6/12/2009
A partir do legado da Comissão, pode-se identificar debates sobre a degradação ambiental em curso no século XIX
Fortaleza - A beleza singela das aquarelas de José dos Reis Carvalho ao retratar as paisagens cearenses contrasta com um processo de devastação em pleno curso na então província imperial, assim como nas demais regiões do Brasil. Desflorestamento, erosão, mudanças climáticas e exaustão de recursos tidos como inesgotáveis são preocupações que se percebem nos escritos do botânico Francisco Freire Alemão e outros membros da Comissão Científica de Exploração, um projeto que levou os principais intelectuais brasileiros do período a registrar aspectos geológicos, naturais e sociais do Ceará, viagem cujo início completou 150 anos em 2009.
No relatório da Sessão Botânica feita após a expedição, Freire Alemão lamenta "o nosso modo bárbaro de cultivar a terra" e o fato de não restar "senão a lembrança" das florestas da Serra Grande. Muito antes do que se imagina, intelectuais brasileiros se debruçaram na questão ambiental e nos efeitos da devastação já no século XIX, apesar dessa discussão não ter chegado a frear a perda de boa parte da fauna e flora nativas do Brasil.
"A Comissão Científica acontece num momento histórico de focalização de debates sobre os efeitos da ação humana no ambiente, discussões que intelectuais como Freire Alemão e Guilherme Capanema já vinham fazendo anteriormente", coloca José Augusto Pádua, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Interlocução
O historiador destaca também os escritos de dois cearenses. O primeiro teve uma profunda interlocução com os "científicos": Tomás Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu. "O Tomás Pompeu é quem promove a discussão com esses viajantes no Ceará, recebe-os em casa, então é possível imaginar que eles tenham discutido questões relacionadas à degradação ambiental", comenta. O segundo, já no século XX, é o agrônomo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Braga, que produziu o primeiro grande trabalho sobre a Comissão Científica. "O Renato Braga conseguiu acesso a uma documentação ainda hoje de difícil acesso e o livro é uma leitura saborosa. Ele dá uma ideia do que foi a Comissão e das preocupações que norteavam a viagem exploratória".
Apesar de ter na prática da monocultura e da pecuária extensiva a principal fonte de devastação dos recursos naturais existentes no Brasil desde a Colônia, José Augusto Pádua identifica, no século XIX, preocupações ambientais distintas de acordo com a ecologia de cada região. "Na Bahia, por exemplo, percebe-se uma preocupação com a indústria madeireira e o combate às queimadas. Na Amazônia, é a questão do extrativismo vegetal e animal de espécies como a copaíba e o peixe boi. Já no Ceará, a discussão será centrada na relação entre a perda de florestas naturais e as mudanças no clima decorrentes dessa intervenção do elemento humano, algo extremamente atual em nossos dias. Inclusive, o Senador Pompeu escreve sobre a influência da ação do homem sobre o clima falando que a atmosfera é um ´campo suscetível de cultura´", destaca o historiador.
Discurso x prática
Mas, mesmo a existência de um pensamento sólido no Brasil oitocentista em relação a questões ambientais não foi suficiente para conter o avanço de práticas predatórias e de alterações do meio. "Naquele período, não havia uma sociedade civil organizada nem canais de difusão, como acontece hoje. Então esse debate fica num plano intelectual, desses cientistas se dirigindo ao Estado. Mas da mesma forma tínhamos um Estado limitado em termos de capacidade de ação. Eles também tentavam dialogar com os próprios fazendeiros, mas estes tinham práticas arraigadas, numa visão de curto prazo e ganho imediato que não é difícil encontrar em nossos dias".
Na visão do especialista em história e política ambiental, a experiência e o legado da Comissão Científica são relevantes para pensar numa discussão ambiental que ajuda a pensar o próprio Brasil. "É importante frisar que os debates que esses intelectuais promoveram não tratavam o ambiente como algo a parte, um apêndice, mas fazem uma relação importante com os problemas econômicos e sociais do período, mostrando que o desflorestamento pode levar a processos de desertificação, alterações no clima, inutilização das terras".
Fortaleza - A beleza singela das aquarelas de José dos Reis Carvalho ao retratar as paisagens cearenses contrasta com um processo de devastação em pleno curso na então província imperial, assim como nas demais regiões do Brasil. Desflorestamento, erosão, mudanças climáticas e exaustão de recursos tidos como inesgotáveis são preocupações que se percebem nos escritos do botânico Francisco Freire Alemão e outros membros da Comissão Científica de Exploração, um projeto que levou os principais intelectuais brasileiros do período a registrar aspectos geológicos, naturais e sociais do Ceará, viagem cujo início completou 150 anos em 2009.
No relatório da Sessão Botânica feita após a expedição, Freire Alemão lamenta "o nosso modo bárbaro de cultivar a terra" e o fato de não restar "senão a lembrança" das florestas da Serra Grande. Muito antes do que se imagina, intelectuais brasileiros se debruçaram na questão ambiental e nos efeitos da devastação já no século XIX, apesar dessa discussão não ter chegado a frear a perda de boa parte da fauna e flora nativas do Brasil.
"A Comissão Científica acontece num momento histórico de focalização de debates sobre os efeitos da ação humana no ambiente, discussões que intelectuais como Freire Alemão e Guilherme Capanema já vinham fazendo anteriormente", coloca José Augusto Pádua, professor do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Interlocução
O historiador destaca também os escritos de dois cearenses. O primeiro teve uma profunda interlocução com os "científicos": Tomás Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu. "O Tomás Pompeu é quem promove a discussão com esses viajantes no Ceará, recebe-os em casa, então é possível imaginar que eles tenham discutido questões relacionadas à degradação ambiental", comenta. O segundo, já no século XX, é o agrônomo e professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Renato Braga, que produziu o primeiro grande trabalho sobre a Comissão Científica. "O Renato Braga conseguiu acesso a uma documentação ainda hoje de difícil acesso e o livro é uma leitura saborosa. Ele dá uma ideia do que foi a Comissão e das preocupações que norteavam a viagem exploratória".
Apesar de ter na prática da monocultura e da pecuária extensiva a principal fonte de devastação dos recursos naturais existentes no Brasil desde a Colônia, José Augusto Pádua identifica, no século XIX, preocupações ambientais distintas de acordo com a ecologia de cada região. "Na Bahia, por exemplo, percebe-se uma preocupação com a indústria madeireira e o combate às queimadas. Na Amazônia, é a questão do extrativismo vegetal e animal de espécies como a copaíba e o peixe boi. Já no Ceará, a discussão será centrada na relação entre a perda de florestas naturais e as mudanças no clima decorrentes dessa intervenção do elemento humano, algo extremamente atual em nossos dias. Inclusive, o Senador Pompeu escreve sobre a influência da ação do homem sobre o clima falando que a atmosfera é um ´campo suscetível de cultura´", destaca o historiador.
Discurso x prática
Mas, mesmo a existência de um pensamento sólido no Brasil oitocentista em relação a questões ambientais não foi suficiente para conter o avanço de práticas predatórias e de alterações do meio. "Naquele período, não havia uma sociedade civil organizada nem canais de difusão, como acontece hoje. Então esse debate fica num plano intelectual, desses cientistas se dirigindo ao Estado. Mas da mesma forma tínhamos um Estado limitado em termos de capacidade de ação. Eles também tentavam dialogar com os próprios fazendeiros, mas estes tinham práticas arraigadas, numa visão de curto prazo e ganho imediato que não é difícil encontrar em nossos dias".
Na visão do especialista em história e política ambiental, a experiência e o legado da Comissão Científica são relevantes para pensar numa discussão ambiental que ajuda a pensar o próprio Brasil. "É importante frisar que os debates que esses intelectuais promoveram não tratavam o ambiente como algo a parte, um apêndice, mas fazem uma relação importante com os problemas econômicos e sociais do período, mostrando que o desflorestamento pode levar a processos de desertificação, alterações no clima, inutilização das terras".
Karoline Viana
Repórter
Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 6 de dezembro de 2009.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=701729
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=701729
Olhar nativo e estrangeiro
Pesquisadora trabalha a partir da História da Arte aspectos do Ceará registrados pelo pintor oficial da expedição
Fortaleza - As cores aguadas e cálidas da aquarela retratam um Ceará sob a ótica do olhar do outro, quase estrangeiro, numa perspectiva de devassar o sertão ainda pouco conhecido pelo Império brasileiro. Na falta de fotografias, perdidas juntamente com anotações e outros equipamentos por conta do naufrágio da embarcação Palpite, que ia de Granja à Fortaleza, as aquarelas e desenhos produzidos por José dos Reis Carvalho são o principal registro visual da passagem da Comissão Científica de Exploração pelo Ceará ao longo de dois anos e cinco meses de pesquisas.
Mas a variedade das obras deixadas por Reis Carvalho contrasta com as poucas informações que se tem sobre a vida do desenhista oficial da Comissão. Mesmo indicações mais simples, como locais e datas de nascimento e morte, são fontes de divergência entre os estudiosos.
Esta é a principal dificuldade encontrada pela historiadora fluminense Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro. A pesquisadora busca estudar as obras de Reis Carvalho por meio de um diálogo com a História da Arte, num trabalho de pesquisa que realiza de forma independente da academia. Foi por conta de um trabalho para a faculdade que ela entrou pela primeira vez em contato com os desenhos e aquarelas do artista.
"Fui em busca de material no Museu Histórico Nacional (MHN) e me deparei com as 32 aquarelas e desenhos que o museu possui do Reis Carvalho. Foi aí que comecei, na condição de estagiária do MHN, a pesquisar e buscar obras e informações sobre ele em outras instituições, como o Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes. Mas as informações sobre ele muitas vezes são pontuais e divergentes, sua trajetória não é tão bem documentada como a dos demais membros da Comissão. Alguns autores (Down Ades, por exemplo) propõem que o nascimento de Reis Carvalho teria acontecido em 1800. Bruno Pedrosa, entretanto, afirma que o ano seria 1798. Heitor de Assis Júnior lembra que podemos encontrar obras do pintor datadas de 1882 e que em 1891 ele ainda figura como professor honorário da Academia. A estimativa mais ampla, portanto, ficaria entre os anos de 1798-1892. Ao certo, podemos afirmar apenas que Reis Carvalho teve uma longa vida produtiva, de 1824 a 1882, aproximadamente".
"Pintor de flores"
Uma das poucas informações seguras é que o pintor fez parte da primeira turma da Academia Imperial de Belas Artes, hoje denominada de Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Tenente da Marinha, Reis Carvalho deu aulas de desenho na Escola Imperial da Marinha até ser chamado a compor a Comissão Científica, que chegou ao Ceará em 1859 e permaneceu até meados de 1961.
Para a pesquisadora, o insucesso da Comissão Científica, ou pelo menos a não continuidade do projeto pode ajudar a explicar o esquecimento e as lacunas em relação ao pintor. O projeto inicial da expedição fomentada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), patrocinada pelo imperador Dom Pedro II, contemplaria a exploração de todas as províncias do Norte, mas acabou sendo questionada por críticas severas e inviabilizada por falta de verbas
Reis Carvalho foi aluno do pintor francês Jean Baptiste Debret, artista de formação neoclássica que veio a convite do monarca português Dom João VI, cuja dinastia governava a partir de Rio de Janeiro desde a transferência da Corte para o Brasil, em 1808. No livro "Viagem Pitoresca ao Brasil", Debret se refere ao discípulo como "pintor de flores e decorador, professor de Desenho da Escola Imperial de Marinha na vaga de José de Cristo, falecido".
Segundo Rachel Amaro, Reis Carvalho de fato era conhecido pela fidelidade com que pintava seus temas, inclusive tendo ganho vários prêmios por conta disso. Este traçado fidedigno deve ter pesado na escolha de Reis Carvalho para compor uma comissão que privilegiava os rigores da investigação científica na catalogação dos mais diversos aspectos da província imperial.
Paisagens e tipos
Provavelmente foi com o mestre francês que Reis Carvalho aprendeu a valorizar e fazer uso da técnica da aquarela para captar cenas cotidianas e que deveriam ser executadas de forma rápida e ao mesmo tempo vivaz. Numa viagem feita em lombo de jumento (ainda não havia estradas de ferro na província) e com uma série de dificuldades encontradas tanto no deslocamento quanto nas condições de pouso pelos sertões cearenses, a agilidade aliada à precisão eram essenciais para executar este tipo de trabalho.
Ao longo do período em que a Comissão permaneceu no Ceará, as pinturas e desenhos de Reis Carvalho registram aspectos da arquitetura (igrejas, casebres, vistas de cidades, interiores de residências, moinho de vento), paisagens (serras, vegetação, locais ermos), atividades da comunidades sertanejas (pesca de piranha, o trabalho artesanal das rendeiras, vendedores de azeite) e até fenômenos naturais, como redemoinhos.
A pesquisadora busca trabalhar o cotidiano, os tipos humanos, os usos e costumes do Ceará registrados a partir do olhar do pintor, em que se percebe o confronto entre os modelos herdados de uma tradição europeia e um ambiente e costumes completamente diversos do que havia na Corte.
"É possível perceber que a pintura de Reis Carvalho é um registro romântico, por mais que ele procurasse uma representação fiel ao que ele via. Há uma referência ao trabalho já realizado pelo Debret, em que se busca mostrar o diferente, mas nem sempre se consegue evidenciar o que está ali", opina a historiadora.
RENATO BRAGA Cearense ainda é referência no tema
Professor de Agronomia na UFC, Renato Braga fez extensa pesquisa sobre legado da Comissão
Fortaleza Passados 150 anos da viagem exploratória à província do Ceará, a primeira e, ainda hoje, grande obra de referência sobre a Comissão Científica de Exploração é de um cearense. Professor na Faculdade de Agronomia, quando a UFC ainda era denominada Universidade do Ceará, Renato Braga lançou, em 1962, o livro "História da Comissão Científica de Exploração". O livro é fruto de uma extensa pesquisa em arquivos e instituições do Ceará e do Rio de Janeiro, patrocinada pelo então reitor da instituição, Antônio Martins Filho, como forma de marcar o centenário da viagem exploratória, que ocorreria sete anos depois.
Renato Braga coloca logo na introdução o grande estranhamento que tinha pela falta de pesquisas, dentro e fora do Ceará, sobre a vinda dos chamados "científicos" para analisar as potencialidades das províncias do Norte, começando pelo Ceará. A obra traça a trajetória e o esforço de homens que abrem mão dos confortos e da vida "civilizada" da Corte para adentrar num ambiente que, apesar de se encontrar no mesmo país, apresenta ambiente, usos e costumes bastante diversos. Ainda hoje, livros e trabalhos sobre o tema ainda são de circulação restrita, apesar de atualmente haver um esforço para discutir e analisar o legado deixado pela Comissão Científica.
Em 16 de agosto de 2009, o Diário do Nordeste publicou, com exclusividade, série de reportagem que buscou reavaliar a experiência dos representantes da elite intelectual do Império brasileiro em terras cearenses. Dentro do espírito das grandes viagens exploratórias realizadas desde a descoberta do Novo Mundo, a Comissão preconizada pelo IHGB defendia a realização de uma pesquisa das províncias do Norte apenas com cientistas brasileiros. Uma tentativa de sair da posição de fornecedor de exemplares a serem pesquisados para a de produtor de conhecimento, cujo legado ainda pode ser explorado.
Karoline Viana
Repórter
Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Jaguaribe Mirim. Pintor registrava arquitetura e aspectos humanos do Ceará. Foto: MHN
Fotografia de Reis Carvalho, desenhista oficial da Comissão
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Aracati. Comissão Científica buscou explorar um Brasil dentro do Brasil
Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 6 de dezembro de 2009.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=701736
Esta é a principal dificuldade encontrada pela historiadora fluminense Rachel Jaccoud Ribeiro Amaro. A pesquisadora busca estudar as obras de Reis Carvalho por meio de um diálogo com a História da Arte, num trabalho de pesquisa que realiza de forma independente da academia. Foi por conta de um trabalho para a faculdade que ela entrou pela primeira vez em contato com os desenhos e aquarelas do artista.
"Fui em busca de material no Museu Histórico Nacional (MHN) e me deparei com as 32 aquarelas e desenhos que o museu possui do Reis Carvalho. Foi aí que comecei, na condição de estagiária do MHN, a pesquisar e buscar obras e informações sobre ele em outras instituições, como o Museu Dom João VI da Escola de Belas Artes. Mas as informações sobre ele muitas vezes são pontuais e divergentes, sua trajetória não é tão bem documentada como a dos demais membros da Comissão. Alguns autores (Down Ades, por exemplo) propõem que o nascimento de Reis Carvalho teria acontecido em 1800. Bruno Pedrosa, entretanto, afirma que o ano seria 1798. Heitor de Assis Júnior lembra que podemos encontrar obras do pintor datadas de 1882 e que em 1891 ele ainda figura como professor honorário da Academia. A estimativa mais ampla, portanto, ficaria entre os anos de 1798-1892. Ao certo, podemos afirmar apenas que Reis Carvalho teve uma longa vida produtiva, de 1824 a 1882, aproximadamente".
"Pintor de flores"
Uma das poucas informações seguras é que o pintor fez parte da primeira turma da Academia Imperial de Belas Artes, hoje denominada de Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Tenente da Marinha, Reis Carvalho deu aulas de desenho na Escola Imperial da Marinha até ser chamado a compor a Comissão Científica, que chegou ao Ceará em 1859 e permaneceu até meados de 1961.
Para a pesquisadora, o insucesso da Comissão Científica, ou pelo menos a não continuidade do projeto pode ajudar a explicar o esquecimento e as lacunas em relação ao pintor. O projeto inicial da expedição fomentada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), patrocinada pelo imperador Dom Pedro II, contemplaria a exploração de todas as províncias do Norte, mas acabou sendo questionada por críticas severas e inviabilizada por falta de verbas
Reis Carvalho foi aluno do pintor francês Jean Baptiste Debret, artista de formação neoclássica que veio a convite do monarca português Dom João VI, cuja dinastia governava a partir de Rio de Janeiro desde a transferência da Corte para o Brasil, em 1808. No livro "Viagem Pitoresca ao Brasil", Debret se refere ao discípulo como "pintor de flores e decorador, professor de Desenho da Escola Imperial de Marinha na vaga de José de Cristo, falecido".
Segundo Rachel Amaro, Reis Carvalho de fato era conhecido pela fidelidade com que pintava seus temas, inclusive tendo ganho vários prêmios por conta disso. Este traçado fidedigno deve ter pesado na escolha de Reis Carvalho para compor uma comissão que privilegiava os rigores da investigação científica na catalogação dos mais diversos aspectos da província imperial.
Paisagens e tipos
Provavelmente foi com o mestre francês que Reis Carvalho aprendeu a valorizar e fazer uso da técnica da aquarela para captar cenas cotidianas e que deveriam ser executadas de forma rápida e ao mesmo tempo vivaz. Numa viagem feita em lombo de jumento (ainda não havia estradas de ferro na província) e com uma série de dificuldades encontradas tanto no deslocamento quanto nas condições de pouso pelos sertões cearenses, a agilidade aliada à precisão eram essenciais para executar este tipo de trabalho.
Ao longo do período em que a Comissão permaneceu no Ceará, as pinturas e desenhos de Reis Carvalho registram aspectos da arquitetura (igrejas, casebres, vistas de cidades, interiores de residências, moinho de vento), paisagens (serras, vegetação, locais ermos), atividades da comunidades sertanejas (pesca de piranha, o trabalho artesanal das rendeiras, vendedores de azeite) e até fenômenos naturais, como redemoinhos.
A pesquisadora busca trabalhar o cotidiano, os tipos humanos, os usos e costumes do Ceará registrados a partir do olhar do pintor, em que se percebe o confronto entre os modelos herdados de uma tradição europeia e um ambiente e costumes completamente diversos do que havia na Corte.
"É possível perceber que a pintura de Reis Carvalho é um registro romântico, por mais que ele procurasse uma representação fiel ao que ele via. Há uma referência ao trabalho já realizado pelo Debret, em que se busca mostrar o diferente, mas nem sempre se consegue evidenciar o que está ali", opina a historiadora.
RENATO BRAGA Cearense ainda é referência no tema
Professor de Agronomia na UFC, Renato Braga fez extensa pesquisa sobre legado da Comissão
Fortaleza Passados 150 anos da viagem exploratória à província do Ceará, a primeira e, ainda hoje, grande obra de referência sobre a Comissão Científica de Exploração é de um cearense. Professor na Faculdade de Agronomia, quando a UFC ainda era denominada Universidade do Ceará, Renato Braga lançou, em 1962, o livro "História da Comissão Científica de Exploração". O livro é fruto de uma extensa pesquisa em arquivos e instituições do Ceará e do Rio de Janeiro, patrocinada pelo então reitor da instituição, Antônio Martins Filho, como forma de marcar o centenário da viagem exploratória, que ocorreria sete anos depois.
Renato Braga coloca logo na introdução o grande estranhamento que tinha pela falta de pesquisas, dentro e fora do Ceará, sobre a vinda dos chamados "científicos" para analisar as potencialidades das províncias do Norte, começando pelo Ceará. A obra traça a trajetória e o esforço de homens que abrem mão dos confortos e da vida "civilizada" da Corte para adentrar num ambiente que, apesar de se encontrar no mesmo país, apresenta ambiente, usos e costumes bastante diversos. Ainda hoje, livros e trabalhos sobre o tema ainda são de circulação restrita, apesar de atualmente haver um esforço para discutir e analisar o legado deixado pela Comissão Científica.
Em 16 de agosto de 2009, o Diário do Nordeste publicou, com exclusividade, série de reportagem que buscou reavaliar a experiência dos representantes da elite intelectual do Império brasileiro em terras cearenses. Dentro do espírito das grandes viagens exploratórias realizadas desde a descoberta do Novo Mundo, a Comissão preconizada pelo IHGB defendia a realização de uma pesquisa das províncias do Norte apenas com cientistas brasileiros. Uma tentativa de sair da posição de fornecedor de exemplares a serem pesquisados para a de produtor de conhecimento, cujo legado ainda pode ser explorado.
Karoline Viana
Repórter
Igreja de Nossa Senhora da Conceição em Jaguaribe Mirim. Pintor registrava arquitetura e aspectos humanos do Ceará. Foto: MHN
Fotografia de Reis Carvalho, desenhista oficial da Comissão
Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, em Aracati. Comissão Científica buscou explorar um Brasil dentro do Brasil
Fonte: Jornal Diário do Nordeste. Caderno Regional. Fortaleza, 6 de dezembro de 2009.
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=701736
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