sexta-feira, 19 de agosto de 2011

História do Sertão ameaçada


alerta

Abandono de sítios históricos

Publicado em 13 de agosto de 2011 

Dois campos que remontam às memórias das vítimas da seca de 32 estão abandonados em bairros do Crato
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NA MARGEM da Av. Padre Cícero, entre Crato e Juazeiro, cruzes indicam que no local existiu um cemitério para as vítimas da cólera, na seca de 32. Construções invadem o local 
FOTOS: ANTÔNIO VICELMO
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NA MARGEM da Av. Padre Cícero, entre Crato e Juazeiro, cruzes indicam que no local existiu um cemitério para as vítimas da cólera, na seca de 32. Construções invadem o local 
ANTÔNIO VICELMO

Crato. A especulação imobiliária está destruindo os últimos vestígios do cemitério da cólera e do campo de concentração que funcionaram no Crato na seca de 32. Os tratores passaram por cima das cruzes que assinalavam os locais onde as vítimas da seca e da cólera foram sepultadas. Restam somente três cruzes no local, que só não foram arrancadas porque estão na base de um poste de energia elétrica.

O cemitério estava localizado na margem da Avenida Padre Cícero, que liga Crato a Juazeiro do Norte, no campo de futebol, ao lado do terreno da Cerâmica Norguaçu. Ali, os parentes das vítimas da cólera costumavam acender velas, no Dia de Finados. A área está sendo coberta por construções.

A dona de casa Maria Auxiliadora, que reside nas proximidades, disse que sobraram apenas três cruzes que serão brevemente destruídas.

Quanto ao campo de concentração, ou curral dos flagelados, que foi instalado na seca de 32, no Bairro Muriti, ao lado da via férrea, não existe nenhum marco, a não ser a própria linha de ferro e os depoimentos de pessoas que ouviram de seus pais e avós. A aposentada Maria Helenice Brito Vilar conta que o campo de concentração era um curral de crueldades. As pessoas morriam de fome e de cólera. Eram enterradas em valados. As crianças pagãs eram levadas para o cemitério dos coléricos. A alimentação vinha de trem de Fortaleza.

Indústria da seca
Os campos próximos a Fortaleza reuniram em torno de 5,5 mil pessoas. O do Buriti, por sua vez, programado para uma lotação máxima de cinco mil, chegou a manter 18 mil no período de maior intensidade. O comando desse campo coube ao tenente João de Pinho, do Exército Brasileiro. O médico e escritor Napoleão Tavares Neves afirma que a chamada "indústria da seca" nasceu nestes campos de concentração. "Ali eram desviados os alimentos destinados aos pobres", diz Napoleão.

O campo de concentração do Crato fazia parte de sete campos que foram instalados no Ceará nas cidades Senador Pompeu, Quixeramobim, Patu, Cariús, Ipu e Fortaleza (nos lugares Otávio Bonfim e Urubu). Segundo a historiadora Kênia Sousa Rios, os campos "eram locais para onde grande parte dos retirantes foi recolhida a fim de receber do governo comida e assistência médica. Dali não podiam sair sem autorização dos inspetores do Campo. Havia guardas vigiando constantemente o movimento dos concentrados. Ali ficavam concentrados milhares de retirantes a morrer de fome e doenças´´

Ainda que livres em certas horas para circular fora do campo, os refugiados recebiam ração constituída de derivado da mandioca conhecido por "farinha do barco", de cor amarela, trazida do Estado do Pará, cuja má digestão causava males digestivos e insistentes mortes.

Em virtude da desnutrição e de doenças, "morria gente todos os dias, e um caminhão passava recolhendo os corpos no final da tarde para jogá-los em valas na parte alta do campo", afirma a historiadora Rosângela Martins.

O escritor e advogado Emerson Monteiro lembra que naquele ano, à época da moagem, por volta do meio do ano, levas de refugiados saiam pelos brejos do sopé da serra, na busca de alimento. Derivados da cana e o pequi auxiliaram sobremodo na preservação das vidas, apesar de existir ordem expressa do comando do campo para que os proprietários dos engenhos não fornecessem alimento aos famintos. Alguns desobedeciam, a exemplo de José Pinheiro Gonçalves, no Sítio Belmonte.

Ao final da malograda experiência de controle social, no Cariri restaram centenas de crianças órfãs, muitas delas que aqui permaneceram abrigadas por famílias da região.

MAIS INFORMAÇÕES 
Pesquisador Emerson
Monteiro: (88) 3521.3118, Crato
Escritor Napoleão Tavares Neto
(88) 3532.0559, Barbalha


Antônio VicelmoRepórter

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