Kênia - África
Brasil-América do Sul
Brasil-América do Sul
Índia-Ásia
Por Suely Salgueiro Chacon
O principal objetivo desse artigo é apresentar o processo histórico que levou a humanidade à crise ambiental que vem se acentuando desde as últimas décadas do século XX.
A humanidade parece perdida, a vagar por entre as conseqüências de uma crise de percepção que coloca em dúvida todo o processo civilizatório vivido até aqui. A análise aqui apresentada permite visualizar parcialmente o processo histórico pelo qual a humanidade conduziu sua relação com a natureza e com seus próprios semelhantes. O conhecimento adquirido pelos homens levou à geração de extraordinários avanços científicos, tecnológicos e econômicos, e, ao mesmo tempo, ao aumento dos problemas sociais e ambientais, resultantes do uso exacerbado e inconseqüente da natureza e dos próprios homens.
As reflexões conduzem a uma conclusão: só haverá uma real possibilidade de reversão dessa crise a partir de uma transformação profunda no pensar e no agir da humanidade, substituindo o ter pelo ser em sua ordem de prioridade.
1 As origens da crise
A ilusão de domínio sobre a natureza e a exacerbação do ter sobre o ser é um processo que surgiu com a criação do excedente, ainda no Modo de Produção Comunal Primitivo[1], o que permitiu a especialização e as trocas, e levou a uma contínua e crescente exploração da natureza pelo homem, bem como do próprio homem pelo homem. Essa exploração teve seu grande impulso com o surgimento de ideologias que pretendiam “libertar” o homem de qualquer tradicionalismo e/ou costumes arcaicos, normalmente ligados à vida rural, e à terra. Esse momento é também marcado pelo o fim do Modo de Produção Feudal e o surgimento do Modo de Produção Capitalista, que, transfigurando-se ao longo do tempo, é ainda hoje hegemônico. A crescente urbanização, bem como o crescimento exorbitante da população, a mudança da noção de distância e o poderio do mercado em detrimento da sociedade marcam essa época, quando a natureza é transformada em recurso natural e o homem em recurso humano.
Polanyi (1980), no capítulo 15 do livro A grande transformação, discute o processo histórico que transformou a terra em mercado e mercadoria, elucidando a diferença entre o uso e a propriedade privada dessa terra, que foi convertida pela economia em “recurso natural”. O autor compara esse processo ao processo análogo por que passou o trabalho, que levou o homem a se tornar “recurso humano”, ressaltando que essa transformação se deu mais rapidamente e mais facilmente do que a da terra.
“Imaginar a vida do homem sem a terra é o mesmo que imaginá-lo nascendo sem mãos e pés”. Essa frase de Polanyi (1980: 181) remete à colocação de Arendt (1997), de que a condição humana é dada pela natureza. Ser-se-á sempre um ser humano, onde quer que se esteja, mesmo fora do planeta, mas a condição humana é dada ao homem pela natureza, pela terra, que condiciona sua existência, permitindo sua sobrevivência no Planeta Terra. No entanto, terra é hoje, antes de tudo, uma fonte de lucro, não apenas per si, mas a partir de seus variados usos.
2 A natureza e o homem x a ciência e a produção
Em oposição à importância dada por Polanyi (1980) e Arendt (1997) à natureza, a maioria das teorias econômicas baseia o estudo da evolução do ser humano sobre a Terra na sua capacidade de produção. A partir de suas necessidades ele passa a interferir na natureza, observando-a até começar a transpor a etapa de total dependência para uma modificação lenta e gradual, que permitirá um domínio cada vez maior. O homem viveu diferentes períodos, de acordo com a evolução de suas forças produtivas, que por sua vez caracterizam os modos de produção[2] determinados historicamente, nos quais se encontram relações sociais de produção específicas.
O momento histórico que marcou a ruptura total do homem com a terra, quando ele foi dominado pela ilusão de dominar a natureza, de não pertencer a ela, mas de possuí-la, é muito bem caracterizado por Hobsbawm (1988). Ele analisa as duas grandes revoluções de cunho ideológico e econômico, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, respectivamente, que deram as bases para o predomínio da ciência e da técnica sobre todas as instâncias de atuação humana, quando a razão tornou-se soberana, descartando qualquer emoção, que supostamente impediria o progresso da raça humana. Esse momento histórico é baseado nas idéias do Iluminismo e do Liberalismo Econômico.
Hayward (1994) diz que o Iluminismo foi um avanço cultural a partir da ciência, e o domínio sobre a natureza foi considerado emancipatório teoricamente (ciência), materialmente (técnica) e praticamente (ética). Enquanto Hayward tenta desmistificar o Iluminismo, Hobsbawm (1988) descreve-o no contexto histórico, mostrando que na época essa doutrina de fato significou a libertação (da Idade Média).
Os dois principais centros dessa ideologia foram também o palco das duas grandes revoluções, França e Inglaterra. Ali a doutrina que pregava que uma sociedade livre era aquela comandada pela razão e pelo capitalismo floresceu. O objetivo do capitalismo era tido como do de libertar todos os seres humanos. “Todas as ideologias humanistas, racionalistas e progressistas estão implícitas nele, e de fato surgiram dele”. (Hobsbawm, 1988: 38) O capitalismo é visto então como o “libertador” – por isso Locke diz que a propriedade privada “liberta”.
Os príncipes usavam as idéias do iluminismo do mesmo modo que vários governos modernos usaram o planejamento. Mas eles estavam mais interessados em novos e mais eficientes métodos para arrecadar impostos e aumentar sua riqueza e poder, do que defender a idéias da nova sociedade “iluminada”. “Um príncipe necessitava de uma classe média e de suas idéias para modernizar o seu Estado; uma classe média fraca necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao progresso, causada por arraigados interesses clericais e aristocráticos”. (Hobsbawm, 1988: 39).
Esse é um processo muito semelhante ao que acontece hoje com o conceito de desenvolvimento sustentável, apropriado pelo discurso político como uma “palavra mágica”, que abre portas, consegue recursos e tudo justifica.
Hayward (1994) lembra que, segundo Kant, o iluminismo é a emergência do ser racional livre (Mündigkeit = autonomia madura: a liberdade de tomar uma responsabilidade e a capacidade de usar a própria liberdade). Ele surge com o intuito de libertar o homem do encantamento, dos mitos (da Idade Média), mas acaba levando a um novo culto, o “culto à razão”. Assim, o domínio sobre a natureza aparece dentro de um contexto moral determinado pela razão, que tudo justificaria. Fazendo par com as idéias iluministas, estão as idéias do Liberalismo econômico, base modo de produção capitalista, também inspiradas na razão e na lógica simples.
A ciência econômica tem evoluído em sintonia com os interesses das classes dominantes, forjando teorias que justificam e defendem o seu status quo, bem como a permanência e revitalização da estrutura e superestrutura necessárias.
O período histórico em que aconteceu a ascensão do capitalismo é também o momento da ascensão definitiva da economia à categoria de ciência. A doutrina clássica pregava as idéias liberais, por meio da crença irrestrita nos mecanismos de mercado, o qual seria regido por uma “mão invisível” que, segundo Adam Smith, faria as forças de mercado (demanda e oferta) permanecerem semrpe em equilíbrio, e não ocorressem crises no sistema produtivo. O sistema era assim perfeito, e por isso mesmo se conduzia pelas leis da “concorrência perfeita”. Era essa a base do Liberalismo Econômico, pelo qual o mercado era o ente fundamental, aliado à propriedade privada, para a organização social. O homem se curvava definitivamente aos ditames da produção e do consumo.
A partir desse ponto o que a humanidade passou a viver foi um processo de total subordinação aos ditames da produção, sempre justificados e amparados pela ciência. Para Leff (2001: 133):
“O processo civilizatório da modernidade fundou-se em princípios de racionalidade econômica e instrumental que moldaram as diversas esferas do corpo social: os padrões tecnológicos, as práticas de produção, a organização burocrática e os aparelhos ideológicos do Estado. A problemática ecológica questiona os custos socioambientais derivados de uma racionalidade produtiva fundada no cálculo econômico, na eficácia dos sistemas de seus meios tecnológicos”.
Buarque (In: Bursztyn, 1994: 77) vai além e diz que o século da economia foi na verdade o século XX. Para ele, enquanto a técnica surge como o grande instrumento de transformação do mundo físico, definindo-o como ele é, a economia se apresenta como a base racional para essa transformação, definindo como o mundo pensa, e até como ele desejou ser. “Para ser da ética, o século XXI terá que rever a maneira como a economia explica e intervém no mundo”.
Duas novas tensões surgem no final do século passado, segundo Buarque: “(...) a tensão entre realidade e desejo social; e a tensão entre o objeto limitado ao homem e seus produtos e um novo objeto capaz de incorporar toda a dimensão planetária”. (Buarque In: Bursztyn, 1994: 77) Essas tensões geram a necessidade de se revisar o pensamento no sentido de uma nova abrangência do objeto a ser estudado, de uma redefinição dos propósitos do processo social e de uma nova racionalidade, “(...) capaz de servir para a realização dos novos propósitos, levando em conta a nova abrangência”. (Buarque In: Bursztyn, 1994: 77)
3 Configurações da crise hoje
O homem, julgando-se acima de tudo e de todos, amparado pelo racionalismo e pelas descobertas da ciência, depositou seus principais desejos e aspirações na busca do sucesso econômico, pela vontade de ter, acumular cada vez mais riquezas, e, por conseguinte, mais poder sobre seus iguais, esquecendo-se assim da sua real condição de ser, na e com a natureza.
É inevitável diante dessa constatação que se busque explicações. A tomada de consciência cada vez maior leva a que o homem se questione acerca dos valores que guiaram o processo civilizatório dos últimos séculos, pelos quais a individualização, a competição, a dominação e exploração dos homens sobre os homens e sobre a natureza, se tornaram elementos essenciais da formação econômica e social, e como tais são vistos com naturalidade.
Tornou-se banal usar a natureza, devastando-a em prol do “progresso econômico”, que seria a única forma de gerar felicidade para todos. Como é normal usar a natureza, também o é usar o semelhante, explorando-o e, ao mesmo tempo, convencendo-o de que um dia ele será recompensado com a felicidade pelo seu “progresso econômico”, o que lhe garantirá sucesso social. Então, se ele derrubar o seu colega não estará errado, pois ele é na verdade um competidor, que poder roubar-lhe a possibilidade de ser o melhor. Assim torna-se também muito simples usar a natureza como depósito de lixo ou explorá-la até a exaustão. O que importa é o agora, o presente. Não há lições do passado, não há previsões para o futuro.
Herrera (In: Bursztyn, 1984: 57) diz que:
(...) o elemento de unidade histórica, fora dos períodos de transição, é a permanência de uma determinada “visão de mundo” entre gerações. Hoje ocorre que as novas gerações estão começando a ter uma visão de mundo bastante distinta da que tínhamos até agora. Não se utilizam de informações detalhadas sobre o passado, não tentam aprofundar muito a busca de novos modelos e têm uma percepção da coisas diferente das anteriores.
Para Herrera (In: Bursztyn, 1984) o primeiro esforço que se deve fazer é o de se ver como espécie. Para ele, o que de fato distingue o homem dos outros animais é a própria definição do homem, um animal não apenas social, mas cultural. E o homem pode mudar e superar momentos de crise, justamente por ser um animal cultural.
Herrera nos coloca uma pergunta essencial, que vem sendo repetida desde os primórdios da existência humana conhecida: qual o destino do homem? Que sentido tem o homem e a vida? Vai além, perguntando:
“O que aconteceu com o homem? O mais óbvio no Homem é que tem um aparato cognitivo, uma mente, que é infinitamente superior à capacidade de que precisa para sobreviver. Tanto é assim que o seu inimigo maior para sobreviver – e estamos agora em perigo de extinção – precisamente é essa capacidade mental infinita que tem”. (59)
E acrescenta:
(...) o Homem pela primeira vez tem a possibilidade de libertar-se realmente do meio. (...) não no sentido de ignorá-lo; libertar-se no sentido de não estar atado à escassez e ao trabalho rotineiro. (...) se não conseguirmos construir uma cultura que esteja de acordo com o verdadeiro destino humano, vamos destruí-lo.” (61)
Mas Herrera ressalta alguns pontos que ele considera favoráveis à humanidade nessa crise, que se arrasta cada vez mais grave, quais sejam:
- a miséria é um fenômeno sócio-político econômico, não um fenômeno natural, podendo o homem, com sua capacidade científica e tecnológica, satisfazer as necessidades básicas da humanidade. Ou seja, ele defende uma melhor distribuição da produção, em detrimento à concentração de renda crescente. É de fato a solução, mas infelizmente é uma colocação simplista, otimista e até ingênua, face aos interesses em jogo e ao fato da ciência está totalmente comprometida com o processo de acumulação capitalista que alimenta hoje a miséria crescente.
- existe uma “civilização mundial”, dada pelo “processo de unificação do mundo”, nunca percebido antes com tal magnitude e abrangência. É possível “conceber a diversidade das culturas humanas como uma totalidade orgânica”.
Porém, essa verdadeira “revolução” não se realizará sem que seja garantido a todos, sem distinção, o direito à vida. Para Sen (2000) não é possível falar de desenvolvimento sem antes tratar da liberdade do ser humano em seus aspectos primordiais, devolvendo às pessoas sua condição de agentes: “O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. (Sen, 2000: 18)
Como falar de agentes de desenvolvimento, ou de preservação da vida e dos recursos naturais para pessoas que vêm seus filhos morrendo de fome, seja no Sertão do Ceará, no interior da África ou nos guetos de Nova Iorque? Dos 6 milhões de habitantes da Terra, 2,8 bilhões vivem com menos de 2 dólares por dia e 1,2 milhões com menos de 1 dólar por dia. Nos países pobres um quinto das crianças morre antes de completar cinco anos e 50% das que sobrevivem são desnutridas (World Bank, 2000).
A busca de uma convivência mais saudável e equilibrada do homem com meio ambiente está implícita na busca por uma forma de viver mais digna e ética, que não mais exclua, porém que permita que cada um exerça sua liberdade, numa “cidadania planetária”, como propõe Boff (1998: 38), nos mesmos moldes da “sociedade civil planetária” de Leis (In: Viola et al, 1998:39), que vai mais além e propõe um “Governo Mundial” (In: Viola et al, 1998: 39 e 1996: Cap. 1), que priorizaria ações de defesa à vida na Terra, em todas as suas expressões.
Especificamente sobre a crise ecológica, Enzensberger (1976), nos diz que, antes de ter uma explicação eminentemente natural, ela é resultado de um processo social ligado intimamente ao modo de produção capitalista. O autor defende a seguinte hipótese central, levantada pela ecologia: “As sociedades industriais produzem contradições ecológicas que deverão conduzi-las à sua ruína em um tempo previsível”. (Enzensberger,1976: 9)
Essa hipótese, que pode ser vista também como um prognóstico, baseia-se em um conjunto de fatores sinérgicos: aumento incontrolável da população mundial; processos industriais que têm como base o uso de energias não renováveis, que dependem do uso de matérias-primas também não renováveis e que usam tal quantidade de água, que a recarga natural não é suficiente; o aumento da produtividade agrícola que tem levado a novos desequilíbrios ecológicos; contaminação do mundo: desequilíbrios e disfunções de todo tipo que resultam do intercâmbio entre a natureza e a sociedade humana, como conseqüência involuntária do processo de industrialização; poluição psíquica; poluição térmica (efeito estufa).
Enzensberger destaca ainda que:
“(...) uma dificuldade primordial da construção e refutação das hipóteses ecológicas está no fato de que todos os processos transcorrem de um modo paralelo, sem uma estreita interdependência; isto é válido também para os intentos de solução das crises ecológicas. Comumente, senão sempre, as medidas para limitar um dos chamados fatores críticos conduzem a que outro escape ao seu controle. Se trata de um sistema de regulações, ou melhor dizendo, de perturbações circulatórias unidas entre si de múltiplas maneiras.” (Enzensberger, 1976: 11)
Parece claro que apenas a partir de um processo longo e definitivo de tomada de consciência geral é que se pode esperar uma reversão desse quadro de crise.
É uma coisa ter cuidado com o ambiente,
de modo que perdure e permaneça benigno,
e outra inteiramente diferente é saber,
bem no fundo do coração,
que ele, como nós, é parte do planeta vivo.
Elizabet Sahtouris, 1998: 23.
A crise que vivemos hoje não é apenas ambiental, mas também é social, moral e econômica (inclusive!). É uma resultante da irresponsabilidade da humanidade perante si mesma, pela sua incapacidade de olhar o passado e de olhar-se no presente, ficando cega para o que pode vir depois, como conseqüência de seus atos, ou pela falta deles.
A rápida viagem aqui empreendida mostra, parcialmente, como o homem forjou os pressupostos dessa crise. Ao longo de sua história, a humanidade colocou-se em uma posição ilusória de comando, sentindo-se soberana diante da vida, da natureza, distanciando-se assim de sua origem, de seu estado natural.
Não existem “soluções mágicas”, capazes de reverter no curto prazo séculos de degradação ambiental e de reprodução de um modelo de dominação social excludente e explorador, contudo a tomada de consciência de cada um deve ser imediata.
A crise ambiental é também uma crise de percepção que coloca em dúvida todo o processo civilizatório vivido até aqui. A materialização de necessidades e desejos não significou a felicidade pretendida para todos, mas sim um movimento cada vez mais forte de exclusão e miséria de escala planetária, que se faz sentir em uma parcela cada vez maior da população.
Só haverá possibilidade de mudança real a partir de uma transformação profunda no pensar e no agir da humanidade, substituindo o ter pelo ser em sua ordem de prioridade. Esse é um ideal perfeitamente alcançável, no entanto, para se chegar até ele é preciso uma mudança radical na forma de sentir do ser humano, para que ele possa então perceber o seu entorno e renovar as relações na Terra e com a terra, promovendo um modo de vida mais digno e ético.
A ciência deve se posicionar corajosamente, libertando-se do jogo de interesses que tem comandado as ações humanas, e lutar para provar que é possível se alcançar um processo de desenvolvimento saudável e solidário, sem necessariamente promover a exploração do ser humano e a degradação ambiental. A ciência econômica, especialmente, deve, nesse contexto, se superar e encontrar soluções de desenvolvimento que levem em conta práticas sustentáveis de produção e, principalmente, definir mecanismos para a reversão da miséria, por meio de um melhor processo de distribuição das riquezas.
Mas entre a “moda” da proteção ambiental, que gera negócios e melhora a imagem de grupos, de políticos, de empresários e de governos, e a real consciência ambiental e social há ainda, em pleno século XXI, um longo caminho. Ao ser percorrido pode revelar diversas alternativas, não só para a valorização do meio ambiente, mas do próprio homem, levando este a despertar para sua real condição na natureza e não acima e fora dela.
Referências Bibliográficas
Arendt, Hannah. A condição humana. 8a Ed. Revista. Tradução de Roberto Raposo. Trad. Celso Lafer. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.
Aron, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 5ª Ed. Trad. Sérgio Bath. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Boff, Leonardo. O despertar da águia: o dia-bólico e o sim-bólico na construção da realidade. Petrópolis- RJ: Vozes, 1998.
Buarque, C. O pensamento em mundo Terceiro Mundo. In: Bursztyn, M. (org) Para pensar o desenvolvimento sustentável. 2a. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.
Bursztyn, Marcel. O poder dos donos: planejamento e clientelismo no Nordeste. 2a Ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1984.
Cavalcanti, Clóvis (org.). Meio ambiente, desenvolvimento sustentável e políticas públicas. 2a Ed. São Paulo: Cortez: Recife: Fund. Joaquim Nabuco, 1999.
REFLEXÕES SOBRE A CRISE AMBIENTAL: UMA VIAGEM ATÉ SUAS ORIGENS
Por Suely Salgueiro Chacon
Introdução
Um sistema de desvínculo: Boi sozinho se lambe melhor... O próximo, o outro,
não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor,
um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada.
O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar:
condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços.
Eduardo Galeano (1997)
não é seu irmão, nem seu amante. O outro é um competidor,
um inimigo, um obstáculo a ser vencido ou uma coisa a ser usada.
O sistema, que não dá de comer, tampouco dá de amar:
condena muitos à fome de pão e muitos mais à fome de abraços.
Eduardo Galeano (1997)
O principal objetivo desse artigo é apresentar o processo histórico que levou a humanidade à crise ambiental que vem se acentuando desde as últimas décadas do século XX.
A humanidade parece perdida, a vagar por entre as conseqüências de uma crise de percepção que coloca em dúvida todo o processo civilizatório vivido até aqui. A análise aqui apresentada permite visualizar parcialmente o processo histórico pelo qual a humanidade conduziu sua relação com a natureza e com seus próprios semelhantes. O conhecimento adquirido pelos homens levou à geração de extraordinários avanços científicos, tecnológicos e econômicos, e, ao mesmo tempo, ao aumento dos problemas sociais e ambientais, resultantes do uso exacerbado e inconseqüente da natureza e dos próprios homens.
As reflexões conduzem a uma conclusão: só haverá uma real possibilidade de reversão dessa crise a partir de uma transformação profunda no pensar e no agir da humanidade, substituindo o ter pelo ser em sua ordem de prioridade.
1 As origens da crise
A ilusão de domínio sobre a natureza e a exacerbação do ter sobre o ser é um processo que surgiu com a criação do excedente, ainda no Modo de Produção Comunal Primitivo[1], o que permitiu a especialização e as trocas, e levou a uma contínua e crescente exploração da natureza pelo homem, bem como do próprio homem pelo homem. Essa exploração teve seu grande impulso com o surgimento de ideologias que pretendiam “libertar” o homem de qualquer tradicionalismo e/ou costumes arcaicos, normalmente ligados à vida rural, e à terra. Esse momento é também marcado pelo o fim do Modo de Produção Feudal e o surgimento do Modo de Produção Capitalista, que, transfigurando-se ao longo do tempo, é ainda hoje hegemônico. A crescente urbanização, bem como o crescimento exorbitante da população, a mudança da noção de distância e o poderio do mercado em detrimento da sociedade marcam essa época, quando a natureza é transformada em recurso natural e o homem em recurso humano.
Polanyi (1980), no capítulo 15 do livro A grande transformação, discute o processo histórico que transformou a terra em mercado e mercadoria, elucidando a diferença entre o uso e a propriedade privada dessa terra, que foi convertida pela economia em “recurso natural”. O autor compara esse processo ao processo análogo por que passou o trabalho, que levou o homem a se tornar “recurso humano”, ressaltando que essa transformação se deu mais rapidamente e mais facilmente do que a da terra.
“Imaginar a vida do homem sem a terra é o mesmo que imaginá-lo nascendo sem mãos e pés”. Essa frase de Polanyi (1980: 181) remete à colocação de Arendt (1997), de que a condição humana é dada pela natureza. Ser-se-á sempre um ser humano, onde quer que se esteja, mesmo fora do planeta, mas a condição humana é dada ao homem pela natureza, pela terra, que condiciona sua existência, permitindo sua sobrevivência no Planeta Terra. No entanto, terra é hoje, antes de tudo, uma fonte de lucro, não apenas per si, mas a partir de seus variados usos.
2 A natureza e o homem x a ciência e a produção
Em oposição à importância dada por Polanyi (1980) e Arendt (1997) à natureza, a maioria das teorias econômicas baseia o estudo da evolução do ser humano sobre a Terra na sua capacidade de produção. A partir de suas necessidades ele passa a interferir na natureza, observando-a até começar a transpor a etapa de total dependência para uma modificação lenta e gradual, que permitirá um domínio cada vez maior. O homem viveu diferentes períodos, de acordo com a evolução de suas forças produtivas, que por sua vez caracterizam os modos de produção[2] determinados historicamente, nos quais se encontram relações sociais de produção específicas.
O momento histórico que marcou a ruptura total do homem com a terra, quando ele foi dominado pela ilusão de dominar a natureza, de não pertencer a ela, mas de possuí-la, é muito bem caracterizado por Hobsbawm (1988). Ele analisa as duas grandes revoluções de cunho ideológico e econômico, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, respectivamente, que deram as bases para o predomínio da ciência e da técnica sobre todas as instâncias de atuação humana, quando a razão tornou-se soberana, descartando qualquer emoção, que supostamente impediria o progresso da raça humana. Esse momento histórico é baseado nas idéias do Iluminismo e do Liberalismo Econômico.
Hayward (1994) diz que o Iluminismo foi um avanço cultural a partir da ciência, e o domínio sobre a natureza foi considerado emancipatório teoricamente (ciência), materialmente (técnica) e praticamente (ética). Enquanto Hayward tenta desmistificar o Iluminismo, Hobsbawm (1988) descreve-o no contexto histórico, mostrando que na época essa doutrina de fato significou a libertação (da Idade Média).
Os dois principais centros dessa ideologia foram também o palco das duas grandes revoluções, França e Inglaterra. Ali a doutrina que pregava que uma sociedade livre era aquela comandada pela razão e pelo capitalismo floresceu. O objetivo do capitalismo era tido como do de libertar todos os seres humanos. “Todas as ideologias humanistas, racionalistas e progressistas estão implícitas nele, e de fato surgiram dele”. (Hobsbawm, 1988: 38) O capitalismo é visto então como o “libertador” – por isso Locke diz que a propriedade privada “liberta”.
Os príncipes usavam as idéias do iluminismo do mesmo modo que vários governos modernos usaram o planejamento. Mas eles estavam mais interessados em novos e mais eficientes métodos para arrecadar impostos e aumentar sua riqueza e poder, do que defender a idéias da nova sociedade “iluminada”. “Um príncipe necessitava de uma classe média e de suas idéias para modernizar o seu Estado; uma classe média fraca necessitava de um príncipe para quebrar a resistência ao progresso, causada por arraigados interesses clericais e aristocráticos”. (Hobsbawm, 1988: 39).
Esse é um processo muito semelhante ao que acontece hoje com o conceito de desenvolvimento sustentável, apropriado pelo discurso político como uma “palavra mágica”, que abre portas, consegue recursos e tudo justifica.
Hayward (1994) lembra que, segundo Kant, o iluminismo é a emergência do ser racional livre (Mündigkeit = autonomia madura: a liberdade de tomar uma responsabilidade e a capacidade de usar a própria liberdade). Ele surge com o intuito de libertar o homem do encantamento, dos mitos (da Idade Média), mas acaba levando a um novo culto, o “culto à razão”. Assim, o domínio sobre a natureza aparece dentro de um contexto moral determinado pela razão, que tudo justificaria. Fazendo par com as idéias iluministas, estão as idéias do Liberalismo econômico, base modo de produção capitalista, também inspiradas na razão e na lógica simples.
A ciência econômica tem evoluído em sintonia com os interesses das classes dominantes, forjando teorias que justificam e defendem o seu status quo, bem como a permanência e revitalização da estrutura e superestrutura necessárias.
O período histórico em que aconteceu a ascensão do capitalismo é também o momento da ascensão definitiva da economia à categoria de ciência. A doutrina clássica pregava as idéias liberais, por meio da crença irrestrita nos mecanismos de mercado, o qual seria regido por uma “mão invisível” que, segundo Adam Smith, faria as forças de mercado (demanda e oferta) permanecerem semrpe em equilíbrio, e não ocorressem crises no sistema produtivo. O sistema era assim perfeito, e por isso mesmo se conduzia pelas leis da “concorrência perfeita”. Era essa a base do Liberalismo Econômico, pelo qual o mercado era o ente fundamental, aliado à propriedade privada, para a organização social. O homem se curvava definitivamente aos ditames da produção e do consumo.
A partir desse ponto o que a humanidade passou a viver foi um processo de total subordinação aos ditames da produção, sempre justificados e amparados pela ciência. Para Leff (2001: 133):
“O processo civilizatório da modernidade fundou-se em princípios de racionalidade econômica e instrumental que moldaram as diversas esferas do corpo social: os padrões tecnológicos, as práticas de produção, a organização burocrática e os aparelhos ideológicos do Estado. A problemática ecológica questiona os custos socioambientais derivados de uma racionalidade produtiva fundada no cálculo econômico, na eficácia dos sistemas de seus meios tecnológicos”.
Buarque (In: Bursztyn, 1994: 77) vai além e diz que o século da economia foi na verdade o século XX. Para ele, enquanto a técnica surge como o grande instrumento de transformação do mundo físico, definindo-o como ele é, a economia se apresenta como a base racional para essa transformação, definindo como o mundo pensa, e até como ele desejou ser. “Para ser da ética, o século XXI terá que rever a maneira como a economia explica e intervém no mundo”.
Duas novas tensões surgem no final do século passado, segundo Buarque: “(...) a tensão entre realidade e desejo social; e a tensão entre o objeto limitado ao homem e seus produtos e um novo objeto capaz de incorporar toda a dimensão planetária”. (Buarque In: Bursztyn, 1994: 77) Essas tensões geram a necessidade de se revisar o pensamento no sentido de uma nova abrangência do objeto a ser estudado, de uma redefinição dos propósitos do processo social e de uma nova racionalidade, “(...) capaz de servir para a realização dos novos propósitos, levando em conta a nova abrangência”. (Buarque In: Bursztyn, 1994: 77)
3 Configurações da crise hoje
O homem, julgando-se acima de tudo e de todos, amparado pelo racionalismo e pelas descobertas da ciência, depositou seus principais desejos e aspirações na busca do sucesso econômico, pela vontade de ter, acumular cada vez mais riquezas, e, por conseguinte, mais poder sobre seus iguais, esquecendo-se assim da sua real condição de ser, na e com a natureza.
É inevitável diante dessa constatação que se busque explicações. A tomada de consciência cada vez maior leva a que o homem se questione acerca dos valores que guiaram o processo civilizatório dos últimos séculos, pelos quais a individualização, a competição, a dominação e exploração dos homens sobre os homens e sobre a natureza, se tornaram elementos essenciais da formação econômica e social, e como tais são vistos com naturalidade.
Tornou-se banal usar a natureza, devastando-a em prol do “progresso econômico”, que seria a única forma de gerar felicidade para todos. Como é normal usar a natureza, também o é usar o semelhante, explorando-o e, ao mesmo tempo, convencendo-o de que um dia ele será recompensado com a felicidade pelo seu “progresso econômico”, o que lhe garantirá sucesso social. Então, se ele derrubar o seu colega não estará errado, pois ele é na verdade um competidor, que poder roubar-lhe a possibilidade de ser o melhor. Assim torna-se também muito simples usar a natureza como depósito de lixo ou explorá-la até a exaustão. O que importa é o agora, o presente. Não há lições do passado, não há previsões para o futuro.
Herrera (In: Bursztyn, 1984: 57) diz que:
(...) o elemento de unidade histórica, fora dos períodos de transição, é a permanência de uma determinada “visão de mundo” entre gerações. Hoje ocorre que as novas gerações estão começando a ter uma visão de mundo bastante distinta da que tínhamos até agora. Não se utilizam de informações detalhadas sobre o passado, não tentam aprofundar muito a busca de novos modelos e têm uma percepção da coisas diferente das anteriores.
Para Herrera (In: Bursztyn, 1984) o primeiro esforço que se deve fazer é o de se ver como espécie. Para ele, o que de fato distingue o homem dos outros animais é a própria definição do homem, um animal não apenas social, mas cultural. E o homem pode mudar e superar momentos de crise, justamente por ser um animal cultural.
Herrera nos coloca uma pergunta essencial, que vem sendo repetida desde os primórdios da existência humana conhecida: qual o destino do homem? Que sentido tem o homem e a vida? Vai além, perguntando:
“O que aconteceu com o homem? O mais óbvio no Homem é que tem um aparato cognitivo, uma mente, que é infinitamente superior à capacidade de que precisa para sobreviver. Tanto é assim que o seu inimigo maior para sobreviver – e estamos agora em perigo de extinção – precisamente é essa capacidade mental infinita que tem”. (59)
E acrescenta:
(...) o Homem pela primeira vez tem a possibilidade de libertar-se realmente do meio. (...) não no sentido de ignorá-lo; libertar-se no sentido de não estar atado à escassez e ao trabalho rotineiro. (...) se não conseguirmos construir uma cultura que esteja de acordo com o verdadeiro destino humano, vamos destruí-lo.” (61)
Mas Herrera ressalta alguns pontos que ele considera favoráveis à humanidade nessa crise, que se arrasta cada vez mais grave, quais sejam:
- a miséria é um fenômeno sócio-político econômico, não um fenômeno natural, podendo o homem, com sua capacidade científica e tecnológica, satisfazer as necessidades básicas da humanidade. Ou seja, ele defende uma melhor distribuição da produção, em detrimento à concentração de renda crescente. É de fato a solução, mas infelizmente é uma colocação simplista, otimista e até ingênua, face aos interesses em jogo e ao fato da ciência está totalmente comprometida com o processo de acumulação capitalista que alimenta hoje a miséria crescente.
- existe uma “civilização mundial”, dada pelo “processo de unificação do mundo”, nunca percebido antes com tal magnitude e abrangência. É possível “conceber a diversidade das culturas humanas como uma totalidade orgânica”.
Porém, essa verdadeira “revolução” não se realizará sem que seja garantido a todos, sem distinção, o direito à vida. Para Sen (2000) não é possível falar de desenvolvimento sem antes tratar da liberdade do ser humano em seus aspectos primordiais, devolvendo às pessoas sua condição de agentes: “O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos”. (Sen, 2000: 18)
Como falar de agentes de desenvolvimento, ou de preservação da vida e dos recursos naturais para pessoas que vêm seus filhos morrendo de fome, seja no Sertão do Ceará, no interior da África ou nos guetos de Nova Iorque? Dos 6 milhões de habitantes da Terra, 2,8 bilhões vivem com menos de 2 dólares por dia e 1,2 milhões com menos de 1 dólar por dia. Nos países pobres um quinto das crianças morre antes de completar cinco anos e 50% das que sobrevivem são desnutridas (World Bank, 2000).
A busca de uma convivência mais saudável e equilibrada do homem com meio ambiente está implícita na busca por uma forma de viver mais digna e ética, que não mais exclua, porém que permita que cada um exerça sua liberdade, numa “cidadania planetária”, como propõe Boff (1998: 38), nos mesmos moldes da “sociedade civil planetária” de Leis (In: Viola et al, 1998:39), que vai mais além e propõe um “Governo Mundial” (In: Viola et al, 1998: 39 e 1996: Cap. 1), que priorizaria ações de defesa à vida na Terra, em todas as suas expressões.
Especificamente sobre a crise ecológica, Enzensberger (1976), nos diz que, antes de ter uma explicação eminentemente natural, ela é resultado de um processo social ligado intimamente ao modo de produção capitalista. O autor defende a seguinte hipótese central, levantada pela ecologia: “As sociedades industriais produzem contradições ecológicas que deverão conduzi-las à sua ruína em um tempo previsível”. (Enzensberger,1976: 9)
Essa hipótese, que pode ser vista também como um prognóstico, baseia-se em um conjunto de fatores sinérgicos: aumento incontrolável da população mundial; processos industriais que têm como base o uso de energias não renováveis, que dependem do uso de matérias-primas também não renováveis e que usam tal quantidade de água, que a recarga natural não é suficiente; o aumento da produtividade agrícola que tem levado a novos desequilíbrios ecológicos; contaminação do mundo: desequilíbrios e disfunções de todo tipo que resultam do intercâmbio entre a natureza e a sociedade humana, como conseqüência involuntária do processo de industrialização; poluição psíquica; poluição térmica (efeito estufa).
Enzensberger destaca ainda que:
“(...) uma dificuldade primordial da construção e refutação das hipóteses ecológicas está no fato de que todos os processos transcorrem de um modo paralelo, sem uma estreita interdependência; isto é válido também para os intentos de solução das crises ecológicas. Comumente, senão sempre, as medidas para limitar um dos chamados fatores críticos conduzem a que outro escape ao seu controle. Se trata de um sistema de regulações, ou melhor dizendo, de perturbações circulatórias unidas entre si de múltiplas maneiras.” (Enzensberger, 1976: 11)
Parece claro que apenas a partir de um processo longo e definitivo de tomada de consciência geral é que se pode esperar uma reversão desse quadro de crise.
Conclusão
É uma coisa ter cuidado com o ambiente,
de modo que perdure e permaneça benigno,
e outra inteiramente diferente é saber,
bem no fundo do coração,
que ele, como nós, é parte do planeta vivo.
Elizabet Sahtouris, 1998: 23.
A crise que vivemos hoje não é apenas ambiental, mas também é social, moral e econômica (inclusive!). É uma resultante da irresponsabilidade da humanidade perante si mesma, pela sua incapacidade de olhar o passado e de olhar-se no presente, ficando cega para o que pode vir depois, como conseqüência de seus atos, ou pela falta deles.
A rápida viagem aqui empreendida mostra, parcialmente, como o homem forjou os pressupostos dessa crise. Ao longo de sua história, a humanidade colocou-se em uma posição ilusória de comando, sentindo-se soberana diante da vida, da natureza, distanciando-se assim de sua origem, de seu estado natural.
Não existem “soluções mágicas”, capazes de reverter no curto prazo séculos de degradação ambiental e de reprodução de um modelo de dominação social excludente e explorador, contudo a tomada de consciência de cada um deve ser imediata.
A crise ambiental é também uma crise de percepção que coloca em dúvida todo o processo civilizatório vivido até aqui. A materialização de necessidades e desejos não significou a felicidade pretendida para todos, mas sim um movimento cada vez mais forte de exclusão e miséria de escala planetária, que se faz sentir em uma parcela cada vez maior da população.
Só haverá possibilidade de mudança real a partir de uma transformação profunda no pensar e no agir da humanidade, substituindo o ter pelo ser em sua ordem de prioridade. Esse é um ideal perfeitamente alcançável, no entanto, para se chegar até ele é preciso uma mudança radical na forma de sentir do ser humano, para que ele possa então perceber o seu entorno e renovar as relações na Terra e com a terra, promovendo um modo de vida mais digno e ético.
A ciência deve se posicionar corajosamente, libertando-se do jogo de interesses que tem comandado as ações humanas, e lutar para provar que é possível se alcançar um processo de desenvolvimento saudável e solidário, sem necessariamente promover a exploração do ser humano e a degradação ambiental. A ciência econômica, especialmente, deve, nesse contexto, se superar e encontrar soluções de desenvolvimento que levem em conta práticas sustentáveis de produção e, principalmente, definir mecanismos para a reversão da miséria, por meio de um melhor processo de distribuição das riquezas.
Mas entre a “moda” da proteção ambiental, que gera negócios e melhora a imagem de grupos, de políticos, de empresários e de governos, e a real consciência ambiental e social há ainda, em pleno século XXI, um longo caminho. Ao ser percorrido pode revelar diversas alternativas, não só para a valorização do meio ambiente, mas do próprio homem, levando este a despertar para sua real condição na natureza e não acima e fora dela.
Referências Bibliográficas
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[1] Utiliza-se aqui a caracterização dos Modos de Produção dada por Ostrovitianov (1972)
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[1] Utiliza-se aqui a caracterização dos Modos de Produção dada por Ostrovitianov (1972)
[2] Modo de Produção é um momento histórico de uma sociedade em função da evolução da produção; escrevem a história no tempo, as formações sociais escrevem-na no espaço.
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