O Brasil vive a expectativa de ver minimizados os danos causados pelo lixo, mas todos devem se engajar
No dia 2 de agosto passado, o presidente Lula sancionou, após 20 anos de tramitação, a Lei Nº 12.305, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com princípios, objetivos, instrumentos e diretrizes relativos à gestão integrada de resíduos sólidos, às responsabilidades dos geradores e do poder público e aos instrumentos econômicos aplicáveis.
Ela estabelece, entre outros princípios, os da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos; o do reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.
Entre os instrumentos postos para a sua execução, estão os planos de resíduos sólidos; a coleta seletiva, os sistemas de logística reversa; o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis; o monitoramento e a fiscalização ambiental, sanitária e agropecuária; a educação ambiental; e os incentivos fiscais, financeiros e creditícios.
A Lei também estabelece que, na gestão e gerenciamento de resíduos sólidos, deve ser observada a ordem de prioridade não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos.
Planos
A elaboração do Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) é condição para os municípios terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à limpeza urbana e ao manejo de resíduos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito ou fomento para tal finalidade.
Ela estabelece que serão priorizados os municípios que optarem por soluções consorciadas intermunicipais para a gestão dos resíduos sólidos, incluída a elaboração e implementação de plano intermunicipal, ou que se inserirem de forma voluntária nos planos microrregionais de resíduos sólidos; e os que implantarem a coleta seletiva com a participação de cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis.
Responsabilidades
Mas o grande destaque desta Lei está na instituição da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, a ser implementada de forma individualizada e encadeada, abrangendo os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, os consumidores e os titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos.
Essa responsabilização tem por objetivo compatibilizar interesses entre os agentes econômicos e sociais e os processos de gestão empresarial e mercadológica com os de gestão ambiental, desenvolvendo estratégias sustentáveis; promover o aproveitamento de resíduos sólidos, direcionando-os para a sua ou outras cadeias produtivas e reduzir a geração de resíduos sólidos, o desperdício de materiais, a poluição e os danos ambientais.
Da mesma forma, deve incentivar a utilização de insumos de menor agressividade ao meio ambiente e de maior sustentabilidade; estimular o desenvolvimento de mercado, a produção e o consumo de produtos derivados de materiais reciclados e recicláveis; propiciar que as atividades produtivas alcancem eficiência e sustentabilidade; e também incentivar as boas práticas de responsabilidade socioambiental.
Os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes têm responsabilidade que abrange investimento no desenvolvimento, na fabricação e na colocação no mercado de produtos que sejam aptos, após o uso pelo consumidor, à reutilização, à reciclagem ou a outra forma de destinação ambientalmente adequada; cuja fabricação e uso gerem a menor quantidade de resíduos sólidos possível; e divulgação de informações relativas às formas de evitar, reciclar e eliminar os resíduos sólidos associados a seus respectivos produtos.
Da mesma forma, são responsáveis pelo recolhimento dos produtos e dos resíduos remanescentes após o uso, assim como sua subsequente destinação final ambientalmente adequada, no caso de produtos objeto de sistema de logística reversa; e compromisso de, quando firmados acordos ou termos de compromisso com o município, participar das ações do plano municipal de gestão integrada de resíduos sólidos, no caso de produtos ainda não inclusos no sistema de logística reversa.
Embalagens
A nova Lei estabelece, ainda, que as embalagens devem ser fabricadas com materiais que propiciem a reutilização ou a reciclagem. Dessa forma, cabe aos responsáveis assegurar que sejam: restritas em volume e peso às dimensões requeridas à proteção do conteúdo e à comercialização do produto; projetadas de forma a serem reutilizadas de maneira tecnicamente viável e compatível com as exigências aplicáveis ao produto que contêm; recicladas, se a reutilização não for possível.
São obrigados a estruturar e implementar sistemas de logística reversa, mediante retorno dos produtos após o uso pelo consumidor, de forma independente do serviço público de limpeza urbana e de manejo dos resíduos sólidos, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de agrotóxicos, seus resíduos e embalagens, assim como outros produtos cuja embalagem, após o uso, constitua resíduo perigoso, observadas as regras de gerenciamento de resíduos perigosos previstas em lei ou regulamento, em normas estabelecidas pelos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e do Sistema Único de Atenção à Sanidade Agropecuária (Suasa), ou em normas técnicas; pilhas e baterias; pneus; óleos lubrificantes, seus resíduos e embalagens; lâmpadas fluorescentes, de vapor de sódio e mercúrio e de luz mista; produtos eletroeletrônicos e seus componentes.
Proibições
Pela nova Lei, é proibida a destinação ou disposição final de resíduos sólidos ou rejeitos em praias, no mar ou em quaisquer corpos hídricos; in natura a céu aberto, excetuados os resíduos de mineração. Também é proibida a queima a céu aberto ou em recipientes, instalações e equipamentos não licenciados para essa finalidade.
Igualmente são proibidas, nas áreas de disposição final de resíduos ou rejeitos, a utilização dos rejeitos dispostos como alimentação; catação; criação de animais domésticos; e fixação de habitações temporárias ou permanentes. Outra proibição da Lei diz respeito à importação de resíduos sólidos perigosos e rejeitos, bem como de resíduos sólidos cujas características causem dano ao meio ambiente, à saúde pública e animal e à sanidade vegetal, ainda que para tratamento, reforma, reúso, reutilização ou recuperação.
De acordo com a Lei, a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos deverá ser implantada em até quatro anos após a sua data de publicação, ou seja, agosto de 2014.
Já a exigência de elaboração dos planos estadual e municipal de gestão integrada de resíduos sólidos entra em vigor dois anos após a data de publicação da Lei, em outras palavras, em agosto de 2012.
ENTREVISTA
*Gemmelle Oliveira Santos
"As pessoas precisam saber que ganhos a cidade e o meio ambiente terão"
Qual a sua avaliação sobre a situação atual dos resíduos sólidos no País?
Apesar dos avanços faço uma avaliação ruim pois é majoritária a quantidade de pessoas (da sociedade, do poder público e dos órgãos ambientais) que vê o tema com repulsa. Certamente, algumas cidades no Brasil assumem a questão dos resíduos sólidos como um tema-chave, promovem campanhas de educação ambiental, incentivam a redução do consumo desenfreado, implantam sistemas de coleta seletiva e reciclagem, reconhecem e melhoram a vida dos catadores, aproveitam o gás gerado em áreas de disposição, mitigam diversos impactos sociais e ambientais, etc, mas esses locais ´são pontos fora da curva´, ou seja, são exceções. Mas, na maioria das cidades o cenário é bem diferente.
Quais são os principais impactos ambientais do acúmulo de lixo, na forma de lixões?
Dispor os resíduos sólidos num lixão é uma prática fácil, de baixo custo e comum à maioria das cidades brasileiras, especialmente as de pequeno porte. As consequências dessa ação aparecem, no mínimo, no meio social, ambiental e econômico, tanto no presente, quanto no futuro e em áreas próximas ou distantes do lixão. Surgem doenças por micro e macrovetores, poluição e/ou contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, degradação da paisagem, poluição do ar por gases de efeito estufa, além do fato de os lixões abrigarem catadores que buscam, entre os resíduos e animais, o que comer e/ou o que vender. Com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, essa prática, o lançamento in natura a céu aberto, será proibida e as prefeituras terão que se adequar.
Qual é o primeiro passo a avançar para minimizar os impactos da produção / consumo / geração de resíduos no ambiente?
Não há um único caminho para resolvermos todos os problemas advindos da questão dos resíduos sólidos. Precisamos de ações individuais e coletivas, atitudes em nossas residências e também na indústria, participação do órgão ambiental e interesse nas prefeituras. Ações que permitam às pessoas refletirem sobre a necessidade de reduzirmos esse consumismo insano, paralelamente às ações voltadas à coleta seletiva dos materiais, ao reúso, à reciclagem. Precisamos também de ações que levem ao aterro sanitário apenas o rejeito de uma cadeia produtiva e não ´o todo´, como vem acontecendo.
Como os sistemas de coleta seletiva podem ser eficientes?
Eu diria que o primeiro passo para se evitar o fracasso de um programa de coleta seletiva é o planejamento e desenvolvimento de um programa permanente e contínuo de educação ambiental. As pessoas precisam saber porque vão participar, que ganhos indiretos ou diretos a cidade e o meio ambiente terão com a iniciativa delas. Paralelamente, é necessário acertar o destino final adequado para os materiais e também como e onde esses resíduos serão transportados e/ou armazenados/processados. É necessário também saber se há mercado para os recicláveis ou se a economia ecológica, sozinha, é capaz de lidar com esse quantitativo. Após essas etapas, vem a compra e/ou confecção dos recipientes padrões da coleta seletiva, dimensionados para os pontos de coleta da e a inserção dos catadores (alfabetizados, capacitados, uniformizados, associados) nessa cadeia.
*Professor do IFCE
Maristela Crispim
Editora