quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Censo da Fome

IBGE indica que 11,2 milhões de brasileiros passavam fome em 2009 – insegurança alimentar é mais grave para negros

Publicado em novembro 29, 2010 por HC


segurança alimentar
O número de domicílios brasileiros onde as famílias admitem que não têm alimentos em quantidade e qualidade adequadas diminuiu de 34,9% para 30,2%, entre 2004 e 2009. Mas cerca de 11,2 milhões de pessoas no país ainda conviviam com a fome no ano passado. A proporção de domicílios com brasileiros nessa condição, no entanto, tem diminuído ao longo dos anos, passando de 7% para 5%, no período.
As constatações são do suplemento Segurança Alimentar, elaborado com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do ano passado. O documento, divulgado hoje (26) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), classifica os graus de insegurança alimentar e aponta que 65,6 milhões de brasileiros não se alimentam direito.
Desse total, 40,1 milhões (20,9% da população total) convivem com a forma leve de insegurança alimentar (quando admitem que pode faltar dinheiro para comida). Mais 14,3 milhões estão na situação moderada – casos em que, no período de três meses anteriores à pesquisa, houve restrição de comida. Os demais (11,2 milhões) passam pela privação de alimentos, a insegurança alimentar grave.
De acordo com a presidente da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh), Marília Leão, apesar da evolução dos indicadores no últimos anos, o dado revela um problema dramático: a fome. “Quando encontramos domicílios em situação de insegurança alimentar grave significa que efetivamente houve episódios de fome, inclusive em crianças”, afirmou.
“Temos que considerar essa situação porque a fome implicará prejuízos grandes no perfil nutricional e no desenvolvimento delas. Consequentemente, no potencial que essas crianças têm como pessoa”, completou Marília, que também integra o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), do governo federal.
Com a queda do percentual de insegurança alimentar entre 2004 e 2009, cerca de 7 milhões de pessoas melhoraram suas condições. É o caso da empregada doméstica Lurdes Ludugério moradora de Niterói. Ela conta que, depois que a família passou a receber dinheiro de programas de transferência de renda, a alimentação melhorou, principalmente a dos cinco netos.
“Compramos bem mais comida do que antes do Bolsa Família”, afirmou. É a filha mais velha, que vive com ela na mesma casa, a beneficiária do cartão do governo. No momento, a moça está desempregada.
A maior parte da população com fome no país está no Norte (9,2% dos domicílios) e no Nordeste (9,3%). No Sul e no Sudeste, os percentuais não chegam a 3%. Diferenças também são verificadas em relação à situação dos domicílios. Na zona urbana, 6,2% e 4,6% das famílias estão em situação de insegurança moderada ou grave, respectivamente, enquanto na zona rural as proporções são de 8,6% e 7%.
Situação de insegurança alimentar é mais grave para negros
Negros (pretos e pardos) têm mais dificuldade de acesso a alimentos de qualidade e em quantidades suficientes do que os brancos. O percentual de insegurança alimentar entre eles é quase o dobro em relação ao da população branca.
Do total de 97,8 milhões de negros no país, 43,4%, convivam com algum grau de insegurança alimentar em 2009, sendo que 18,6% vivenciam a situação mais grave, de privação de comida. O percentual é seis vezes maior do que o de brancos na mesma situação: 3%. Entre esses, 24,6% estão em algum nível de insegurança alimentar.
Segundo a pesquisa, o fato de os negros estarem em maior número entre a população com restrições alimentares pode estar relacionado ao rendimento, pois pertencem à parcela mais pobre da população. O documento mostra que 55% dos domicílios com renda de até meio salário mínimo não dispunham de alimentos de qualidade e em quantidade suficientes.
Para a presidente da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (Abrandh), Marília Leão, outras “desigualdades históricas” também podem explicar a diferença entre brancos e negros. “Observamos que entre povos indígenas e comunidades tradicionais há muita desigualdade se comparada com os branco. Em relação aos negros é a mesma coisa. Por isso, as ações afirmativas são tão importantes no sentido de essas desigualdade não existirem mais.”
A prevalência de situação de insegurança alimentar moderada (restrição de alimento nos três meses anteriores a pesquisa) também é maior entre as famílias chefiadas por mulheres (10,2%). No caso de domicílios com a pessoa de referência do sexo masculino era de 14,2%. A diferença se acentua no caso de famílias com jovens até 18 anos.
Feito com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), o suplemento do IBGE ainda mostra que em 2009, 8,1% das pessoas até 17 anos não têm alimentação de qualidade e entre a população com mais de 65 anos, a proporção é de 3,6%.
Reportagem de Isabela Vieira, da Agência Brasil, publicada pelo EcoDebate, 29/11/2010

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável inicia atividades com aula inaugural

Mestrado em Desenvolvimento Regional se instala no campus do Cariri com 20 estudantes


21 de fevereiro de 2011

Com uma aula inaugural proferida pelo economista Cláudio Ferreira Lima, assessor da presidência do Banco do Nordeste do Brasil, foi instalado  na noite de sexta-feira, (18), o mestrado em Desenvolvimento Regional Sustentável, o primeiro  da Universidade Federal do Ceará no campus do Cariri. A solenidade de instalação foi realizada no auditório do campus de Juazeiro do Norte, com as presenças do reitor Jesualdo Farias,  do diretor de Gestão do Desenvolvimento do Banco do Nordeste, José Sydrião de Alencar Jr.,  e da coordenadora do curso, professora Suely Chacon. Todos que usaram da palavra reconheceram que aquele era um momento histórico para a Universidade e para a região caririense.
O professor Jesualdo Farias  disse ter a certeza de que os  presentes  deveriam estar emocionados, mas garantiu que o mais emocionado era o reitor, juazeirense que saiu da cidade ainda adolescente para estudar em Fortaleza e tem o privilégio  e a honra de  voltar à sua terra podendo contribuir para seu desenvolvimento. O reitor  falou do início da criação do campus do Cariri, da expansão da UFC para o Interior do Estado e dos 22 cursos de graduação que já funcionam nos campi de Sobral, Cariri e Quixadá, sendo que a metade está no campus do Cariri.
Agradeceu a parceria do Banco do Nordeste, especialmente no que se refere ao apoio que está dando ao mestrado de Desenvolvimento Regional Sustentável, e anunciou, para breve, um mestrado na área de estudo de Agronomia. O diretor do BNB, Sydrião Alencar Jr., destacou a importância do mestrado  que tem estudantes de diversas disciplinas e assegurou que a Universidade  não tem o que agradecer ao Banco, porque colaborar com uma instituição da qualidade e prestígio da UFC é uma obrigação.
O mestrado é coordenado pela professora Suely Chacon  que informou terem sido 117 inscritos para a seleção, dos quais 20 foram aprovados. Os selecionados são graduados em áreas diversas tais como arquitetura, biologia, economia e enfermagem. A coordenadora assegura que todos estão assumindo o compromisso de contribuir, com seus trabalhos, para a melhoria da qualidade de vida da região.
PARALELO  - O professor  Cláudio Ferreira Lima ressaltou que o Nordeste tem um grande potencial  para crescer e se caracteriza por vencer resistências. Ele desenvolveu o pronunciamento traçando um paralelo com sua própria vivência, permeada por fatos políticos, econômicos e sociais que marcaram o desenvolvimento do Nordeste e em especial do Ceará. Referindo-se à gestão do  reitor  da UFC,  observou que o professor Jesualdo Farias está honrando o lema proposto pelo undador da Instituição, professor Martins Filho: "o universal pelo regional".
O palestrante percorreu a história do Brasil e do Nordeste a partir dos anos 50, quando findou a Era Vargas com o suicídio do Presidente Getúlio. Falou dos movimentos populares do final dos anos 50 e início de 60, do Golpe Militar de 64, da criação da Sudene sua posterior extinção, recriação e esvaziamento.
Do Ceará, citou a transição dos governos do Coronéis para o primeiro governo de Tasso Jereissati; da importância do Centro Industrial do Ceará (CIC) para as mudanças bem como sua contribuição no Movimento pelas Diretas Já. Falou ainda sobre o período em que foi Secretário do Planejamento e do Projeto São José, um  modelo de desenvolvimento regional. que tinha como slogan "Vamos mudar o sertão, para o sertão não se mudar".
Ao encerrar, desejou a todos os estudantes um Mestrado proveitoso e que ofereçam, com suas dissertações, sugestões que contribuam com a  luta contra a desigualdade regional.
Fonte: Coordenadoria de Comunicação Social e Marketing Institucional da UFC

domingo, 20 de fevereiro de 2011

AULA INAUGURAL DO MDER

 AULA INAUGURAL DE CLÁUDIO FERREIRA LIMA NA PRIMEIRA TURMA DO MESTRADO ACADÊMICO DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL DO CAMPUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UFC NO CARIRI.

AUDITÓRIO DO CAMPUS DO CARIRI

JUAZEIRO DO NORTE, 18.02.2011


Meus Caros Mestrandos:

Não estou aqui para proferir uma aula inaugural. Apenas, alguém experiente que, por haver mourejado durante muitos anos em várias trincheiras do desenvolvimento regional, quer dar um depoimento que pode ser de utilidade para vocês, que iniciam o curso de mestrado nessa área.
Vou seguir a trajetória de minha vida para, ao longo dela, mostrar-lhes as lições que fui recebendo no campo do desenvolvimento regional. E começo parodiando o poeta de Itabira: “Lutar com o desenvolvimento regional é a luta mais vã. Entanto lutamos mal rompe a manhã”.
Pois bem. Caí na real muito cedo. Era 1954, tinha sete anos, mal entrava na idade da razão, quando ocorre um fato que marca minha vida para sempre: a morte do presidente Getúlio Vargas. Diante da comoção das pessoas mais próximas, familiares e vizinhos, vou ao fundo do quintal da minha casa e escrevo no muro: 24 de agosto de 1954. A data fatídica. E diante dela juro acompanhar dali para frente o que se falasse ou escrevesse sobre o assunto.  E cumpri com a palavra.
Aquele ano marca o início das atividades do Banco do Nordeste – BNB e a criação da Universidade Federal do Ceará – UFC.  Desde logo, há cooperação mútua entre as duas instituições, daí, nascendo, entre outras coisas, o CAEN e o CETREDE.
O BNB é criado em 1952, mas só começa a operar em 1954, porque os recursos que lhe foram destinados por lei – 1% ou 1/3 do Fundo das Secas – estavam comprometidos com a seca daquele ano. Só em 1954, o presidente Getúlio Vargas cria a Comissão Incorporadora e autoriza o Tesouro a liberar os recursos da União no capital no Banco. O BNB aparece “quando se avizinha a completa realização da primeira fase de aproveitamento da energia de Paulo Afonso (...)”.
O fato de ainda menino me manter informado de tudo pelo rádio e pelos  jornais me faz com que, aos 14 anos, ingresse no Curso de Aprendizagem Bancária – CAB, do BNB. Nas aulas do CAB, a cargo de técnicos do BNB, o assunto economia vinha à baila a toda hora. Daí para escolher o curso de Economia foi um pulo.
Vivem-se os primeiros tempos da SUDENE, que surge em 1959 contra os interesses das oligarquias nordestinas, que retardaram, inclusive, a aprovação do seu 1º Plano Diretor. Era a primeira grande experiência de desenvolvimento regional no Brasil, com estratégia bem definida pelo famoso relatório do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste – GTDN, coordenado por Celso Furtado.
Àquela época, terminara os 50 anos em 5 de JK, e o Brasil, de repente, era outro, com Brasília, Belém-Brasília, a indústria automobilística, o cinema novo, a bossa nova, “e o barquinho a deslizar/ no macio azul do mar”.
No Nordeste, só se fala em desenvolvimento. Imaginem que a energia de Paulo Afonso ainda nem chegara a Fortaleza. À frente do movimento, um jovem economista, que empolga a todos com o seu discurso de esperança. Celso Furtado. Além do mais, havia na Sudene um Conselho que reunia os governadores do Nordeste e lá se formava a vontade política da Região. Mas tudo isso dura pouco. O golpe de 1964 foi mortal para a Sudene, da forma como fora concebida. Celso Furtado entra na primeira lista dos cassados.
Em 1968, justamente em 1968, ano de grandes ebulições sociais, ingresso no curso de Economia da UFC. Lá, entro mais maduro que a média dos colegas. Participo do movimento estudantil, contudo, já passado na casca do alho do sindicalismo. Com 14 anos, tinha me filiado ao sindicado dos Bancários, onde Moura Beleza exerce uma liderança forte e destemida. O sonho cubano. O Che. As reformas de base. A política externa independente. Porém, naquele primeiro de abril, aquela voz subserviente, que ainda hoje ressoa nos meus ouvidos, anuncia: “O senhor presidente da República deixou a sede do governo. Assim sendo, declaro vaga a presidência da República”. Foi um choque terrível para mim, de tal forma que, com pouca idade, me torno politicamente adulto.
Como funcionário do BNB, desde o início, me entusiasmo pela área de planejamento. O planejamento no sentido de promover mudanças. E assim faço parte de equipes setoriais no crédito rural e industrial, até que venho a participar do planejamento global do Banco.  Aí, sinto na carne as enormes limitações para se resolver o problema do Nordeste. A começar pelo fato de o Banco não possuir uma base estável de recursos. Depende dos depósitos da Sudene. O Fundo das Secas deixa de existir em 1967.
Aprovado em concurso nacional para o programa de Promoção Comercial, permaneço quase três anos no Ministério das Relações Exteriores. Sirvo na embaixada do Brasil em Bruxelas, e também presto serviços como economista à Missão do Brasil junto à então Comunidade Econômica Européia.
Lá, me interesso de pronto pela Bélgica, uma espécie de capital da Europa, uma federação que abriga três etnias. Os flamengos (de fala neerlandesa) e os valões (francófanos) são as principais. A terceira, minoritária, de fala alemã. Há lá um desequilíbrio regional, mas não tão grave como aqui. A economia flamenga, que antes da 2ª Guerra Mundial era atrasada, torna-se, sobretudo por conta do petróleo e da indústria química, mais moderna e dinâmica que a dos valões, cuja base repousa na siderurgia. Desde o ano passado, a Bélgica está em crise, sem um governo nacional, visto que  flamengos e valões não conseguem encontrar o entendimento entre eles.
Também me chama a atenção a forma como Portugal e Espanha, que, em 1977, solicitam a entrada na CEE  (mas só se convertem em membros em 1986),  se integrariam aos 10 para constituir a Europa dos 12. Teriam, na situação em que se achavam, de receber investimentos de monta. E assim foi. Era uma questão interessante de desenvolvimento regional, que me remetia ao Brasil: por que São Paulo não age como a Alemanha e a França na busca de uma integração que o fortalecesse ainda mais, porém com ganhos para o Nordeste e para o Brasil?
Vivencio nessa fase o Brasil botando as mangas de fora novamente em política externa. De fato, o governo Geisel muda as relações com os Estados Unidos e faz acordo de cooperação com a Alemanha no campo da energia nuclear. Esse período me alarga e muito os horizontes. A visão do Planeta a partir da Europa é privilegiada. Passo a entender melhor o xadrez mundial.
O período Geisel é o do II PND (1974-1979), quando o Nordeste assume na estrutura industrial brasileira papel de fornecedor de bens intermediários, especialmente os originados no Pólo Petroquímico de Camaçari. Caminha o Brasil para um sistema único e integrado, não mais por meio do comércio interregional, mas pela acumulação do capital produtivo. Isso, porém, não tira a região do estatuto de “consumidora”.
Depois, os tempos de anistia. Lembro-me do “Arraes taí”. O país se reencontrando.
Retorno ao Ceará, e ao BNB e, sempre atento ao que acontece na sociedade, logo me engajo no movimento que havia surgido no Centro Industrial do Ceará - CIC. E lá permaneço de 1979 e até 1986, quando sai do grupo um candidato a governador, Tasso Jereissati, que vence as eleições.
Mas é a Assembleia Nacional Constituinte o grande momento de minha vida profissional. Indicado pelo BNB, vou coordenar o apoio técnico à bancada do Nordeste, que, depois, une-se à do Norte e do Centro-Oeste.  Trabalho diuturnamente, sem fim de semana. Dura dois anos. Grandes lideranças regionais – do Ceará, Virgílio Távora, Mauro Benevides e Firmo de Castro tiveram atuação destacada - colocaram a questão regional bem presente na Constituição brasileira. Há quem diga até que há uma Constituição regional dentro dela. E é verdade. O Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste – FNE torna-se a conquista mais conhecida porque se expressa em valores financeiros.
Aposentado do BNB, vou presidir o Instituto de Planejamento do Ceará – IPLANCE, um órgão multidisciplinar – algumas vezes, transdisciplinar -, que é mais adiante absurdamente extinto. Em seu lugar, o IPECE, de visão puramente economicista. Luto contra isso, mas em vão, porque a motivação maior era o corte de gastos.
No Iplance, sou encarregado pelo governador de ser o elo de ligação do governo no Pacto de Cooperação, movimento que, durante alguns anos, promove a interlocução governo-empresariado, inclusive aqui no Cariri.
Nesse período, participo de outra experiência que tem a ver com o desenvolvimento regional. Trata-se da Comissão Especial Mista que tratou do desequilíbrio interregional brasileiro. O relator é o então senador Beny Veras. Sou membro do núcleo técnico de apoio e assessor do relator na elaboração do relatório. A Comissão ouve in loco todas as regiões e, no final, o relatório é apresentado em três tomos: o primeiro, “O desenvolvimento desigual da economia no espaço brasileiro”; o segundo, “Contribuições à Comissão”; e o terceiro, “Uma política espacial para o desenvolvimento nacional equilibrado e o Parecer”. É tanta a repercussão positiva desse trabalho no governo que o seu relator, Beny Veras, torna-se ministro do Planejamento.
Em 1995, assumo a Secretaria de Planejamento. Coordeno a elaboração do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Ceará 1995-1998. Com ele debaixo do braço, visito todas as áreas do governo. Vou aos outros Poderes. Discuto com prefeitos. Com o governo federal. Com lideranças da sociedade civil. Vou à Academia. O reitor à época, professor Roberto Cláudio, reúne na Reitoria todo o seu estado-maior. Daí, peregrino pelos departamentos...
Depois, ando pelo Ceará todo. E vejo com toda a clareza e crueza quanto a nossa questão regional é grave. Quando venho aqui nesta região apresentar o Plano, as lideranças locais estão rebeladas, querendo o Cariri separado do Ceará. É que a macrocefalia de Fortaleza e de sua região metropolitana chega a um ponto insuportável. Atualmente, sei que a política mudou, que há uma Região Metropolitana também no Cariri, que tem recebido investimentos.
O projeto São José, do qual era coordenador – que tinha o lema/dilema “Vamos mudar o Sertão/ p’r’o Sertão não se mudar” –, foi a oportunidade de fazer aquilo que todo governo não pode esquivar-se: atender as demandas mais primárias da maioria da população, como água e energia. A propósito, guardo comigo, há muitos anos, um pensamento de Han-Sheng Lin:
Queremos construir uma economia? Então olhemos para nossos povos. Como são? Numerosos, pobres, mal-alimentados, mal-alojados, sem educação e reduzidos ao desemprego. Este é o nosso ponto de partida: não pode haver outro.
Mas – aí uma lição para quem assume cargo em governos – tive uma visibilidade além do permitido. Resultado: pressões de toda ordem me levam a deixar o governo.
O Brasil, naufragado com problemas de dívida externa e de déficit fiscal, faz acordos com o FMI que o fragilizam. A construção do projeto nacional é interrompida. Tudo se resume ao pagamento da dívida. O planejamento de longo prazo é posto de lado. O planejamento regional deixa de existir, e,  nos Estados, vigora o salve-se quem puder da “guerra fiscal”. O Ceará, com as finanças arrumadas, sai na frente.
A Sudene é extinta em 2001 e substituída por uma agência com pouco orçamento e nenhuma expressão político-institucional, a ADENE. Antes, no início de 1999, tinha sido suprimido o DNOCS, que, no entanto, graças a campanha liderada por políticos nordestinos e funcionários do Órgão, foi reinstitucionalizado em 2001. Eram tempos neoliberais.
De volta do Congresso Nacional, demoro alguns anos no Senado Federal, como assessor do líder à época do PSDB, Sergio Machado. Aquela Casa é posto de observação privilegiado das grandes decisões nacionais. Lá sinto, como já sentira antes, o drama que é a formação de maiorias para se votar as proposições de interesse nacional. O nosso sistema eleitoral proporcional, que, de um lado, permite a representação de várias opções e preferências do eleitor, do outro, conduz ao multipartidarismo, que, por seu turno, dificulta a construção de maiorias no Legislativo. A sempre esperada reforma política viria para corrigir tais distorções.
Mudam-se os tempos. É eleito presidente da República, após várias tentativas, um operário, que devolve ao povo brasileiro a confiança no País.
Eudoro Santana, feito diretor-geral do DNOCS, me convida para auxiliá-lo na área de planejamento e, sob a sua liderança, luta-se para reverter o processo que conduz o enorme patrimônio público construído em um século de atuação do órgão a ficar praticamente alheio a quem deveria ser o seu grande beneficiário, o povo do semiárido, esse mesmo povo que, desde os tempos coloniais, ainda continua à margem de um padrão decente de vida. Da periferia das fazendas de gado, ele passa a morador delas, para cuidar do gado e do algodão. Depois, com a derrocada do algodão, só lhe resta a periferia das cidades. E isso quando não morre, migra ou busca outros caminhos. E está aí, nos programas sociais.
No entanto, se assiste, enfim, a uma gradual retomada da construção interrompida do projeto nacional.
Mais recentemente, volto ao BNB, que se recompunha, após um período administrativo desastrado que quase liquida com a instituição. Sou chamado para cuidar das relações institucionais, particularmente junto ao Congresso Nacional, onde o BNB tem encontrado o necessário respaldo da bancada do Nordeste para continuar atuando pelo desenvolvimento regional.
Meus Caros Mestrandos:
“Lutar com o desenvolvimento regional é a luta mais vã”. Mas tão empolgante que “Entanto lutamos mal rompe a manhã”.
Para finalizar, falo de uma experiência que sintetiza muito bem a preocupação com os destinos do Nordeste e do Brasil. Foi o objeto do artigo que publiquei no jornal o POVO domingo passado, sob o título “Utopia mobilizadora”, que, em boa parte, transcrevo.
Em março de 2006, o Conselho Federal de Economia - Cofecon aceita desafio do então ministro Ciro Gomes de oferecer aos candidatos a presidente da República um esboço de projeto para o Brasil. Era  conselheiro e recebi a missão de coordenar esse trabalho. De pronto, solicito a colaboração da professora Suely Chacon, que preside o Conselho Regional de Economia do Ceará. Em setembro do mesmo ano, o Cofecon entrega, solenemente, em Fortaleza, aos partidos dos candidatos, uma pequena publicação intitulada “Um projeto para o Brasil – A força da unidade na diversidade”.
O próprio título já é revelador da visão adotada, que privilegia a dimensão espacial. Nesses termos, só haverá desenvolvimento no Brasil quando cada uma das suas cinco regiões for parte ativa da dinâmica socioeconômica nacional. Além disso, a inserção na economia global – aqui, valemo-nos de Rubens Ricupero - deverá, ao mesmo tempo, ajudar-nos a integrar como produtores e consumidores de um mercado unificado os milhões de excluídos e marginalizados, herança de mais de quatro séculos de “integração perversa”.
Para cumprir a tarefa, cada Conselho Regional discute o projeto nacional a partir das potencialidades de cada estado e região, numa perspectiva de desenvolvimento sustentável, dentro do objetivo maior de se fortalecer o Brasil. Desse processo surgem propostas que, consolidadas, abrangem, em linhas gerais: a questão global (inserção internacional com soberania); a integração nacional para o desenvolvimento (num horizonte de longo prazo, as questões político-institucional, econômica, territorial e social (educação – esta, central no Projeto -, saúde, segurança pública, previdência social e políticas sociais); as relações internacionais; as políticas transversais (c&t e inovação, meio ambiente e cultura); e a gestão administrativa (planejamento, finanças públicas, pessoal, eficiência gerencial e comunicação social).
Estou certo de que esse trabalho não foi em vão, pois continua atual, visto que qualquer projeto sério para o Brasil não poderá dispensar a óptica regional, que é a utopia mobilizadora, essa força fora do comum capaz de unir todo o Brasil de que um dia me falou dom Fragoso, à época bispo de Crateús.
E concluo, meus Caros Mestrandos, com estas sábias palavras de Celso Furtado, que está na publicação do Cofecon a que me referi:
O valor do trabalho de um economista, como de resto de qualquer pesquisador, resulta da combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem para arriscar na busca do incerto.
Boa sorte a todos!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Conflitos por água

13/02/2011 - 07h15

Sem alternativa, comunidade usa água contaminada por agrotóxicos no interior do Ceará

Kamila Fernandes
Especial para o UOL Notícias
Em Fortaleza

Placa de alerta de que a água não é potável está instalada em uma das piscinas-reservatório do projeto de irrigação Jaguaribe-Apodi, no interior do Estado do Ceará
  • Placa de alerta de que a água não é potável está instalada em uma das piscinas-reservatório do projeto de irrigação Jaguaribe-Apodi, no interior do Estado do Ceará
Incolor, inodora, insípida. Assim é a água que a comunidade de Tomé, no alto da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte (a 198 km de Fortaleza), recebe nas torneiras de todas as suas casas. Contudo, ao analisar 46 amostras dessa água retiradas de diferentes pontos de distribuição, um estudo da Faculdade de Medicina da UFC (Universidade Federal do Ceará) constatou que em todas há resquícios de diferentes tipos de defensivos agrícolas, o que faz dessa água uma ameaça à saúde de todos que a ingerem.
Supostamente por denunciar esse fato, o líder comunitário José Maria Filho, conhecido como Zé Maria do Tomé, foi morto com 19 tiros em abril do ano passado, crime até hoje impune. E agora, o Ministério Público do Estado do Ceará ingressou na Justiça uma ação civil pública para pedir a suspensão imediata da entrega dessa água aos moradores do local e sua substituição por água potável, própria para o consumo, nem que seja por carros-pipa.
A água, distribuída pelo SAAE (Sistema Autônomo de Água e Esgoto) de Limoeiro do Norte, é retirada de canais do projeto de irrigação Jaguaribe-Apodi, do Dnocs (Departamento Nacional de Obras contra as Secas). Nesse projeto, estão instaladas empresas nacionais e multinacionais que produzem frutas e grãos e que pulverizam agrotóxicos nas plantações, tanto com o auxílio de tratores como de aviões. Da mesma forma que atingem as lavouras, esses defensivos caem na água, que corre a céu aberto entre os lotes irrigados, até chegar nas casas das famílias de Tomé.
A água é cobrada regularmente pelo SAAE. “Em síntese, o SAAE de Limoeiro do Norte cobra pelo serviço de fornecimento de água, o qual vem prestando de forma absolutamente ineficiente, pois fornece água imprópria ao consumo humano aos consumidores residentes na comunidade do Tomé”, diz a ação civil pública assinada pela promotora Bianca Leal Mello da Silva Sampaio.
A permissão para o uso da água é dada pela Fapija (Federação das Associações do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi), que, em troca, recebe do SAAE o equivalente aos custos da energia elétrica do projeto de irrigação, cerca de R$ 350 mil por mês. Apesar de fornecer a água, o próprio presidente da Fapija, Raimundo César dos Santos, não garante que ela é potável. “Essa é uma água de uso exclusivo para irrigação. A gente não se responsabiliza por ela”, afirmou, minimizando, em seguida, o tom de alerta da própria fala. “Fizemos um estudo de R$ 1.500 nessa água e não encontramos nada de errado. E lá está disponível para qualquer cidadão atestar isso também.”
Em frente a um das piscinas do projeto que funcionam como reservatório, porém, a própria entidade mandou instalar placas com os seguintes dizeres: “Atenção, água não potável” e “Atenção, proibido banho e pesca”.
Santos justifica a permissão para o uso da água para abastecimento humano como uma forma de viabilizar o uso da energia elétrica para o bombeamento para irrigação. “Estamos no alto da Chapada do Apodi, a 110 metros de altitude, e toda a água que passa pelos 40 quilômetros de canais precisa ser bombeada o tempo todo. São 4.800 metros cúbicos de água por hora e sete bombas. Se não for assim, não dá para ter plantação de nada”, afirmou.
Danos à saúde
O estudo do grupo Tramas, da Faculdade de Medicina da UFC, constatou a presença de 22 princípios ativos de agrotóxicos na água consumida pela comunidade de Tomé, assim como em outras quatro localizadades. Entre os defensivos há inseticidas, fungicidas, herbicidas e acaricidas. Eles são usados, segundo o geógrafo Diego Gadelha, do curso de Saneamento Ambiental do IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará), especialmente para combater uma praga das plantações de banana, a sigatoka-amarela, um fungo que aparece nos bananais em períodos chuvosos, por causa da umidade.
Quando há pulverização aérea, o veneno não atinge só a água. As casas dos moradores da região também são afetadas, além dos próprios moradores. A pulverização com trator também não evita estragos. “Há um estudo da Cogerh (Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará) que mostra que água subterrânea, de poços, também está contaminada. Com isso, os animais, os alimentos, as pessoas, tudo está sendo atingido. E os danos vão aparecer principalmente a longo prazo, já que o veneno fica se acumulando no organismo”, disse.
Para alguns que trabalham na agricultura, os sintomas, porém, já são visíveis. Pelo menos 17 pessoas na comunidade tiveram câncer, doença que pode estar relacionada à exposição prolongada aos agrotóxicos. Outros apresentaram doenças como dermatites, desregulação hormonal, dificuldades respiratórias e insuficiência do fígado e dos rins. Um agricultor de 29 anos morreu por uma doença crônica no fígado. Em todos esses casos, percebeu-se a influência de substâncias usadas nos defensivos agrícolas.
Depois da morte de Zé Maria com 19 tiros, bem na época em que foi divulgado o estudo da UFC comprovando a existência de agrotóxicos na água entregue no Tomé, a população dali – cerca de 2.000 pessoas - ficou assustada. Ainda assim, todo dia 21, data em que o líder da comunidade foi morto, acontece uma manifestação na região.
A constatação de que a água está imprópria para o consumo humano, porém, não fez com que a maioria parasse de usá-la. “Há uns três meses, a prefeitura começou a mandar água em carros-pipa para abastecer caixas d'água da localidade. Só que, aos poucos, como não é nada simples sair de casa com o balde para buscar água, as pessoas voltaram a usar a da torneira. E a própria prefeitura, há um mês, deixou de abastecer de novo os reservatórios com água potável”, disse o geógrafo Gadelha. “Como os problemas não surgem do dia para a noite, todos vão usando”, completou.
Para o presidente do SAAE, Antônio Mauro da Costa, as pessoas querem a água ali, e não há agora outra forma de levar se não retirando do projeto de irrigação. A única alternativa seria a construção de uma adutora, no valor de R$ 7,5 milhões, dinheiro que ainda não tem previsão de ser conseguido. Costa afirma que também tem estudos que mostram que a água é boa para o consumo, apesar de a Fapija ter instalado placas informando que ali a água não é potável.
“Se ali a água é contaminada, a do rio Jaguaribe também é, e a dos outros afluentes e de toda região do Vale do Jaguaribe também são, porque aqui existe a maior empresa a céu aberto do Nordeste, onde mais de 10 mil pessoas são empregadas. E a luta é para se aumentar a área irrigada. Se não puder mais usar os defensivos, tudo isso vai acabar”, disse Costa.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Apicultura do Nordeste valorizada


27 de janeiro de 2011 - 15:42 - Por TM

Mel paraibano recebe selo federal que autoriza exportação

Selo permite a comercialização em outros Estados e fora do país ampliando mercado para a atividade
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Foto: Divulgação
Com uma produção média de 50 toneladas de mel ao ano, a Cooperativa Regional dos Produtores Rurais, Coaprodes, formada por cerca de 300 produtores da região do Brejo e Curimataú paraibano, acabou de receber o selo do Serviço de Inspeção Federal, o SIF.
O selo autoriza a comercialização do produto fora dos limites do Estado, assim como para a importação. Com a autorização a Paraíba tem a possibilidade de abrir novos mercados e expandir o crescimento do setor.
Com essa medida os produtores poderão vender para farmácias, redes de supermercados, bem como abrir pontos próprios para comercialização. Antes do selo os produtores ficavam limitados à comercialização com o governo do Estado e prefeituras, agora poderão vender em pontos comerciais e até exportar
Novos mercados
Com as melhorias agregadas aos produtos, a Coaprodes deve investir também no segmento do turismo, colocando os produtos à venda em estabelecimentos que serão frequentados por turistas durante a Copa de 2014.
Até o início deste ano, o principal comprador do mel produzido eram as prefeituras e o Governo Estadual, que escoavam o alimento para a merenda escolar. Agora em 2011, o selo já rende inícios de negociações com grandes grupos como o Walmart e o Pão de Açúcar.
Com informações da Agência Sebrae de Notícias.

Entrevista - Esther Vilas e o modelo de produção de alimentos

07/02/2011 15:23:37

"Comemos o que nos dizem as grandes empresas agroalimentares"

Enric Llopis, do Rebelión*
Esther Vivas é ativista política e social dos movimentos a favor da soberania alimentar e consumo crítico.
Esther Vivas é ativista política e social dos movimentos a favor da soberania alimentar e consumo crítico.
Comprar um quilo de açúcar, um litro de leite ou um pacote de bolachas pode parecer um ato dos mais comuns. Mas, sob essa aparência inócua subjaz a relevância política de nossas ações, inclusive as mais inocentes.
Esther Vivas, ativista social pela soberania alimentar e militante do movimento antiglobalização, alerta sobre a primazia do capital privado na hora de impor gostos, marcas e produtos. Junto com Xavier Montagut, publicou os livros “Del Campo al Plato”, “¿Aonde va el comercio justo?” e “Supermercados, no gracias”.
Enric Llopis - Você é co-autora do livro “Del Campo al Plato” (Ed. Icaria, 2009). Como estão nos envenenando?
Esther Vivas - O modelo de produção de alimentos antepõe interesses privados e empresariais às necessidades alimentares das pessoas, a sua saúde e a respeito ao meio ambiente. Comemos o que as grandes empresas do setor querem. Hoje há o mesmo número de pessoas no mundo que passam fome que pessoas com problemas de sobrepeso, afetando, em ambos casos, aos setores mais pobres da população tanto nos países do norte como do sul. Os problemas agrícolas e alimentares são globais e são o resultado de converter os alimentos em uma mercadoria.
EL - Novecentos e vinte e cinco milhões de pessoas no mundo ainda passam fome. Esta é uma prova do fracasso do capitalismo agro-industrial?
EV - Sim. A agricultura industrial, quilométrica, intensiva e petrodependente demonstrou ser incapaz de alimentar a população, uma vez que tem um forte impacto no meio ambiente reduzindo a agro-diversidade, gerando mudança climática e destruindo terras férteis. Para acabar com a fome no mundo não se trata de produzir mais, como afirmam os governos e as instituições internacionais. Pelo contrário, faz falta democratizar os processos produtivos e propiciar que os alimentos estejam disponíveis para o conjunto da população.
EL - As empresas multinacionais, a ONU e o FMI propõe uma nova “revolução verde”, alimentos transgênicos e livre comécio. Que alternativa pode ser proposta desde os movimentos sociais?
EV - Faz falta recuperar o controle social da agricultura e da alimentação. Não é possível que umas poucas multinacionais, que monopolizam cada uma das etapas da cadeia agro-alimentar, acabem decidindo o que comemos. A terra, a água e as sementes devem estar nas mãos dos campesinos, daqueles que trabalham na terra. Estes bens naturais não devem servir para fazer negócio, para especulação. Os consumidores devem ter o poder de decidir o que comer, se queremos consumir produtos livres de transgênicos. Em definitivo, temos que apostar na soberanía alimentar.
EL - Poderia definir o conceito de “soberanía alimentari”?
EV - Consiste em tener a capacidade de decidir sobre tudo aquilo que esteja relacionado com a produção, distribuição e consumo de alimentos. Apostar no cultivo de variedades autóctonas, de temporada, saldáveis. Promover os circuítos curtos de comercialização, os mercados locais. Combater a competencia desleal, os mecanismos de dumping, os incentivos a exportação. Conseguir este objetivo implica uma estratégia de ruptura com as políticas da Organização Mundial do Comércio (OMC).
Mas reivindicar a soberanía alimentar não implica um retorno romântico ao passado, pelo contrário, se trata de recuperar o conhecimento das práticas tradicionais e combiná-las com as novas tecnologías e saberes. Asim mesmo, não consiste em uma proposição localista e sim de promover a produção e o comércio local, na qual o comércio internacional funcione como um complemento do anterior.
EL - A Vía Campesina afirma que hoje comer se converteu em um “ato político”. Está de acordo?
EV - Completamente. O que comemos é resultado da mercantilizaç]ao do sistema alimentar e dos intereses do agro negócio. A mercantilização que se está levando a cabo na produção agro-alimentar é a mesma que afeta a outros muitos âmbitos de nossa vida: privatização dos serviços públicos, precarização dos direitos trabalhistas, especulação com a habitação e o território. É necessário antepor outra lógica e organizar-se contra o modelo agro-alimentar atual nos marcos de um combate mais geral contra o capitalismo global.
EL - Estamos nas mãos das grandes cadeias de distribução? O que implica isso e que efeitos tem este modelo de consumo?
EV - Hoje, sete empresas no Estado Español controlam 75% da distribuição dos alimentos. E esta tendencia representa mais. De tal maneira que o consumidor cada vez tem menos portas de acesso a comida e o mesmo acontece com o produtor na hora de chegar ao consumidor. Este monopolio garante um controle total aos supermercados na hora de decidir sobre nossa alimentação, o preço que pagamos pelo que comemos e como foi elaborado.
EL - Servem as soluções individualistas para romper com estas pautas de consumo?
EV - A ação individual tem um valor demostrativo e aporta coerência, mas não gera mudanças estruturais. Faz falta uma ação política coletiva, organizar-nos no âmbito do consumo, por exemplo, a partir de grupos e cooperativas de consumo agroecológico; crias alternativas e promover alianças amplas a partir da participação em camapanhas contra a crise, em defesa de territorio, fóruns sociais, etc…
Também és necessário sair as ruas e atuar políticamente, como em determinado momento se fez com a campanha da Iniciativa Legislativa Popular contra os transgênicos impulsionada por “Som lo que Sembrem”, porque, como já sew viu em muitas ocasiões, aqueles que estão nas instituições não representam nossos interesses mas sim os privados.
EL - Kyoto, Copenhague, Cancún. Qual o baçanço geral que se pode fazer das diferentes cúpulas sobre mudança climática?
EV - O balanço é muito negativo. Em todas estas cúpulas pesaram muito mais os interesses privados e o curto prazo e não a vontade política real para acabar com a mudança climática. Não foram feitos acordos vinculantes que permitam uma redução efetiva dos gases de efeito estufa. Ao contrário, os critérios mercantis têm sido uma vez mais a moeda de troca, e o mecanismo de comércio de emissões são, neste sentido, a máximo expressão disso.
EL - Em Cancún foi muito utilizada a ideia de “adaptação” a mudança climática. Se escondem detrás os interesses das companhias multinacionais e de um suposto “capitalismo verde”?
EV - Isso mesmo. Em lugar de dar soluções reais, se opta por falsas soluções como a energía nuclear, a captação de carvão da atmosfera para seu armazenamento ou os agro-combustíveis. Se trata de medidas no qual o único que fazem é agudizar ainda mais a atual crise social e ecológica e, isto sim, proporcionar uma grande quantidade de beneficios para umas poucas empresas.
EL - O Movimento pela Justiça Climática trata de oferecer alternativas. Como nasce e quais são seus princípios?
EV - O Movimiento Pela Justiça Climática faz uma crítica às causas de fundo da mudança climática, questionando o sistema capitalista e, como muito bem diz seu lema, se trata de “mudar o sistema, não o clima”. Deste modo expressa esta relação difusa que existe entre justiça social e climática, entre crise social ecológica.
O movimento vem tendo um forte impacto internacional, sobretudo esteve na raíz dos protestos na cúpula do clima de Copenhague e, mais recentemente, nas mobilizações de Cancún. Isto contribuiu para visualizar a urgencia de atuar contra a mudança climática. O desafio é ampliar sua base social, vinculando as lutas cotidianas e buscar alianças com o sindicalismo alternativo.
EL - A solução é mudar o clima ou mudar o sistema capitalista?
EV - Faz falta uma mudança radical de modelo. O capitalismo não pode solucionar uma crise ecológica que o sistema mesmo criou. A crise atual coloca a necessidade urgente de mudar o mundo de base e fazê-lo desde uma perspectiva anticapitalista e ecologista radical. Anticapitalismo e justiça climática são dois combates que devem estar estreitamente unidos.
* Tradução de Paulo Marques para o site Brasil Autogestionário
(EcoDebate)