terça-feira, 14 de setembro de 2010

Semiárido no Ceará

Semiárido em transição

12/9/2010 Clique para Ampliar
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Os caminhos da reportagem
A convivência com o semiárido ainda é um desafio a vencer. Lançado há mais de 10 anos por uma mobilização da sociedade civil organizada, por meio da Articulação do Semiárido (ASA), o paradigma ainda se coloca na ordem do dia, lançando sobre as comunidades sertanejas e governos a sentença da mitológica Esfinge: "decifra-me ou devoro-te".

Nesta peleja entre vida e morte, observa-se uma fase de transição entre dois modelos: no primeiro, estão famílias desmobilizadas, "vítimas da seca", à espera da água da emergência, a grande maioria. No segundo, as comunidades mobilizam-se por meio de Organizações Não Governamentais (ONGs), pastorais sociais da Igreja Católica, Sindicatos de Trabalhadores Rurais. São protagonistas do próprio destino e descobrem formas de conviver com a aridez do sertão, utilizando tecnologias apropriadas à região. Estas ainda são minoria.

A cisterna de placas para captar água de chuva é o símbolo da convivência com o semiárido. Mas também tem a cisterna de calçadão, o Projeto Mandala, a barragem subterrânea e, agora, a cisterna "Chapéu do Padre Cícero", desenvolvida por uma comunidade de Nova Olinda, que combina as três primeiras técnicas.

É sabido que em todo segundo semestre de cada ano, a estiagem é uma certeza no semiárido brasileiro. Nos períodos em que as chuvas se precipitam abaixo da média histórica, como observa-se em 2010, a estiagem configura-se como seca, prenunciada em seca verde já nos primeiros seis meses do ano. Os prejuízos na agricultura e na pecuária são inevitáveis.

O Ceará chega em pleno setembro somente com média de 66% de sua capacidade total de reserva hídrica. Até dezembro, a escassez de água só tende a aumentar. Para mostrar como as populações rurais estão enfrentando a seca, o Diário do Nordeste traz esta edição especial do Caderno Regional, resultado das viagens de mais de 6 mil quilômetros, entre idas e vindas, por mais de 50 municípios feitas por oito repórteres e correspondentes.

As matérias traduzem como agricultores, donas de casa, crianças, jovens, pequenos produtores vivem neste velho sertão novo. São questões antigas de escassez de água convivendo com estratégias novas para superar o problema. Estas estratégias, em muitos casos, ainda são pontuais. E vem a contradição: a cisterna de placa, lançada para libertar o sertanejo da emergência dos governos, precisa do carro-pipa oficial para ter água. Para muitas famílias que ainda não podem ser protagonistas da própria história, a cisterna de placa ainda não provou sua real eficácia.

Porém, são nas manifestações pontuais do povo do sertão que os repórteres também puderam constatar que o paradigma de convivência com o semiárido é uma realidade viável. O funcionamento do Projeto Mandala, um verdadeiro oásis no sertão, prova ser possível superar, ao menos em parte, as dificuldades da seca. Tanto é assim que fatos inusitados acontecem: o pequeno produtor "Zé Padre" cultiva morango em plena Nova Olinda, a partir da ampliação da cisterna.

O mais incrível é perceber, pelos olhos dos repórteres, a criatividade de muitos sertanejos para superar as adversidades da estiagem. Que o diga o agricultor Aldemir Mendes, do Município de Independência, que, para evitar o calor e a aridez do solo na plantação, construiu cultivos suspensos em canteiros improvisados dentro de carcaças de geladeira.

É a convivência com o semiárido sendo recriada pela ação de muitos josés, marias, joões, que mostram ser possível brotar a vida na região em suas mais variadas manifestações. O antigo padrão do flagelo da seca toma novos contornos. Além da sociedade civil organizada, governos também entram no cenário com aportes públicos, a exemplo de programas como Garantia Safra e Bolsa Família.

E o semiárido segue sua fase de transição e só o tempo dirá quando será o final. O velho sertão novo tem ainda muitas famílias desmobilizadas, algumas choram diante da falta d´água, mas também tem comunidades protagonistas que, diante da sentença da Esfinge, escolhem decifrar os mistérios da Caatinga e conviver com ela na perspectiva da sustentabilidade.

Valéria FeitosaEditora do Regional

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