domingo, 19 de julho de 2009

Estudo regionalizado reafirma as desigualdades no território cearense

CONCENTRAÇÃO CONTINUA - RMF detém 63% do PIB no CE



Por ANCHIETA DANTAS JR.
Repórter

Jornal Diário do Nordeste - Caderno Negócios. Fortaleza, 19 de julho de 2009.


O Estado ainda é uma terra de contrastes. A concentração de renda e investimentos continua prejudicando o Interior



Um Estado com diferentes realidades. Dividido em oito macrorregiões, definidas pela lei n.º 12.896 de 1999, o Ceará é, dentro do próprio território, uma terra de contrastes. Mais da metade da população (58%) mora no Interior. Entretanto, quase 67% dos empregos formais são gerados na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), que detém 42% dos habitantes do Estado. A percepção da concentração de renda e investimentos se fortalece ainda quando se considera que 63% das riquezas produzidas no Ceará, medidas pelo Produto Interno Bruto (PIB), também são oriundas da RMF e os novos projetos não priorizam o Interior.

Ao mesmo tempo, as diferenças continuam, quando se compara o acesso da população a infra-estruturas básicas como o abastecimento de água e esgotamento sanitário. Enquanto na área metropolitana da Capital, as coberturas de água e de esgoto atingem, respectivamente, índices de 90,4% e 40,2%; no Interior, como na macrorregião do Litoral Oeste, as proporções chegam, por sua vez, a menos de 50% e 10%. Já nas macrorregiões do Sertão dos Inhamuns e do Sertão Central, a cobertura de esgoto, por outro lado, resume-se a somente 4% dos domicílios.

Os números fazem parte do Perfil Básico Regional do Ceará, referente ao ano de 2008, com base em dados de 2006 e 2007, elaborado pelo Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Estado (Ipece). O estudo consiste em uma coletânea de indicadores relacionados aos aspectos geográficos, demográficos, sociais, de infra-estrutura, econômicos e de finanças de cada uma dessas áreas.



Para Medeiros , apesar do esforço de descentralizar ações, RMF ainda polariza
´Apesar do esforço do governo estadual, nos últimos anos, de descentralizar as ações, ampliando o raio de atuação para fora da RMF, ainda hoje esta área concentra grande parte da atividade econômica no Ceará, tanto em volume de empregos, como na própria geração de riquezas´, argumenta o estatístico Cleyber Nascimento de Medeiros, analista de políticas públicas do Ipece, responsável pela coordenação do estudo. Segundo ele, esta é a primeira vez que o Ipece aborda a realidade do Estado de forma agrupada. ´Antes, o que existia era o perfil básico de cada município´, explica. Assim, ainda não é possível avaliar o comportamento dos indicadores no tempo.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=655607

POLÍTICAS PÚBLICAS - Meio urbano ainda tem sido prioridade
As diferenças que ainda persistem entre as macrorregiões do Ceará podem ser atribuídas à prioridade dada a investimentos em atividades diretamente ligadas ao meio urbano, conforme delineado pelas políticas públicas adotadas pelo governo estadual nos últimos 25 anos. É o que defende a economista Suely Chacon, doutora em Desenvolvimento Sustentável e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional Sustentável (Proder) e do Centro de Pesquisa e Pós-graduação do Semi-árido (CPPS), ambos do Campus da Universidade Federal do Ceará (UFC), no Cariri. ´Isto promoveu um movimento contínuo de desmobilização do território rural do Estado´, chama a atenção a economista, ao reportar-se à concentração de renda e de investimentos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF).


Para Suely Chacon, desequilíbrio tem causadoenormes transtornos para o Interior e para a RMF (Foto: Gustavo Pelizzon)




De fato, explica Carlos Américo Leite Moreira, doutor em economia e também professor da UFC, o problema da concentração das atividades econômicas na RMF parece ser um mecanismo cumulativo e inerente ao funcionamento do mercado. ´Os fenômenos de inversão de diferencial de custos devidos notadamente à automatização dos processos de produção, às restrições de flexibilidade da produção e à proximidade entre a produção e o mercado limitam as operações de implantação de firmas em direção aos espaços periféricos´, afirma.

Segundo ele, a exclusão dos territórios mais vulneráveis tem inviabilizado, dessa forma, o desenvolvimento de vantagens competitivas nas demais regiões do Estado. ´O contraste torna-se evidente entre as macrorregiões que possuem cidades de médio e grande porte dinâmicas — Fortaleza, Sobral e Juazeiro do Norte — e as demais áreas com forte regressão de emprego e de população´, justifica Moreira. Entretanto, vale mencionar, emenda o economista, que o dinamismo econômico dessas cidades não implica necessariamente em fortes efeitos de irradiação nas suas respectivas macrorregiões. ´Ou seja, o número de empregos formais é bastante concentrado nas principais cidades de cada macrorregião´.

Na avaliação de Suely Chacon, esse desequilíbrio tem causado, inclusive, enormes transtornos não só para o Interior, mas também para a RMF. De acordo com ela, as desigualdades regionais geradas no âmbito do território cearense só agravam a própria inserção do Estado na dinâmica nacional de desenvolvimento.

´A ênfase na urbanização se reforça tanto no Interior como na RMF, com maior dinamicidade, depois da Capital, no Cariri/Centro-Sul e em Sobral/Ibiapaba. Essas áreas demonstram também os impactos das políticas de incentivos públicos que direcionou recursos prioritariamente para a industrialização e para o meio urbano´, afirma.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=655621



DESEQUILÍBRIO SETORIAL - Serviço puxa riqueza gerada

O perfil básico das macrorregiões do Estado evidencia ainda o desequilíbrio setorial da economia, a partir da composição do Produto Interno Bruto (PIB) estadual. Conforme observa a economista Suely Chacon, com um PIB calculado em mais de R$ 45 bilhões em 2007, o Ceará também possui a segunda maior economia da região Nordeste. Entretanto, com fortes atrativos turísticos — contando com mais de dois milhões de visitantes por ano —, o setor de serviços é o que compreende a maior parte da riqueza gerada: 70,91%. O setor industrial gera outros 23,07% da riqueza e a agropecuária apenas 6,02%.

Segundo Suely Chacon, a tendência de que o PIB seja gerado em sua maior parte pelo setor de serviços é universal, pois as economias, à medida em que crescem, tendem a geram mais renda e empregos nesse setor. ´No caso do Ceará, temos explicações diferentes para o crescimento dos serviços. O litoral tem um forte movimento turístico e a RMF concentra os profissionais autônomos e uma maior rede de prestação de variados serviços. Já na grande parte do Interior do Estado, o setor terciário é reforçado pela participação dos serviços públicos. Em alguns municípios, as transferências governamentais e os empregos públicos chegam a garantir mais de 80% da geração de renda´, fala.

Esse dado é importante, continua a economista, pois denota a necessidade urgente da criação de condições reais para o estabelecimento de atividades produtivas nesse espaço do território cearense. Até porque, detalhando mais análise, observa-se também que existe um desequilíbrio na distribuição espacial de cada setor em específico da economia, sobretudo no que tange à indústria.

´Se analisarmos os maiores percentuais do setor secundário (indústrias) vê-se nitidamente a concentração no litoral e no Norte do Estado. Mesmo a região do Cariri não atinge o percentual de 20%, o que é corroborado pelos dados de arrecadação, por exemplo, do Imposto sobre Produtos Industriais (IPI). Depois da RMF, a maior arrecadação ocorre na região do Litoral Leste (13,79%)´, aponta Chacon.


Se diferença entre o PIB gerado pela RMF e o PIB gerado pelas demais regiões é imensa, chama atenção a economista, o quadro piora quando se observa a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do IPI. ´A RMF gera quase 94% do primeiro e mais de 81% do segundo. A segunda maior região em arrecadação do ICMS, Sobral, contribui com apenas 2,69%. E a participação das demais regiões é irrisória´, concluí.

Porém, destaca Chacon, embora macrorregiões como Cariri/Centro-Sul e Sobral/Ibiapaba tenham experimentado certo crescimento, a dificuldade em descentralizar o processo ainda é muito forte.



PARA ESPECIALISTAS - Estado precisa criar mecanismos compensadores


O Ceará, apesar do crescimento econômico que tem experimentado de um modo geral, ainda é um dos estados que mais necessita dos recursos públicos para garantir a continuidade desse processo. ´Nesse sentido, tomar decisões acertadas na definição de políticas públicas é fundamental para garantir uma reversão na concentração de recursos e da população na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF)´, afirma a economista Suely Chacon.

A concentração de projetos nos espaços dinâmicos, a exemplo do Pecém, só agrava polarização (Foto: Juliana Vasquez)




Carlos Américo: ´é preciso reduzir distância entre as regiões´ (Foto: Cid Barbosa)

Nessa perspectiva, emenda o também economista Carlos Américo Leite Moreira, a atuação do governo estadual torna-se determinante no sentido de criar mecanismos compensadores com o objetivo de reduzir a distância entre as regiões ´ganhadoras´ e ´perdedoras´.

´A inexistência desses mecanismos implica em pobreza e na migração para as regiões mais desenvolvidas do Estado e no conseqüente crescimento da RMF e do aumento das disparidades econômicas e sociais. A concentração de projetos estruturantes nos espaços dinâmicos do Estado, embora importantes para o crescimento do PIB, somente agravará essa polarização´, alerta.

Nesse sentido, vale ressaltar, lembra Suely Chacon, que o desenvolvimento depende de fatores que vão além apenas do mero crescimento econômico, ´que é necessário, mas não é , por si só, suficiente´. ´E mais que isso, o próprio crescimento econômico também precisa levar em consideração fatores locais, específicos de cada região. Ou seja, se vamos investir, temos que procurar atividades que potencializem as características da região, que valorizem sua diversidade e que aproveitem, ainda, suas vantagens comparativamente às vantagens de outras áreas´, argumenta a economista.

Na sua avaliação, para o Ceará continuar crescendo e alcançar o desenvolvimento, é prioritário investir, além da infra-estrutura, em novas tecnologias, no melhor conhecimento das potencialidades de toda a região, especialmente do bioma Semi-árido e, principalmente, em educação. ´Garantido o acesso da população a melhores serviços, a novos conhecimentos e à educação de qualidade, podemos garantir que um processo de desenvolvimento seja sustentável´, fala.

Por conta disso, enfatiza Chacon, o estudo regionalizado das peculiaridades do território cearense surge como um primeiro passo para definir que tipo de atividade se adequaria melhor às suas características físicas, sociais e culturais.

Para tanto, defende ainda Carlos Américo, ´a correção dos desequilíbrios entre as macrorregiões por meio de políticas de transferência de renda também apresenta-se como insuficiente´. ´A elaboração de políticas de ´solidariedade fiscal´, assim como estratégias de renda mínima e de acesso a terra, deveriam também ser consideradas´, acrescenta.

Segundo a economista Eveline Barbosa Silva Carvalho, diretora geral do Ipece, o Perfil Básico Regional de 2008 ainda não é uma análise comparativa no tempo. ´Mas apesar das diferenças entre as macrorregiões, algumas inclusive já esperadas, percebe-se que há algum avanço, como algumas áreas apresentando indicadores mais próximos da realidade da RMF´, pondera. De acordo com ela, a partir do retrato de cada macrorregião, tendo-se em mente as vocações de cada área é possível delinear políticas públicas específicas. ´Até porque quando os recursos são aplicados de forma direcionada os resultados são mais efetivos´, diz.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=655618



SAÚDE E EDUCAÇÃO - Capital também parte na frente
Taxa de escolarização no ensino médio na RMF é de 77%. No Interior oscila em torno de 50% (Foto: Alex Costa)



Os contrastes entre as macrorregiões do Ceará esbarram ainda em outros indicadores importantes para a melhoria das condições de vida da população. Além da concentração de renda e de investimentos na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), esta área do Estado também parte na frente nos quesitos educação e saúde. Com uma taxa de escolarização no ensino médio de aproximadamente 77%, a RMF consegue oferecer mão-de-obra melhor preparada para os desafios do mercado de trabalho.


Isto porque, no caso do Interior, o índice oscila em torno de apenas 50%. Entretanto, quando se observa a taxa de escolarização no ensino fundamental a situação se inverte: as proporções ultrapassam a casa dos 90%, podendo chegar a 100%, como no caso da macrorregião do Sertão Central.


´A taxa de escolarização do ensino fundamental no ano de 2006 para a macrorregião do Sertão Central atingiu o valor máximo (100%), ficando em segundo lugar a macrorregião de Sobral/Ibiapaba (95,9%). Por outro lado, observa-se que a macrorregião de Fortaleza possui percentual inferior a 90%, porém, a taxa de escolarização do ensino médio é bem maior na Capital, o que remete ao fato de que a população está se preparando, se qualificando para enfrentar o mercado de trabalho, na busca pelo emprego´, avalia o analista de Políticas Públicas do Ipece, Cleyber Nascimento de Medeiros.


Já em termos de saúde, para se ter uma idéia, o Perfil Básico Regional do Ceará, mostra que o indicador da Taxa de Mortalidade Infantil por mil nascidos vivos no ano de 2006 registrou o maior valor para a macrorregião do Sertão dos Inhamuns com uma taxa de 22,4 óbitos por mil nascidos vivos, sendo o menor valor registrado para a macrorregião de Sobral/Ibiapaba com um valor igual a 5,9. Em termos percentuais, a diferença entre estas duas macrorregiões chega a 279%. Conforme o estudo, as outras seis macrorregiões do Estado variaram o valor da mortalidade infantil entre 16,2 e 19,7 óbitos por mil nascidos vivos.

http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=655612

Nenhum comentário: