Paolo di Croce, secretário-geral do Slow Food International. Foto: Miren Gutiérrez/IPS
Miren Gutiérrez*
Miren Gutiérrez*
27/07/2009 - 16:39:48
A ideia de slow food (comida lenta) está na contramão daquela que postula a comida rápida, ou fast food. Hoje, além do mais, é o nome de um movimento com mais de cem mil pessoas em 132 países. Mas, o que significa na prática? A pergunta foi feita em uma entrevista exclusiva com o secretário-geral do movimento Slow Food International, o italiano Paolo di Croce, promotor de uma alimentação “boa, limpa e justa”.
A ideia de slow food (comida lenta) está na contramão daquela que postula a comida rápida, ou fast food. Hoje, além do mais, é o nome de um movimento com mais de cem mil pessoas em 132 países. Mas, o que significa na prática? A pergunta foi feita em uma entrevista exclusiva com o secretário-geral do movimento Slow Food International, o italiano Paolo di Croce, promotor de uma alimentação “boa, limpa e justa”.
IPS/IFEJ: O movimento Slow Food se apresenta como defensor da biodiversidade, mas o que tem a ver a boa cozinha, a tradição e a cultura culinária com os arrecifes de coral e as florestas tropicais?
PAOLO DI CROCE: Um tema fundamental para uma boa alimentação é a promoção do diverso. A globalização, o desaparecimento de espécies e a padronização dos mercados tendem a reduzir a diversidade. Todas as maçãs que comemos pertencem a apenas quatro das centenas de variedades que existem. Preservar a variedade dos alimentos é fundamental para o meio ambiente, a história e a cultura. O Slow Food tem muitos programas para lutar contra a extinção de espécies. Por exemplo, há um na selva amazônica para proteger a Bertholetia excelsa, uma noz que cresce em árvores de 40 metros de altura em comunidades indígenas. Procuramos criar mercados para essa noz, e assim preservar sua existência. Além disso, a perda de biodiversidade afeta a todos pessoalmente. Se continuarmos comendo atum no ritmo atual, em poucos anos não haverá mais atum. A alimentação está essencialmente unida à diversidade agrícola. Os lobos e os ursos polares não são nossa prioridade, mas temos sócios preocupados com eles, pois o fim último é preservar nossa identidade cultural e nosso ambiente, incluindo a vida silvestre. De fato, temos programas sobre música e vestimentas tradicionais, línguas indígenas.
IPS/IFEJ: Na cúpula do Grupo dos Oito (G8) países mais poderosos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia), realizada este mês em L’Áquila, na Itália, falou-se em “mobilizar US$ 20 bilhões em três anos” para combater a crise alimentar. Foi dito que esse dinheiro para a crise poderia ser usado para promover a agricultura, ao contrário da ajuda tradicional. Como viu esse anúncio?
DI CROCE: Em L’Áquila debateu-se sobre biodiversidade e comprometeram mais dinheiro para a agricultura. É positivo. Não apenas os países do G-8, mas todos se dão conta do enorme risco de nada fazer para resolver a crise alimentar. Porém, é preciso ver se esse investimento é bom, limpo e justo. Temos a oportunidade de influir no uso desse dinheiro. O sistema vigente fracassou. Basta ver a quantidade de pessoas passando fome, a crise financeira, a crise da saúde nos países ricos, como obesidade, diabetes, problemas cardiovasculares. A indústria alimentícia criada por este sistema tem de mudar. Todos têm direito a alimentos bons, limpos e justos. Também é errado responder à crise alimentar com “dinheiro para a crise”. Porque este problema é resultado de décadas. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e outras organizações indicam que cada vez mais gente tem fome e desnutrição. Temos de mudar para um modelo responsável, não tapar os buracos com dinheiro para a crise.
IPS/IFEJ: Na cúpula, a Oxfam Internacional apresentou o informe “Evidência que dói: A mudança climática, as pessoas e a pobreza”, que mostra como os instáveis ciclos das estações complicam o planejamento de semeaduras e colheitas. Assim, milhões de pessoas sofrerão escassez de alimentos e deverão abandonar cultivos tradicionais, o que possivelmente derive em migrações maciças. O que pensa a respeito?
DI CROCE: A mudança climática tem enorme impacto na agricultura e nas pessoas. Populações inteiras terão de abandonar seus territórios. Com o aumento das temperaturas na Suécia e Noruega, comunidades do povo sami se deslocam seguindo as renas, que são seu sustento. As renas estão abandonando seu hábitat rumo ao norte, e os samis fazem o mesmo. Os cultivos tradicionais podem ser uma ferramenta. No México temos um projeto para promover o amaranto (Amaranthus spp.), cujo cultivo foi abandonado quando chegaram os conquistadores espanhóis. Seu valor nutricional é importante e pode crescer em áreas secas. Estamos tentando replantá-lo como alternativa ao milho, que depende muito da água.
IPS/IFEJ: O Slow Food afirma que podemos ser coprodutores, não apenas consumidores, nos informando sobre como são elaborados os alimentos e apoiando os que o fazem. Mas, produzir e consumir comida boa, limpa e justa é muito mais caro. Alguém já disse que com US$ 0,99 pode-se comprar um hambúrguer com queijo, mas não dá para comprar brócolis. Seu movimento é qualificado de elitista…
DI CROCE: É preciso analisar dois temas. Um é a porcentagem de nossa renda que dedicamos a nos alimentar. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostra que na década de 70 as famílias gastavam cerca de 6% de sua renda em cuidados com a saúde e aproximadamente 7% com comida. Ao fazer a mesma pesquisa há pouco tempo, descobriu-se que agora as famílias gastam 15% e 10%, respectivamente. O gasto com alimentos não aumentou muito, mas o da saúde cresceu mais que o dobro. Provavelmente haja uma correlação. É preciso considerar todos os excessos de custos originados em uma dieta deficiente, o dinheiro gasto com nutricionistas e médicos. Penso que 10% da renda das famílias não é suficiente, se comparado com gastos com telefone celular. O outro é o preço real do alimento. Há muitos custos externos associados à comida rápida. Além do cuidado com a saúde, existe o custo ambiental da indústria alimentícia, que pagamos com impostos para reparar os danos que ela causa ou para financiar subsídios, e que a próxima geração continuará pagando. Os alimentos baratos são possíveis pelos subsídios, sempre e quando a sociedade pagar a conta ambiental. Em 2008, um dos produtos com vendas em crescimento na Itália foi a salada pré-lavada. Em comparação com a que você elabora comprando as verduras no mercado de seu bairro, a pré-lavada é oito vezes mais cara. E é menos sustentável, porque vem em uma embalagem plástica. Uma porção de cem gramas de batata frita “chip” custa nove vezes mais do que comprar a batata crua e fritá-la em azeite de oliva extravirgem. E ninguém pode dizer que as batatas fritas são elitistas. Por fim, está o desperdício. Na Itália, jogamos fora cerca de 22 quilos de comida por segundo. Se somarmos o que gastamos sem nos darmos conta, os custos de saúde e meio ambiente e o que desperdiçamos, o custo é insustentável. Por outro lado, você pode ter comida boa, limpa e justa sem pagar muito.
IPS/IFEJ: Convenhamos que não é exatamente uma mensagem de massa. Não se sente frustrado?
DI CROCE: Nos últimos cinco anos vi muitas mudanças. Onde quer que vá, há mais interesse. E não me refiro ao Banco Mundial, mas às pessoas comuns, essas que mudam o mundo, os “coprodutores”. O dia em que decidirmos comer alimentos frescos cultivados perto da gente, e menos carne, haverá uma revolução com essas simples decisões cotidianas. Contudo, tem de se tornar maciça. É fundamental trabalhar com outras organizações, qualquer uma que acredite ser possível comer de outra maneira. E um dia poderemos mudar o sistema.
* Miren Gutiérres é editora-chefe da IPS. Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável .
PAOLO DI CROCE: Um tema fundamental para uma boa alimentação é a promoção do diverso. A globalização, o desaparecimento de espécies e a padronização dos mercados tendem a reduzir a diversidade. Todas as maçãs que comemos pertencem a apenas quatro das centenas de variedades que existem. Preservar a variedade dos alimentos é fundamental para o meio ambiente, a história e a cultura. O Slow Food tem muitos programas para lutar contra a extinção de espécies. Por exemplo, há um na selva amazônica para proteger a Bertholetia excelsa, uma noz que cresce em árvores de 40 metros de altura em comunidades indígenas. Procuramos criar mercados para essa noz, e assim preservar sua existência. Além disso, a perda de biodiversidade afeta a todos pessoalmente. Se continuarmos comendo atum no ritmo atual, em poucos anos não haverá mais atum. A alimentação está essencialmente unida à diversidade agrícola. Os lobos e os ursos polares não são nossa prioridade, mas temos sócios preocupados com eles, pois o fim último é preservar nossa identidade cultural e nosso ambiente, incluindo a vida silvestre. De fato, temos programas sobre música e vestimentas tradicionais, línguas indígenas.
IPS/IFEJ: Na cúpula do Grupo dos Oito (G8) países mais poderosos (Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália, Japão e Rússia), realizada este mês em L’Áquila, na Itália, falou-se em “mobilizar US$ 20 bilhões em três anos” para combater a crise alimentar. Foi dito que esse dinheiro para a crise poderia ser usado para promover a agricultura, ao contrário da ajuda tradicional. Como viu esse anúncio?
DI CROCE: Em L’Áquila debateu-se sobre biodiversidade e comprometeram mais dinheiro para a agricultura. É positivo. Não apenas os países do G-8, mas todos se dão conta do enorme risco de nada fazer para resolver a crise alimentar. Porém, é preciso ver se esse investimento é bom, limpo e justo. Temos a oportunidade de influir no uso desse dinheiro. O sistema vigente fracassou. Basta ver a quantidade de pessoas passando fome, a crise financeira, a crise da saúde nos países ricos, como obesidade, diabetes, problemas cardiovasculares. A indústria alimentícia criada por este sistema tem de mudar. Todos têm direito a alimentos bons, limpos e justos. Também é errado responder à crise alimentar com “dinheiro para a crise”. Porque este problema é resultado de décadas. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e outras organizações indicam que cada vez mais gente tem fome e desnutrição. Temos de mudar para um modelo responsável, não tapar os buracos com dinheiro para a crise.
IPS/IFEJ: Na cúpula, a Oxfam Internacional apresentou o informe “Evidência que dói: A mudança climática, as pessoas e a pobreza”, que mostra como os instáveis ciclos das estações complicam o planejamento de semeaduras e colheitas. Assim, milhões de pessoas sofrerão escassez de alimentos e deverão abandonar cultivos tradicionais, o que possivelmente derive em migrações maciças. O que pensa a respeito?
DI CROCE: A mudança climática tem enorme impacto na agricultura e nas pessoas. Populações inteiras terão de abandonar seus territórios. Com o aumento das temperaturas na Suécia e Noruega, comunidades do povo sami se deslocam seguindo as renas, que são seu sustento. As renas estão abandonando seu hábitat rumo ao norte, e os samis fazem o mesmo. Os cultivos tradicionais podem ser uma ferramenta. No México temos um projeto para promover o amaranto (Amaranthus spp.), cujo cultivo foi abandonado quando chegaram os conquistadores espanhóis. Seu valor nutricional é importante e pode crescer em áreas secas. Estamos tentando replantá-lo como alternativa ao milho, que depende muito da água.
IPS/IFEJ: O Slow Food afirma que podemos ser coprodutores, não apenas consumidores, nos informando sobre como são elaborados os alimentos e apoiando os que o fazem. Mas, produzir e consumir comida boa, limpa e justa é muito mais caro. Alguém já disse que com US$ 0,99 pode-se comprar um hambúrguer com queijo, mas não dá para comprar brócolis. Seu movimento é qualificado de elitista…
DI CROCE: É preciso analisar dois temas. Um é a porcentagem de nossa renda que dedicamos a nos alimentar. Uma pesquisa nos Estados Unidos mostra que na década de 70 as famílias gastavam cerca de 6% de sua renda em cuidados com a saúde e aproximadamente 7% com comida. Ao fazer a mesma pesquisa há pouco tempo, descobriu-se que agora as famílias gastam 15% e 10%, respectivamente. O gasto com alimentos não aumentou muito, mas o da saúde cresceu mais que o dobro. Provavelmente haja uma correlação. É preciso considerar todos os excessos de custos originados em uma dieta deficiente, o dinheiro gasto com nutricionistas e médicos. Penso que 10% da renda das famílias não é suficiente, se comparado com gastos com telefone celular. O outro é o preço real do alimento. Há muitos custos externos associados à comida rápida. Além do cuidado com a saúde, existe o custo ambiental da indústria alimentícia, que pagamos com impostos para reparar os danos que ela causa ou para financiar subsídios, e que a próxima geração continuará pagando. Os alimentos baratos são possíveis pelos subsídios, sempre e quando a sociedade pagar a conta ambiental. Em 2008, um dos produtos com vendas em crescimento na Itália foi a salada pré-lavada. Em comparação com a que você elabora comprando as verduras no mercado de seu bairro, a pré-lavada é oito vezes mais cara. E é menos sustentável, porque vem em uma embalagem plástica. Uma porção de cem gramas de batata frita “chip” custa nove vezes mais do que comprar a batata crua e fritá-la em azeite de oliva extravirgem. E ninguém pode dizer que as batatas fritas são elitistas. Por fim, está o desperdício. Na Itália, jogamos fora cerca de 22 quilos de comida por segundo. Se somarmos o que gastamos sem nos darmos conta, os custos de saúde e meio ambiente e o que desperdiçamos, o custo é insustentável. Por outro lado, você pode ter comida boa, limpa e justa sem pagar muito.
IPS/IFEJ: Convenhamos que não é exatamente uma mensagem de massa. Não se sente frustrado?
DI CROCE: Nos últimos cinco anos vi muitas mudanças. Onde quer que vá, há mais interesse. E não me refiro ao Banco Mundial, mas às pessoas comuns, essas que mudam o mundo, os “coprodutores”. O dia em que decidirmos comer alimentos frescos cultivados perto da gente, e menos carne, haverá uma revolução com essas simples decisões cotidianas. Contudo, tem de se tornar maciça. É fundamental trabalhar com outras organizações, qualquer uma que acredite ser possível comer de outra maneira. E um dia poderemos mudar o sistema.
* Miren Gutiérres é editora-chefe da IPS. Este artigo é parte de uma série produzida pela IPS (Inter Press Service) e pela IFEJ (Federação Internacional de Jornalistas Ambientais) para a Aliança de Comunicadores para o Desenvolvimento Sustentável .
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.
(Envolverde/Terramérica)
Fonte: Mercado Ético
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