser humano, das relações entre os seres, do respeito pela vida em sua mais ampla concepção. Ou seja, em todo o mundo os fazedores de políticas, os cientistas e cada um de nós precisa repensar suas prioridades e atitudes, se colocando em uma nova perspectiva de relação com os demais seres.

Lições positivas que mostram a viabilidade dessa mudança existem de várias formas, com base em diferentes iniciativas, mas aqui buscamos entender as idéias revolucionárias de dois economistas: Amartya Sen e Muhammad Yunus. Eles ensinaram ao mundo que não pode haver desenvolvimento real se existe parte substancial da população excluída do crescimento econômico e, por conseqüência, destituída de seus direitos como seres humanos, e seres políticos inseridos em uma sociedade, não apenas em um “mercado”.

É peculiar estudar o resultado da implementação de suas idéias, pois a economia como ciência vem há muito tempo articulando maneiras de respaldar o crescimento econômico, sem tanto se preocupar com sua adequada distribuição.

Amartya Sen e Muhammad Yunus resgatam os fundamentos dessa ciência que sempre teve em seu cerne a preocupação com a melhor distribuição dos recursos escassos, de modo a atender as necessidades de todos. Mas que se desviou desse objetivo essencial para criar modelos que legitimassem ideologias baseadas na competição e na exploração entre os seres humanos, exclusivamente.

Assim, partindo da premissa de que a ciência tem a responsabilidade de contribuir para a melhoria da vida de todos, e não apenas de alguns, a economia pode ser vista de uma nova perspectiva, e viabilizar novas propostas de crescimento econômico sem exclusão, com base na solidariedade e na Paz.

Para discutir essas idéias este artigo se divide em duas partes. Antes de conhecermos no segundo tópico as idéias de Sen e Yunus, um primeiro tópico procura deixar claro a base de nossa argumentação: o homem precisa se enxergar como uma espécie, e ser solidário aos seus semelhantes. Só assim encontraremos o caminho para que as relações humanas se transformem e vivamos uma nova cultura de Paz.


1 NOVAS POSSIBILIDADES PARA A CIÊNCIA

A principal indagação para que nos percebamos como espécie é: o que é ser humano? Essa simples interjeição nos leva a uma profunda reflexão sobre o que temos feito com nossa casa, o Planeta Terra. O homem foi se distanciando da sua real condição de ser pertencente a uma espécie, a espécie humana, que habita na natureza e dela faz parte. Achando-se acima de tudo e de todos, inclusive de seus semelhantes, o homem foi instituindo um “reinado” que privilegia a sensação de ter, em detrimento da plenitude do ser.

Segundo Arendt (1997: Cap. 1), seremos sempre seres humanos, onde quer que estejamos, mas a condição humana nos é dada pela natureza, que condiciona nossa existência, permitindo nossa sobrevivência na Terra. Essa é uma constatação tão óbvia que nos tem passado despercebida e seguimos destruindo o que nos sustenta e, concomitantemente, nos destruindo.

Nós precisamos (re)aprender a olhar a natureza e descobrir as respostas para nossas angústias de “seres modernos”, tecnológicos e solitários. A natureza está gritando, querendo mostrar-nos como podemos ser felizes simplesmente e viver em harmonia, em paz, e ainda usufruir de tudo que a inteligência humana criou, sem precisar devastá-la, nem deixar tantos de fora dos benefícios do progresso.

Ao longo da história, os diferentes modos de produção foram fortalecendo a exploração e a dominação da natureza pelo homem e do próprio homem pelo homem. (Ostrovitianov, et al, 1972) Aí está o cerne de toda a crise de valores que vivemos hoje, da violência, dos conflitos banais. E é com a superação desse modelo que podemos buscar novas possibilidades de promover a Paz.

Se, de um lado, o homem evoluiu extraordinariamente em termos científicos e tecnológicos, de outro teve uma involução do ponto de vista social e ambiental. Nunca houve na história uma parcela tão grande da população mundial vivendo em tão grave estado de miséria, fome, humilhação e exclusão, sem perspectivas de encontrar uma forma digna de vida, ou mesmo de sobrevivência.

Centrou-se toda discussão sobre desenvolvimento na perspectiva econômica, deixando-se de lado a essência de tudo: o próprio ser humano e a natureza, responsável pela vida. É certo que o crescimento econômico, aliado a evolução científica e tecnológica, é um ponto chave para melhorar a qualidade de vida. Porém, um crescimento concentrado, direcionado para poucos, que deixa de fora a maior parte da população e destrói a natureza não pode garantir um processo de desenvolvimento justo e harmonioso.

O homo faber, fazedor e fabricante, não tem tempo para contemplar a natureza, pois isso não está de acordo com o “princípio da utilidade” (Arendt, 1997: 318). O pescador moderno, por exemplo, não precisa mais conhecer o mar e o céu, ele tem muito aparelhos para fazer isso por ele, ele é um ser tecnológico bem equipado, não tem tempo de conhecer os segredos do céu e por eles se guiar. Por isso também prefere técnicas que permitam uma captura rápida da sua mercadoria (o peixe, um ser vivo que precisa se reproduzir), não importando se pequenos peixinhos e outros espécimes venham junto e morram, eles não têm utilidade...

A discussão aqui proposta busca evidenciar as novas propostas de entender o mundo que começam a tomar forma e força, especialmente no âmbito da ciência econômica. É importante lembrar que estamos discutindo no âmbito das relações sociais em um espaço “globalizado”, mediado por processos informacionais intensivos em tecnologia (Chacon e Chacon, 1998). As mudanças tecnológicas que permitiram essa desconfiguração econômica e social e os conflitos que estamos presenciando hoje se deram de modo rápido, não permitindo à sociedade armar mecanismos de proteção que permitissem sobreviver nesse novo contexto de exploração. A evolução cultural se dá de maneira mais lenta que a tecnológica.

As conseqüências desse “modelo” de existência foram se engendrando ao longo da história conhecida da humanidade, e se exacerbaram com as possibilidades ampliadas de consumo em massa. Na medida em que os bens se tornam descartáveis, o homem explora cada vez mais a natureza e seus semelhantes para garantir que uma minoria privilegiada possa acumular e consumir, enquanto a maioria da humanidade é cada vez mais excluída e explorada, assim como a própria natureza.

O aumento do desmatamento, a desertificação, a falta de água, as mudanças climáticas, bem como a fome a exclusão, a exploração irracional do trabalho humano, inclusive de crianças, a falta de respeito aos idosos e todas as formas de racismo e preconceito são exemplos do que nós mesmos fizemos ao nosso Planeta e aos nossos semelhantes. Isso tudo resulta em uma falta de liberdade cada vez maior para o ser humano. E liberdade significa mais do que não estar preso. Liberdade é também ter acessos, especialmente à informação que pode transformar a vida de cada um.

Assim como a falta de cuidado com o meio ambiente tem levado ao aumento das catástrofes ambientais, a incapacidade da economia tradicional de compreender as transformações ocorridas nas relações de produção levou ao surgimento de pessoas denominadas de desnecessários. Os desnecessários são pessoas que não conseguem participar do sistema produtivo nem mesmo de forma marginal. Eles não têm acesso ao mínimo necessário para se prepararem para realizar seja o que for para o seu sustento. Muitos não são nem mesmo considerados existentes. Não têm registro de nascimento, nunca estudaram, não têm informações ou esperança de encontrar uma vida digna. Pessoas esquecidas pelo sistema.

Ao longo da história da civilização, o papel da ciência tem sido cada vez mais o de legitimar esse processo exploratório e destrutivo. Contudo, cresce e ganha força a discussão no meio cientifico de novos modelos, alternativos e, acima de tudo, comprometidos com a responsabilidade real da ciência diante do mundo que herdamos, assumindo o compromisso de resgatar uma vida digna para todos, inclusive para as próximas gerações.

Algumas propostas vêm sendo discutidas e têm ganhado força na medida em que mais pessoas levantam a voz para mostrar que precisamos mudar nossa relação com a natureza e com nossos semelhantes. Acima de tudo, percebemos que uma só ciência não é capaz de produzir todas as respostas. E começamos um novo aprendizado: trabalhar juntos, de forma complementar e interdisciplinar. Esse é o cerne da proposta do desenvolvimento sustentável.

O desenvolvimento que seja sustentável enseja valores como justiça social, segurança ambiental e viabilidade econômica com adequada distribuição de renda. Vamos além quando ressaltamos pontos essenciais: a Solidariedade (entre os seres no presente e entre gerações) e a Participação (todos são responsáveis). Tudo isso se traduz pelo que denominamos de Ética do Outro. Ou seja, precisamos perceber nossa condição humana a partir do diálogo e da percepção das necessidades e anseios de nossos semelhantes. Quando conseguimos nos perceber no Outro, começamos a nos perceber como espécie. O ato de cuidar do Outro se tona natural. O resultado é benéfico para todos. (CHACON, 2007)

Esse contexto exige a adaptação das ciências tradicionais como a economia, que deve buscar novas formas de lidar com os desafios impostos pela rápida mudança global ocorrida, especialmente no sentido de incluir verdadeiramente a todos. Dentre as ações propostas para essa transformação, a ciência econômica começa a perceber que pode ser uma aliada na solução de problemas ambientais e especialmente na inclusão social. Os cientistas que defendem essa premissa têm desenvolvidos modelos que mostram novas possibilidades, dentre os quais se destacam a economia solidária e as teorias sobre a importância do desenvolvimento local e do desenvolvimento humano pleno. No próximo item veremos como idéias alternativas podem se tornar transformadoras quando postas em prática sem preconceito.


2 COMBATE À EXCLUSÃO, PROMOÇÃO DA LIBERDADE, DESENVOLVIMENTO E PAZ

Aqui conheceremos as idéias de dois economistas que escolheram entender as relações humanas e descobrir formas de contribuir para a erradicação da miséria, da fome e da exploração dos seres humanos. Ambos ganharam o Prêmio Nobel por seu trabalho. Um ganhou o prêmio de Economia, o outro o prêmio da Paz. Os dois ajudaram a transformar o modo de pensar de muitos e conseguiram por em prática suas idéias, criando uma nova visão para a ciência econômica e para a forma de fazer políticas públicas. Os dois contribuem para o desenvolvimento, para a ampliação da liberdade e dos direitos humanos e para a Paz.

Quando o professor de economia de Havard, Amartya Sem, ganhou o Prêmio Nobel de Economia, em 1998, potencializou a corrida para combater a pobreza e a miséria no mundo. Em 30 anos, foi a primeira vez que o prêmio de economia escolheu um trabalho voltado para a questão do bem-estar social.

As pesquisas de Sen têm como foco buscar evidências que tragam um novo entendimento do mundo sobre fome e miséria. Ele foge do pensamento econômico tradicional, que diz que a falta de comida é a questão fundamental da fome. Para Sen essa é uma visão simplificada e limitadora. Em seus estudos sobre os países pobres da Ásia e da África, ele percebeu que a falta de alimentos durante as crises de fome não era maior que em outras épocas. O mais surpreendente foi constatar que havia alimentos! O problema era que eles não estavam acessíveis a todos, pois as pessoas que passavam fome não tinham dinheiro para comprar comida.

Assim, para Sen, a fome deve ser combatida com políticas econômicas que possam traduzir essa realidade e forneçam as condições para que as populações carentes tenham de fato acesso aos benefícios do crescimento. Que tenham acesso a uma melhor renda, que tenham poder de compra e condições reais de desenvolvimento humano.
Os líderes mundiais e as principais instituições internacionais começaram a perceber, a partir da notabilidade de Sen, que não seria possível o alcance do desenvolvimento sem que fossem construídos mecanismos eficazes e eficientes para o combate à fome, à pobreza e à exclusão. Ou seja, o bem-estar do ser humano deve ser prioridade, assim como a busca de soluções para acabar com a “globalização da pobreza”.

O que Sen defende é simples: as pessoas precisam retomar sua condição de agentes. Isso significa resgatar o direito à liberdade essencial, criar a possibilidade de ter acesso às condições de vida digna para todos, o que é um direito humano inalienável. Ele escreve:

O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. (SEN, 2000:18)

A partir dessa nova orientação sobre o desenvolvimento, várias medidas efetivas foram postas em prática em todo o mundo, nas diferentes instâncias de poder. As Organizações das Nações Unidas – ONU, como órgão balizador das relações internacionais, tomou a frente desse processo e modificou a metodologia de cálculo do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, baseando-se nas recomendações de Amartya Sen. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD determinou que os anos de 2001 a 2010 seriam a Década de combate à pobreza e à fome. As suas pesquisas levaram à criação de novos índices para medir a pobreza, mais amplo e mais condizente com os aspectos primordiais dos direitos humanos. Diversos encontros foram promovidos pelo Banco Mundial em todo mundo, e seu Relatório Anual de 2000 dedicou-se totalmente ao “ataque à pobreza”.

Essas idéias de Amartya Sen contrariam a chamada economia ortodoxa, que vem dominando o processo de definição das políticas econômicas no mundo. Essa corrente privilegia o mercado, a competição, a exploração e a concentração de renda. Com a crise financeira mundial que explodiu em outubro de 2008 parece claro o definitivo fracasso dessa linha limitada de pensamento. As idéias de pensadores como Sen são mais uma vez evidenciadas, e mostram as alternativas a esse modelo, reforçando o pensamento econômico que se volta prioritariamente para o ser humano, e não apenas para as formas de obter mais lucro.

E no bojo das discussões e ações implementadas nessa nova perspectiva, alguns novos instrumentos de política econômica começaram a ser utilizados para a atenuação da pobreza. Dentre eles, o microcrédito, mecanismo de financiamento do empreendedorismo para os excluídos, foi um dos mais divulgados e implantados por todo o mundo em desenvolvimento.

E o criador do microcrédito, o economista Muhammad Yunus, de Bagladesh, foi o ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 2006. Os organizadores do prêmio enfatizam assim uma premissa fundamental: não é possível haver paz sem que haja desenvolvimento, e não há desenvolvimento se persistir a pobreza, a fome e a exclusão.

A “história” do professor de economia da Universidade de Chitagong, em Bagladesh, Muhammad Yunus, é bem conhecida por quem trabalha com microcrédito. Vendo diariamente a miséria nas ruas de sua cidade, o prof. Yunus resolveu emprestar seu próprio dinheiro àquelas pessoas que não teriam nunca acesso ao sistema normal de crédito, e viviam, via de regra, na dependência de agiotas, que lhes tiravam quase tudo que conseguiam ganhar. Sua experiência começou com mulheres, que logo demonstraram que a idéia daria certo. Compraram mercadorias, revenderam-nas e pagaram o empréstimo, conseguindo assim dar o passo inicial para uma melhoria real de vida.

Como o sucesso obtido inicialmente, Yunus se entusiasmou, levando a idéia adiante para, em 1977, fundar o Grameen Bank. Yunus convenceu o Banco Central de Bagladesh a criar um banco que emprestaria dinheiro aos pobres, com condições especiais que lhes permitisse o acesso ao crédito.

Hoje o Grameen Bank possui um grande ativo, milhares de agências, milhões de acionistas, e atua em quatro continentes e dezenas de países, com o apoio da ONU e do Banco Mundial. O banco é a referência mundial na área de microcrédito, tendo se tornado uma enorme potência que não só ajuda no combate à pobreza, mas também dá lucro, pois a taxa de inadimplência é baixíssima, compensando as taxas de juros diferenciadas.

Os créditos são garantidos por um seguro, mas a razão apontada para a baixa inadimplência é o sistema criado para a concessão do crédito. Trata-se de um crédito solidário, ou seja, os tomadores de empréstimo, geralmente pessoas muito pobres que pegam valores entre US$ 50 e US$ 500, só podem efetuar o negócio com o aval de um grupo de tomadores, sendo os financiamentos concedidos a grupos solidários de 5 (cinco) pessoas, que se tornam automaticamente acionistas do banco. Esse grupo, que faz parte de um grupo maior garante o empréstimo como um todo. Assim, se um dentro do grupo não pagar, os demais são responsáveis pelo pagamento, e assim por diante.

Esse sistema tem dado tão certo que tem atraído atenção no mundo todo e até bancos comerciais de peso internacional começam a se interessar pela idéia. O fato é que o fruto do trabalho começado em Bagladesh é hoje o espelho para as ações mundiais de combate a pobreza e promoção do desenvolvimento. No Brasil não vem sendo diferente e várias experiências têm sido bem sucedidas por todo país.

O pioneirismo no Brasil se deu sob a orientação da rede de Centros de Apoio aos Pequenos Empreendedores – CEAPEs, que tinha como missão a melhoria da qualidade de vida pelo acesso ao crédito orientado, como estratégia de combate à pobreza sem assistencialismo, atuando com o microcrédito em quase todo o país. O CEAPE nasceu de um programa piloto do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) com a Acción International realizada pelo Rio Grande do Sul em 1986, através do Projeto de Apoio às Atividades Econômicas Informais de Mulheres e Famílias de Baixa Renda.

Outro órgão importante foi o Banco da Mulher, vinculado ao Women’s World Banking, e com apoio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e da GTZ (Agência Alemã de Cooperação Técnica), que tem sede no Rio de Janeiro e tem como finalidade fazer crescer e apoiar a participação da mulher no mercado de trabalho. Percebe-se a grande importância de instituições internacionais nas primeiras iniciativas no Brasil. Hoje também se pode constatar a atuação dos órgãos governamentais, como BNDES, que conta com uma linha de crédito voltada especialmente para o microcrédito, e Banco do Nordeste, com o Crediamigo, além dos Governos Estaduais.

Mas o próprio Yunnus alerta sempre para o risco de transformar uma experiência vitoriosa em mais uma panacéia mundial. É importante destacar que o microcrédito é um instrumento de combate à pobreza e exclusão social que valoriza a capacidade de iniciativa na criação de condições de desenvolvimento de pequenos negócios, permitindo a plena inserção no mundo do trabalho, dando acima de tudo dignidade às pessoas e aumentando sua auto-estima.


CONCLUSÃO

Diante das lições de êxito de propostas não tradicionais como as apresentadas aqui, podemos perceber que é possível sim, conquistar uma forma alternativa de organização social e produtiva. Um modelo que privilegie a pessoa, a harmonia com a natureza e a Paz.

Para o alcance efetivo dessa proposta, alguns pontos essenciais devem ser destacados: o resgate da cultura é fundamental para despertar a auto-estima do povo; a ação com base nos territórios, no local é a forma de se contrapor à exclusão provocada pelo processo conhecido como “globalização”. Além disso, a economia precisa definir rapidamente novas formas de medir a riqueza, e novos indicadores de sustentabilidade e qualidade de vida precisam ser institucionalizados (educação; emprego; uso de novas fontes de energia; uso da água; biodiversidade; cultura; saúde; direitos humanos; segurança; lazer; moradia).

E, além disso, para que haja de fato desenvolvimento, liberdade e Paz, um conjunto de ações deve ser implementado para garantir isto. O papel do Estado é fundamental no sentido de viabilizar as condições necessárias para a efetiva eliminação da exclusão social, e não apenas para sua amenização. Os mecanismos emergenciais são necessários, mas não podem se transformar em um fim. A geração de riquezas e a sua adequada distribuição deve ser assim um dos objetivos das políticas públicas.
Resta destacar o papel preponderante da ciência econômica na construção de um novo paradigma mundial de desenvolvimento, como mostrado por Sen e Yunus. Esse paradigma vem se fortalecendo na medida em que promove a mudança efetiva e positiva na qualidade de vida da população mais carente, inserindo-a e garantindo as condições essenciais para a Paz.

Cabe ainda refletirmos sobre o que podemos fazer como espécie para reverter esse processo de autodestruição que nos auto-impingimos. Muitos já se mobilizam em busca de alternativas para que possamos viver em harmonia. É preciso perceber nossa responsabilidade com o nosso semelhante hoje e no futuro, e nos comprometermos com uma transformação real, para que todos se beneficiem. Garantir o acesso de todos à informação e a uma vida digna é o mínimo, e pode ser cobrado de governantes, mas a responsabilidade ética de mudar de atitude começa em cada um de nós.


BIBLIOGRAFIA

ARENDT, Hannah. A condição humana. 8a Ed. Revista. Tradução de Roberto Raposo. Prefácio de Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

CHACON, Wagner e CHACON, Suely Salgueiro. Capitalismo, globalização, hegemonização cultural e poder simbólico. Revista do Centro de Ciências Administrativas. Ano 5, No. 5. 125-142. Fortaleza: UNIFOR, 1998.

CHACON, Suely Salgueiro. O Sertanejo e o caminho da s águas: políticas públicas, modernidade e sustentabilidade no semi-árido. Fortaleza: BNB, 200. Série Teses e Dissertações. Vol. 8.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das Letras, 2000.

SEN, Amartya. Desigualdade reexaminada. Trad. Ricardo Doninelli Mendes. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SEN, Amartya. Sobre ética e economia. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

YUNUS, Muhammad e JOLIS, Alan. O banqueiro dos pobres. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Atlas, 2000.

2 comentários:

Indignação disse...

OI. Aonde eu encontro o livro???? Minha monografia eh sobre cultura de paz e usei boa parte dos autores da sua bibliografia.

Suely Salgueiro Chacon disse...

Oi Ariana!
O lvro foi editado pela Editora da Universidade Federal do Ceará (UFC). É vendido pela Editora. Mas você pode entrar em contato com os organizadores do livro também. Mande-me seu e-mail para que eu te envie os contatos deles.
Abraço!
Suely