segunda-feira, 20 de julho de 2009

Quando o Nordeste se torna verde

Francisco Soares Oliveira em sua plantação de milho e feijão, perdidos pela incomum inundação deste ano. Foto: Mario Osava/IPS


Mario Osava*
20/07/2009 - 16:28:31

As chuvas, sempre invocadas, ausentes ou escassas, vieram esse ano em excesso, destruindo muitas plantações. Mas neste município do extremo nordeste do Brasil o efeito foi menos dramático do que no passado, por causa da diversificação de cultivos e atividades produtivas. “Choveu muito e nosso solo não precisa de tanta chuva”, disse Francisco Soares Oliveira, de 63 anos, que encabeça uma das 89 famílias da comunidade de Irapuá, em Nova Russas, município cearense de 30 mil habitantes situado no centro-oeste do Estado.

A paisagem atual desta parte do Nordeste - vegetação abundante e muito verde - não coincide com o postal habitual do semiárido, um bioma de arbustos retorcidos e galhos secos, produto das periódicas secas que afetam a região. Irapuá se destaca por seu verdor e suas árvores maiores, graças à umidade de um riacho que cruza a localidade. Porém, o município ao qual pertence, Novas Russas, é um dos que compõem o território Inhamuns, mais seco do que outras partes do Nordeste. Por isso, a questão hídrica é prioritária na ação local, explicou ao Terramérica a supervisora territorial do Projeto Dom Hélder Câmara (PDHC), Ana Paula Oliveira.

O PDHC, financiado pelo Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (Fida) e pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, atua em seis Estados nordestinos, promovendo a agricultura familiar, o protagonismo camponês e a articulação de diferentes instituições para que a população local possa conviver melhor com o clima semiárido. Em Inhamuns, um dos sete territórios rurais criados pelo Estado do Ceará, 71% das 1.376 famílias apoiadas pelo PDHC já contam com cisternas para coletar água da chuva, que usam para beber e cozinhar, segundo Ana Paula. E há avanços em outras formas de reter a água necessária para irrigar os cultivos.

Francisco Soares é um dos 25 pequenos agricultores de Irapuá que aderiram este ano à plantação de algodão “associado”, isto é, combinado com outros cultivos tradicionais, como feijão e milho. O algodão foi menos afetado pela inundação e compensou algumas perdas. Também contribuiu a sua produção orgânica, sem uso de agrotóxicos, que permite a venda pelo dobro do preço convencional, destacou o produtor. Além disso, a comunidade associou-se a uma rede para agregar valor ao algodão.

Outros, como Deusdete de Carvalho, de 70 anos, ex-presidente e atual tesoureiro da Associação dos Produtores em Agricultura Familiar de Irapuá, dedicam-se à apicultura, além de criar animais e plantar. “Agora são nove famílias produzindo mel, sendo que eram apenas duas no começo do projeto em 2006, quando não tínhamos equipamentos e contratávamos gente de fora que ficava com metade da produção”, recordou Carvalho, que este ano espera vender 500 litros de mel. O grupo processa e envasa o mel, e a maior parte é vendida à Companhia Nacional de Abastecimento, que fornece alimentos para a merenda das escolas públicas.

A esposa do apicultor, Maria do Socorro Carvalho, cuida de 50 galinhas, o que permite que venda cerca de 200 ovos por mês. “Antes não tinha o galinheiro, as galinhas viviam soltas e perdíamos muitos ovos comidos por animais predadores. O projeto melhorou nossas vidas”, contou. Com a assistência técnica, aprendemos o manejo de aves e gado, a diversificar a produção com ovelhas, vacas leiteiras, mel e artesanato, o que evitou “um desastre este ano”, acrescentou.

No grupo de artesanato trabalham 16 mulheres, a maioria produzindo roupas e artigos em crochê. Seriam muitas mais se os homens não proibissem suas mulheres de participar dessa atividade, queixou-se a jovem Aurilane Carvalho, que chama a atenção por sua altura em uma população geralmente baixa. “Muitas desistiram do artesanato” por causa da “violência” machista e por terem de cuidar dos filhos e das tarefas domésticas, explicou. Mas a adesão ao projeto - assistido tecnicamente pelo PDHC e por outras organizações como a católica Cáritas - “reduziu o alcoolismo”, que gera violência doméstica, e também o êxodo juvenil, reconheceu Aurilane.

Aos 27 anos, ela revelou sua liderança ao falar em público no dia 21 de junho, durante a visita à comunidade feita pelo presidente do Fida, Kanayo Nwanze. Manter os jovens na comunidade é “um desafio”, admitiu a jovem. “Muitos vão para o Rio de Janeiro”. É que a escola está “afastada da realidade do campo”, os pais “não querem seus filhos na agricultura, sofrendo suas próprias dificuldades” e falta lazer e atividades culturais, afirmou Aurilane. Mas o nigeriano Nwanze, doutor em Entomologia Agrícola e com quase 30 anos de experiência em desenvolvimento rural, ao concluir a visita disse que “aprendi mais aqui do que os livros” sobre agricultura familiar, um setor que alimenta mais de 80% da população mundial.

A diversificação produtiva cria “uma comunidade rural ativa” e uma economia local, dois elementos que são “o começo da solução de muitos problemas”, como segurança alimentar, êxodo rural que convulsiona as cidades e a emigração, afirmou Nwanze. O Fida, uma agência das Nações Unidas criada para erradicar a pobreza rural em países em desenvolvimento, já financiou seis projetos brasileiros com quase US$ 142 milhões, principalmente no Nordeste, onde se prepara para investir mais US$ 46 milhões em duas novas iniciativas. A “harmonia com a natureza” é outra dimensão primordial do desenvolvimento rural, acrescentou o presidente do Fida.

Em Irapuá já não se usa trator para arar, disse Francisco Oliveira, nascido nessa localidade, onde tem 50 hectares. “O trator acaba com a terra”. Com a semeadura direta, sem remover o sulco nem eliminar o mato, o solo mantém melhor a umidade e se fertiliza. A terra ficou “mais firme para a água, o adubo, para tudo”, afirmou. Além disso, “o projeto nos abriu muitas portas”, inclusive para conseguir crédito, ressaltou. Irapuá “sintetiza boa parte do que fazemos”, afirmou o diretor do PDHC, Espedito Rufino: buscar o protagonismo das comunidades, a gestão participativa e as associações para ampliar recursos. Entretanto, o desenvolvimento exige “políticas públicas permanentes, não apenas projetos” para os pobres, reclamou Rufino.

O PDHC e outras organizações locais acumulam experiências que podem “orientar políticas para o desenvolvimento” do Nordeste, mas as autoridades e o setor privado devem compreender “as especificações sociais, econômicas e ambientais do semiárido e a cultura de seu povo”, acrescentou Rufino. A presença do Fida proporciona “repercussão internacional” às ações locais e beneficia os agricultores pobres, “sempre excluídos das políticas públicas” e ignorados em sua cultura, contribuição alimentar e preservação de recursos naturais, acrescentou. Além disso, o Fundo promove a cooperação para que o Brasil possa transmitir ao mundo seus conhecimentos e, por sua vez, aprender com o que ocorre em outras regiões. Essa transferência de “tecnologia de produtos e processos” é importante com a África, mas é melhor falar em “permuta” e “geração participativa de conhecimento”, concluiu o diretor do PDHC.

* O autor é correspondente da IPS.

LINKS:

Uma escola dignifica a vida do campo
Potenciais benefícios da recessão
Na crise, maior poder aos pobres
Vozes da Terra, em espanhol
Projeto Dom Hélder Câmara
Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil
Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola, em inglês

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Envolverde/Terramérica)

Fonte: Mercado Ético
http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/quando-o-nordeste-se-torna-verde/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje

Nenhum comentário: