segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Agroecologia no Sertão

AGRICULTURA SEM AGROTÓXICO (26/12/2010)

Orgânicos conquistam Cariri

26/12/2010 Clique para Ampliar
O Produtor José Góes transformou um pedaço de terra, no Sítio Bebida Nova, no sopé da Serra do Araripe, num verdadeiro pomar. Ali, ele mistura sombra, sol, frutas e verduras 
FOTOS: ANTÔNIO VICELMO

Clique para Ampliar
Juvenal matos escolhe os melhores grãos e armazena em garrafas pet para o período chuvoso do próximo ano
A população dos Municípios do Cariri estão consumindo, cada vez mais, produtos que não contem agrotóxicos

Crato. Produtos agrícolas cultivados sem defensivos químicos vem ganhando o mercado regional. No Cariri, funcionam duas feiras semanais, no Crato e Juazeiro do Norte, na sexta-feira, com grande procura. O Distrito de Ponta da Serra, a 20 quilômetros do Crato, promoveu sua feira de orgânicos recentemente. A preocupação com a saúde tem sido o principal motivo do crescente aumento do número de pessoas que buscam uma alimentação saudável, sem qualquer resquício de agrotóxicos.

Esta alternativa alimentar vem sendo incentivada pela Associação Cristã de Base (ACB), que organiza estas feiras, com o objetivo de fornecer o suporte técnico e instruir os agricultores. "Além disso, a feira proporciona a disseminação das práticas agroecológicas e os benefícios de consumir produtos livres de agroquímicos", destaca o agrônomo Jorge Pinto, atual presidente da ACB do Crato, acrescentando que, com isso, cria-se uma consciência social do que é ecologicamente correto, economicamente viável e socialmente justo.

Jorge lembra que estes alimentos provêm de sistemas agrícolas baseados em processos naturais, que não agridem a natureza e mantêm a vida do solo intacta. É uma agricultura sustentável que nutre o solo, alimentado-o naturalmente.

Técnicas

As técnicas usadas para se obter o produto orgânico incluem emprego de compostagem, da adubação verde, do manejo orgânico do solo e da diversidade de culturas, que garantem a mais alta qualidade biológica dos alimentos. A comercialização vem sendo trabalhada junto à Feira Semanal de Produtos Orgânicos, cuja produção é orientada dentro do sistema agroflorestal, contando com 25 feirantes (homens e mulheres) que vendem seus produtos, gerando uma relação nova entre os produtores e os consumidores.

Estes feirantes são selecionados, cadastrados e acompanhados para garantir a qualidade dos produtos. A experiência, de acordo com a técnica da ACB, Maria do Socorro Silva, tem demonstrado um aprendizado fantástico, satisfazendo os consumidores e, ainda, aumentando a renda familiar dos agricultores e levantando a autoestima das famílias envolvidas.

A agricultura orgânica, segundo Socorro, é o modo verdadeiramente científico e respeitoso de produzir alimentos saudáveis e assegurar a integridade do meio ambiente. Mais do que isso, está despontando como uma alternativa econômica de agregação de renda para os pequenos produtores.

Transformação

É o caso do produtor José Ronaldo Góes, que transformou um pedaço de terra, no Sítio Bebida Nova, no sopé da Serra do Araripe, num verdadeiro pomar. Ali, com a orientação da ACB, ele mistura sombra, sol, frutas e verduras, no mesmo espaço. O resultado foi surpreendente. Mesmo morando num local isolado, de acesso difícil para veículos, os consumidores compram os produtos dentro da roça. "Aqui, o consumidor tem oportunidade de conhecer como é o cultivo", diz Ronaldo.

O pouco que sobra é levado para a feira de produtos orgânicos que é realizada na sexta-feira, no Crato, na Rua dos Cariris. "Em menos de duas horas, eu vendo tudo", comemora. No momento, Ronaldo está agregando outra fonte de renda. É a criação de abelhas.

Mudança de vida

O produtor Francisco Antonio Bernardo, conhecido como "Novo", secretário da Associação dos Pequenos Agricultores do Sítio Coité, no Município de Barbalha, diz que, depois que começou a produzir orgânicos, melhorou de vida.

Antes, trabalhava num engenho de rapadura que funcionava no Distrito de Arajara. Com o fechamento do engenho, voltou para a agricultura, que também não deu certo. Partiu para a agricultura solidária com o plantio e fabricação de alimentos orgânicos, galinha, bolo de puba, pão de ló, sequilhos, e gêneros alimentícios. Hoje, a Associação conta com a participação de 13 famílias que, segundo ele, têm uma boa vida.

Fique por dentro 

Vantagens

Existem várias razões para se consumir produtos orgânicos. Seu sabor é melhor, pessoal, porém existem certos critérios determinados por "degustadores" que afirmam que os alimentos orgânicos possuem mais "gosto" que os alimentos produzidos pelo sistema convencional.

É mais saudável. Os produtos orgânicos crescem sem pesticidas e fertilizantes químicos sintetizados artificialmente. Muitas pessoas possuem hábitos de descascar a cenoura para o preparo de uma salada, devido à possibilidade de ingestão de pesticidas presentes em sua casca. Escolhendo os produtos orgânicos, o consumidor usufrui na totalidade as frutas e vegetais sem a preocupação com o consumo de pesticidas.

MELHORES GRÃOS

Produção inicia com seleção de sementes

Crato. Para o agricultor Juvenal Januário Matos, a produção de alimentos orgânicos começa com o plantio de sementes selecionadas pelo próprio produtor. Juvenal escolhe os melhores grãos e armazena em garrafas pet para o período chuvoso do próximo ano. "A semente do milho é retirada do meio da espiga", ensina Januário.

Quem optou pela produção de alimentos orgânicos está satisfeito. O agricultor José Moreira da Silva, do Assentamento Flor da América, entre Farias Brito e Cariús, diz que, além de ter melhorado a renda num pequeno espaço de terra, está contribuindo para a saúde da população. Moreira lembra que a escolha do produto orgânico tem sido feita principalmente pela maior preocupação com a saúde. "Em segundo lugar, pela prevenção do meio ambiente e, por último, pela questão do sabor. Ninguém troca um galinha de capoeira por um frango de granja", afirma o agricultor.

O professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Sebastião Cavalcante de Souza, lançou no Crato, durante a IV Exposição de Produtos da Economia Solidária de Base Familiar da Região do Cariri (IV Expofan), uma cartilha sobre a utilização de defensivos agrícolas naturais fabricados com sabão, cebola, fumo, nin da índia, urtiga, cravo de defunto e, ainda, cascas de angico.

Um dos inseticidas mais completos, de acordo com Cavalcante, é o nin da índia, que combate pragas de hortaliças, traças, lagartas e gafanhotos. "É um inseticida repelente que atua em 95% dos insetos nocivos", garante o professor. As propriedades terapêuticas do nin são conhecidas pelos indianos há séculos. É chamado de a "árvore sagrada", tendo uso para fins medicinal, veterinário, florestal e agrícola.

Nutrição

O produto orgânico é diferente do da agricultura convencional, que emprega doses maciças de inseticidas, fungicidas, herbicidas e adubos químicos altamente solúveis. Esses agroquímicos, segundo ele, fazem com que os alimentos tenham baixo valor nutricional e, em sua toxicidade, pode estar a causa de doenças que afetam o homem. 

MAIS INFORMAÇÕES 
Associação Cristã de Base (ACB)
Rua Cariri, número 61 B
Centro, Município do Crato - CE
Telefone: (88) 3521.3005

Antônio Vicelmo
Repórter

PRESERVAÇÃO (26/12/2010)

Agrofloresta é o sistema usado para o manejo da terra


26/12/2010 
Clique para Ampliar
O agricultor José Moreira da Silva, do Assentamento Flor da América, entre Farias Brito e Cariús, participou da Expofan no Crato, apresentando seus produtos orgânicos 
FOTOS: ANTÔNIO VICELMO
O plantio de vários tipos de árvores frutíferas em uma mesma área resulta em uma boa produção

Crato. O ponto de partida para o cultivo de produtos orgânicos é o solo. Nada de queimadas ou de retirada das árvores. O plantio é feito consorciado com a vegetação natural do terreno. É a agrofloresta, um sistema de uso e manejo da terra no qual árvores ou arbustos são utilizados em conjunto com a agricultura e/ou com animais numa mesma área, de maneira simultânea ou sequência de tempo.

Um sistema simples e eficiente de agricultura: o plantio de vários tipos de árvores frutíferas em uma mesma área, que resulta em muita produção, comida na mesa e renda para toda a família. No Cariri, de acordo com levantamento feito pela ACB, funcionam cinco agroflorestas: três no Crato, uma em Nova Olinda e outra em Santana do Cariri. Uma das maiores vantagens das agroflorestas é, precisamente, sua capacidade de manter bons níveis de produção em longo prazo e de melhorar a produtividade de forma sustentável.

Essa vantagem deve-se, principalmente, ao fato de que muitas árvores e arbustos têm, entre outras funções, a de adubar, proteger e conservar o solo. As agroflorestas são quase sempre manejadas sem aplicação de agrotóxicos ou requerem quantidades mínimas dessas substâncias químicas. Os efeitos negativos sobre o meio ambiente são mínimos. Outro aspecto importante é que a associação de árvores e arbustos, nas culturas agrícolas e nas pastagens, contribui para a conservação dos rios e outros cursos d´água. Essa perspectiva favorece a recuperação da produtividade de solos degradados por meio de espécies arbóreas implantadas no local, que adubam naturalmente o solo, reduzindo a utilização de insumos externos e, com isso, os custos de produção, aumentando a eficiência econômica da unidade produtiva.

Além disso, a maior diversificação representa mais produtos comercializáveis, favorecendo uma geração de renda mais harmônica no tempo. Esse contexto é muito adequado para a pequena produção familiar. De cima da Serra do Araripe, uma das áreas mais devastadas da região, vem o exemplo. "Aqui, a gente só usa fogo no fogão", diz o agricultor Antônio da Hora, proprietário de uma casa de farinha. Ele aprendeu a conservar a natureza convivendo com as plantas. A janaguba, por exemplo, que é utilizada no combate ao câncer, é também um meio de sobrevivência da família de Antônio da Hora.

A extração do látex da planta depende da sua preservação. Sabendo usar, não vai faltar. Com esta lição dada pela própria natureza, o agricultor foi despertado para o cultivo de produtos orgânicos. A primeira experiência de agrofloresta do Cariri começou no Sítio Lagoa dos Patos, em Nova Olinda. O pioneiro foi o agricultor José Raimundo de Matos, conhecido como "Zé Artur", que transformou a pequena propriedade numa agrofloresta. Oito anos depois, Zé Artur comemora o sucesso da mudança. O mercado de orgânicos é garantido. Além de ter melhorado o padrão de vida, ela é citada como exemplo de agricultura alternativa. "Tem sempre gente de fora aqui, conhecendo nossa experiência", comemora.

Agrotóxicos

Os modelos de agricultura intensiva hoje em uso no Cariri, como o monocultivo da cana-de-açúcar e a produção de frutas exigem a aplicação de grande quantidade de produtos químicos. "O uso generalizado e exagerado de produtos químicos como vários agrotóxicos e adubos industrializados pode envenenar as fontes locais de água potável e, por outro lado, matar muitas espécies de micro-organismos benéficos que vivem no solo", diz o secretário do Meio Ambiente do Município do Crato, Nivaldo Almeida.

Os produtos orgânicos, segundo ele, são a melhor forma de se proteger da exposição às toxinas encontradas nas práticas agrícolas convencionais. Os efeitos causados pela exposição a esses pesticidas, solventes e metais pesados, podem incluir alergias, malformações congênitas, câncer e distúrbios psicológicos, adverte. Os danos causados pela ingestão desses contaminantes químicos são cumulativos e as crianças são as mais vulneráveis. Em dois estudos distintos, o Conselho de Defesa de Recursos e o Grupo de Trabalho do Meio Ambiente concluíram que milhões de crianças americanas são expostas, pela alimentação, a níveis de pesticidas acima dos limites considerados seguros. Alguns desses produtos são reconhecidamente tóxicos para o cérebro em desenvolvimento. (AV)

Nenhum comentário: