domingo, 20 de fevereiro de 2011

AULA INAUGURAL DO MDER

 AULA INAUGURAL DE CLÁUDIO FERREIRA LIMA NA PRIMEIRA TURMA DO MESTRADO ACADÊMICO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL DO CAMPUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC NO CARIRI.

AUDITÓRIO DO CAMPUS DO CARIRI

JUAZEIRO DO NORTE, 18.02.2011


Meus Caros Mestrandos:

Não estou aqui para proferir uma aula inaugural. Apenas, alguém experiente que, por haver mourejado durante muitos anos em várias trincheiras do desenvolvimento regional, quer dar um depoimento que pode ser de utilidade para vocês, que iniciam o curso de mestrado nessa área.
Vou seguir a trajetória de minha vida para, ao longo dela, mostrar-lhes as lições que fui recebendo no campo do desenvolvimento regional. E começo parodiando o poeta de Itabira: “Lutar com o desenvolvimento regional é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã”.
Pois bem. Caí na real muito cedo. Era 1954, tinha sete anos, mal entrava na idade da razão, quando ocorre um fato que marca minha vida para sempre: a morte do presidente Getúlio Vargas. Diante da comoção das pessoas mais próximas, familiares e vizinhos, vou ao fundo do quintal da minha casa e escrevo no muro: 24 de agosto de 1954. A data fatídica. E diante dela juro acompanhar dali para frente o que se falasse ou escrevesse sobre o assunto.  E cumpri com a palavra.
Aquele ano marca o início das atividades do Banco do Nordeste – BNB e a criação da Universidade Federal do Ceará – UFC.  Desde logo, há cooperação mútua entre as duas instituições, daí, nascendo, entre outras coisas, o CAEN e o CETREDE.
O BNB é criado em 1952, mas só começa a operar em 1954, porque os recursos que lhe foram destinados por lei – 1% ou 1/3 do Fundo das Secas – estavam comprometidos com a seca daquele ano. Só em 1954, o presidente Getúlio Vargas cria a Comissão Incorporadora e autoriza o Tesouro a liberar os recursos da União no capital no Banco. O BNB aparece “quando se avizinha a completa realização da primeira fase de aproveitamento da energia de Paulo Afonso (...)”.
O fato de ainda menino me manter informado de tudo pelo rádio e pelos  jornais me faz com que, aos 14 anos, ingresse no Curso de Aprendizagem Bancária – CAB, do BNB. Nas aulas do CAB, a cargo de técnicos do BNB, o assunto economia vinha à baila a toda hora. Daí para escolher o curso de Economia foi um pulo.
Vivem-se os primeiros tempos da SUDENE, que surge em 1959 contra os interesses das oligarquias nordestinas, que retardaram, inclusive, a aprovação do seu 1º Plano Diretor. Era a primeira grande experiência de desenvolvimento regional no Brasil, com estratégia bem definida pelo famoso relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, coordenado por Celso Furtado.
Àquela época, terminara os 50 anos em 5 de JK, e o Brasil, de repente, era outro, com Brasília, Belém-Brasília, a indústria automobilística, o cinema novo, a bossa nova, “e o barquinho a deslizar/ no macio azul do mar”.
No Nordeste, só se fala em desenvolvimento. Imaginem que a energia de Paulo Afonso ainda nem chegara a Fortaleza. À frente do movimento, um jovem economista, que empolga a todos com o seu discurso de esperança. Celso Furtado. Além do mais, havia na Sudene um Conselho que reunia os governadores do Nordeste e lá se formava a vontade política da Região. Mas tudo isso dura pouco. O golpe de 1964 foi mortal para a Sudene, da forma como fora concebida. Celso Furtado entra na primeira lista dos cassados.
Em 1968, justamente em 1968, ano de grandes ebulições sociais, ingresso no curso de Economia da UFC. Lá, entro mais maduro que a média dos colegas. Participo do movimento estudantil, contudo, já passado na casca do alho do sindicalismo. Com 14 anos, tinha me filiado ao sindicado dos Bancários, onde Moura Beleza exerce uma liderança forte e destemida. O sonho cubano. O Che. As reformas de base. A política externa independente. Porém, naquele primeiro de abril, aquela voz subserviente, que ainda hoje ressoa nos meus ouvidos, anuncia: “O senhor presidente da República deixou a sede do governo. Assim sendo, declaro vaga a presidência da República”. Foi um choque terrível para mim, de tal forma que, com pouca idade, me torno politicamente adulto.
Como funcionário do BNB, desde o início, me entusiasmo pela área de planejamento. O planejamento no sentido de promover mudanças. E assim faço parte de equipes setoriais no crédito rural e industrial, até que venho a participar do planejamento global do Banco.  Aí, sinto na carne as enormes limitações para se resolver o problema do Nordeste. A começar pelo fato de o Banco não possuir uma base estável de recursos. Depende dos depósitos da Sudene. O Fundo das Secas deixa de existir em 1967.
Aprovado em concurso nacional para o programa de Promoção Comercial, permaneço quase três anos no Ministério das Relações Exteriores. Sirvo na embaixada do Brasil em Bruxelas, e também presto serviços como economista à Missão do Brasil junto à então Comunidade Econômica Européia.
Lá, me interesso de pronto pela Bélgica, uma espécie de capital da Europa, uma federação que abriga três etnias. Os flamengos (de fala neerlandesa) e os valões (francófanos) são as principais. A terceira, minoritária, de fala alemã. Há lá um desequilíbrio regional, mas não tão grave como aqui. A economia flamenga, que antes da 2ª Guerra Mundial era atrasada, torna-se, sobretudo por conta do petróleo e da indústria química, mais moderna e dinâmica que a dos valões, cuja base repousa na siderurgia. Desde o ano passado, a Bélgica está em crise, sem um governo nacional, visto que  flamengos e valões não conseguem encontrar o entendimento entre eles.
Também me chama a atenção a forma como Portugal e Espanha, que, em 1977, solicitam a entrada na CEE  (mas só se convertem em membros em 1986),  se integrariam aos 10 para constituir a Europa dos 12. Teriam, na situação em que se achavam, de receber investimentos de monta. E assim foi. Era uma questão interessante de desenvolvimento regional, que me remetia ao Brasil: por que São Paulo não age como a Alemanha e a França na busca de uma integração que o fortalecesse ainda mais, porém com ganhos para o Nordeste e para o Brasil?
Vivencio nessa fase o Brasil botando as mangas de fora novamente em política externa. De fato, o governo Geisel muda as relações com os Estados Unidos e faz acordo de cooperação com a Alemanha no campo da energia nuclear. Esse período me alarga e muito os horizontes. A visão do Planeta a partir da Europa é privilegiada. Passo a entender melhor o xadrez mundial.
O período Geisel é o do II PND (1974-1979), quando o Nordeste assume na estrutura industrial brasileira papel de fornecedor de bens intermediários, especialmente os originados no Pólo Petroquímico de Camaçari. Caminha o Brasil para um sistema único e integrado, não mais por meio do comércio interregional, mas pela acumulação do capital produtivo. Isso, porém, não tira a região do estatuto de “consumidora”.
Depois, os tempos de anistia. Lembro-me do “Arraes taí”. O país se reencontrando.
Retorno ao Ceará, e ao BNB e, sempre atento ao que acontece na sociedade, logo me engajo no movimento que havia surgido no Centro Industrial do Ceará - CIC. E lá permaneço de 1979 e até 1986, quando sai do grupo um candidato a governador, Tasso Jereissati, que vence as eleições.
Mas é a Assembleia Nacional Constituinte o grande momento de minha vida profissional. Indicado pelo BNB, vou coordenar o apoio técnico à bancada do Nordeste, que, depois, une-se à do Norte e do Centro-Oeste.  Trabalho diuturnamente, sem fim de semana. Dura dois anos. Grandes lideranças regionais – do Ceará, Virgílio Távora, Mauro Benevides e Firmo de Castro tiveram atuação destacada - colocaram a questão regional bem presente na Constituição brasileira. Há quem diga até que há uma Constituição regional dentro dela. E é verdade. O Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste – FNE torna-se a conquista mais conhecida porque se expressa em valores financeiros.
Aposentado do BNB, vou presidir o Instituto de Planejamento do Ceará – IPLANCE, um órgão multidisciplinar – algumas vezes, transdisciplinar -, que é mais adiante absurdamente extinto. Em seu lugar, o IPECE, de visão puramente economicista. Luto contra isso, mas em vão, porque a motivação maior era o corte de gastos.
No Iplance, sou encarregado pelo governador de ser o elo de ligação do governo no Pacto de Cooperação, movimento que, durante alguns anos, promove a interlocução governo-empresariado, inclusive aqui no Cariri.
Nesse período, participo de outra experiência que tem a ver com o desenvolvimento regional. Trata-se da Comissão Especial Mista que tratou do desequilíbrio interregional brasileiro. O relator é o então senador Beny Veras. Sou membro do núcleo técnico de apoio e assessor do relator na elaboração do relatório. A Comissão ouve in loco todas as regiões e, no final, o relatório é apresentado em três tomos: o primeiro, “O desenvolvimento desigual da economia no espaço brasileiro”; o segundo, “Contribuições à Comissão”; e o terceiro, “Uma política espacial para o desenvolvimento nacional equilibrado e o Parecer”. É tanta a repercussão positiva desse trabalho no governo que o seu relator, Beny Veras, torna-se ministro do Planejamento.
Em 1995, assumo a Secretaria de Planejamento. Coordeno a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará 1995-1998. Com ele debaixo do braço, visito todas as áreas do governo. Vou aos outros Poderes. Discuto com prefeitos. Com o governo federal. Com lideranças da sociedade civil. Vou à Academia. O reitor à época, professor Roberto Cláudio, reúne na Reitoria todo o seu estado-maior. Daí, peregrino pelos departamentos...
Depois, ando pelo Ceará todo. E vejo com toda a clareza e crueza quanto a nossa questão regional é grave. Quando venho aqui nesta região apresentar o Plano, as lideranças locais estão rebeladas, querendo o Cariri separado do Ceará. É que a macrocefalia de Fortaleza e de sua região metropolitana chega a um ponto insuportável. Atualmente, sei que a política mudou, que há uma Região Metropolitana também no Cariri, que tem recebido investimentos.
O projeto São José, do qual era coordenador – que tinha o lema/dilema “Vamos mudar o Sertão/ p’r’o Sertão não se mudar” –, foi a oportunidade de fazer aquilo que todo governo não pode esquivar-se: atender as demandas mais primárias da maioria da população, como água e energia. A propósito, guardo comigo, há muitos anos, um pensamento de Han-Sheng Lin:
Queremos construir uma economia? Então olhemos para nossos povos. Como são? Numerosos, pobres, mal-alimentados, mal-alojados, sem educação e reduzidos ao desemprego. Este é o nosso ponto de partida: não pode haver outro.
Mas – aí uma lição para quem assume cargo em governos – tive uma visibilidade além do permitido. Resultado: pressões de toda ordem me levam a deixar o governo.
O Brasil, naufragado com problemas de dívida externa e de déficit fiscal, faz acordos com o FMI que o fragilizam. A construção do projeto nacional é interrompida. Tudo se resume ao pagamento da dívida. O planejamento de longo prazo é posto de lado. O planejamento regional deixa de existir, e,  nos Estados, vigora o salve-se quem puder da “guerra fiscal”. O Ceará, com as finanças arrumadas, sai na frente.
A Sudene é extinta em 2001 e substituída por uma agência com pouco orçamento e nenhuma expressão político-institucional, a ADENE. Antes, no início de 1999, tinha sido suprimido o DNOCS, que, no entanto, graças a campanha liderada por políticos nordestinos e funcionários do Órgão, foi reinstitucionalizado em 2001. Eram tempos neoliberais.
De volta do Congresso Nacional, demoro alguns anos no Senado Federal, como assessor do líder à época do PSDB, Sergio Machado. Aquela Casa é posto de observação privilegiado das grandes decisões nacionais. Lá sinto, como já sentira antes, o drama que é a formação de maiorias para se votar as proposições de interesse nacional. O nosso sistema eleitoral proporcional, que, de um lado, permite a representação de várias opções e preferências do eleitor, do outro, conduz ao multipartidarismo, que, por seu turno, dificulta a construção de maiorias no Legislativo. A sempre esperada reforma política viria para corrigir tais distorções.
Mudam-se os tempos. É eleito presidente da República, após várias tentativas, um operário, que devolve ao povo brasileiro a confiança no País.
Eudoro Santana, feito diretor-geral do DNOCS, me convida para auxiliá-lo na área de planejamento e, sob a sua liderança, luta-se para reverter o processo que conduz o enorme patrimônio público construído em um século de atuação do órgão a ficar praticamente alheio a quem deveria ser o seu grande beneficiário, o povo do semiárido, esse mesmo povo que, desde os tempos coloniais, ainda continua à margem de um padrão decente de vida. Da periferia das fazendas de gado, ele passa a morador delas, para cuidar do gado e do algodão. Depois, com a derrocada do algodão, só lhe resta a periferia das cidades. E isso quando não morre, migra ou busca outros caminhos. E está aí, nos programas sociais.
No entanto, se assiste, enfim, a uma gradual retomada da construção interrompida do projeto nacional.
Mais recentemente, volto ao BNB, que se recompunha, após um período administrativo desastrado que quase liquida com a instituição. Sou chamado para cuidar das relações institucionais, particularmente junto ao Congresso Nacional, onde o BNB tem encontrado o necessário respaldo da bancada do Nordeste para continuar atuando pelo desenvolvimento regional.
Meus Caros Mestrandos:
“Lutar com o desenvolvimento regional é a luta mais vã”. Mas tão empolgante que “Entanto lutamos mal rompe a manhã”.
Para finalizar, falo de uma experiência que sintetiza muito bem a preocupação com os destinos do Nordeste e do Brasil. Foi o objeto do artigo que publiquei no jornal o POVO domingo passado, sob o título “Utopia mobilizadora”, que, em boa parte, transcrevo.
Em março de 2006, o Conselho Federal de Economia - Cofecon aceita desafio do então ministro Ciro Gomes de oferecer aos candidatos a presidente da República um esboço de projeto para o Brasil. Era  conselheiro e recebi a missão de coordenar esse trabalho. De pronto, solicito a colaboração da professora Suely Chacon, que preside o Conselho Regional de Economia do Ceará. Em setembro do mesmo ano, o Cofecon entrega, solenemente, em Fortaleza, aos partidos dos candidatos, uma pequena publicação intitulada “Um projeto para o Brasil – A força da unidade na diversidade”.
O próprio título já é revelador da visão adotada, que privilegia a dimensão espacial. Nesses termos, só haverá desenvolvimento no Brasil quando cada uma das suas cinco regiões for parte ativa da dinâmica socioeconômica nacional. Além disso, a inserção na economia global – aqui, valemo-nos de Rubens Ricupero - deverá, ao mesmo tempo, ajudar-nos a integrar como produtores e consumidores de um mercado unificado os milhões de excluídos e marginalizados, herança de mais de quatro séculos de “integração perversa”.
Para cumprir a tarefa, cada Conselho Regional discute o projeto nacional a partir das potencialidades de cada estado e região, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, dentro do objetivo maior de se fortalecer o Brasil. Desse processo surgem propostas que, consolidadas, abrangem, em linhas gerais: a questão global (inserção internacional com soberania); a integração nacional para o desenvolvimento (num horizonte de longo prazo, as questões político-institucional, econômica, territorial e social (educação – esta, central no Projeto -, saúde, segurança pública, previdência social e políticas sociais); as relações internacionais; as políticas transversais (c&t e inovação, meio ambiente e cultura); e a gestão administrativa (planejamento, finanças públicas, pessoal, eficiência gerencial e comunicação social).
Estou certo de que esse trabalho não foi em vão, pois continua atual, visto que qualquer projeto sério para o Brasil não poderá dispensar a óptica regional, que é a utopia mobilizadora, essa força fora do comum capaz de unir todo o Brasil de que um dia me falou dom Fragoso, à época bispo de Crateús.
E concluo, meus Caros Mestrandos, com estas sábias palavras de Celso Furtado, que está na publicação do Cofecon a que me referi:
O valor do trabalho de um economista, como de resto de qualquer pesquisador, resulta da combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem para arriscar na busca do incerto.
Boa sorte a todos!

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